Randstad Insight: Respeito

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

O evento que se tornou referência em Portugal, que pára a zona norte de Lisboa, que se reflecte nos idiomas que invadem o metro ou na subida dos valores hoteleiros. Se fotografássemos a cidade teríamos com toda a certeza um peso maior onde outrora foi a Expo e onde se concentram os directos dos Media e sobem ao palco os nomes mais sonantes dos nossos tempos. Quanto vale o Web Summit?…

Depende. Depende da matemática que se queira fazer. Alguns dirão que muito, outros apontam o dedo ao investimento público, não encontrando retorno no entusiasmo. Não tenho a fórmula para defender outra posição. O que é facto é que movimenta milhares de pessoas, que os empreendedores e os nómadas digitais conhecem Lisboa e muitos ficam por cá e que as empresas aproveitam para anunciar investimentos e emprego em Portugal. E este é um resultado visível. Se aconteceria sem o Web Summit? Talvez, mas foi durante o evento, por isso não pode ser desvalorizado.

Mas nem só de contas se faz este evento. Este ano, as luzes não apontaram só para oradores e participantes, deram destaque aos voluntários, que se julgava ser cerca de 2000, mas que foram na verdade mais. 2700 pessoas suportaram o evento encaminhando os visitantes e garantindo a experiência. Voluntários de vários países que tinham direito a um dia de descanso para usufruir do Web Summit. Voluntários que não recebiam ordenado, que tinham horário, indicações para não fazer network com os participantes mas que não tinham seguro de acidentes de trabalho. Voluntários que eram na verdade voluntários para um trabalho, para uma função e que se fossem pagos representariam cerca de 1 milhão de euros em investimento nos ordenados e gestão das pessoas. Perante estes números o Primeiro-Ministro António Costa foi claro ao desvalorizar que “muitos dos voluntários estão cá para viver por dentro esta experiência. Há 21 anos foi a Expo 98 e houve voluntários. O ministro da Educação foi voluntário e fez-lhe bem a experiência de voluntariado” e assim rematou a questão.

E tem razão.

As experiências que adquirimos ao longo da vida podem contribuir para o desenvolvimento de competências. Experiências de atendimento ao público, acompanhamento de convidados, contacto com diferentes pessoas e culturas. E nem sequer sou fundamentalista em considerar que este voluntariado devia ser pago. O que acho curioso é o facto de se considerar uma experiência positiva o voluntariado em eventos, mas o trabalho remunerado em contact centers ser visto como algo completamente antagónico ao desenvolvimento de competências. Muitas vezes referido como trabalho escravo e precário, estigmatizando os talentos que dão voz aos serviços das empresas e transformando uma experiência profissional num cenário dantesco.

A comunicação, o espírito de equipa, a resolução de problemas complexos e a liderança são algumas das competências desenvolvidas nesta experiência profissional. Um emprego remunerado (repito), onde os trabalhadores têm contrato de trabalho (não são recibos verdes e maioritariamente nem sequer é trabalho temporário), têm seguro de acidentes de trabalho e em que as horas de formação vão muito além do exigido por Lei. Devido à atractividade do nosso país, temos os chamado centros de serviços partilhados onde a diversidade e inclusão fazem parte do ADN o que transforma estes contact centers em espaços multiculturais que contribuem também para a experiência dos profissionais.

Sim, podem dizer, mas este é um emprego para a vida?… não necessariamente. Até porque não sei o que isso é. Então devemos continuar a denegrir a imagem deste sector e destes profissionais porque eles não sonharam em trabalhar num contact center? O facto de não ser um emprego de sonho é motivo de desvalorização? Quem é que julga os empregos como sendo de primeira ou de segunda? Não é admissível e nem pode ser. Porque são profissionais com talento, porque são bons profissionais a executar estas funções, porque mesmo que não tenham sonhado com este emprego há quem goste. Há quem tenha orgulho. E há quem não goste… mas não é sempre assim?

O assistente de contact center é uma profissão que oferece oportunidades de carreira. Uma experiência real e concreta (esta não de voluntariado) que contribui para o desenvolvimento de competências e que pode levar a um percurso nesta área ou noutra. O trabalho em contact center desenvolve o talento profissional, um talento que tem de ser valorizado e que não pode estar encoberto por guerras políticas, e dogmáticas, que encontram neste sector o bode espiatório para todos os males.

Assim, e concordando com o nosso primeiro-ministro, é na experiência que nos devemos focar e por isso deixo o desafio a todos os políticos (membros do Governo ou deputados), independentemente da cor partidária, para partilharem se também eles um dia tiveram uma experiência num contact center, para que este seja também um exemplo positivo mesmo que seja na realidade Portuguesa e, não, no Web Summit.

*Artigo publicado no jornal Expresso a 03/08/2019

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 164 de Novembro de 2019

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