O impacto das crises económicas no mercado imobiliário
Por Alexandre Leitão, CEO da AML
Nos últimos tempos, o mercado imobiliário global tem sido uma arena intrigante de flutuações e resiliência. A resposta à pergunta “estamos no fim da crise global?” É a que todos analistas tentam responder perante a volatilidade dos mercados imobiliários. Nos últimos meses, o preço das casas na Austrália registou um aumento, enquanto nos Estados Unidos o sector imobiliário recuperou 1,6% relativo aos mínimos de janeiro, com as ações das construtoras a superarem a prestação do mercado acionista. Enquanto isso, na zona euro, o mercado imobiliário parece estar numa fase de estabilidade. Os economistas esperavam uma crise sobre os preços das casas nos Estados Unidos, mas os preços permaneceram estáveis, apesar da Reserva Federal ter aumentado as taxas de juro pela primeira vez desde março de 2022.
No período que antecedeu a crise financeira de 2007-2009, os preços das casas subiram constantemente até 41% acima do valor médio dos últimos 5 anos. Durante a pandemia do Covid-19, os preços voltaram a subir, mas desde então o aumento das taxas de juro encareceu as hipotecas e desacelerou a economia global. O mercado imobiliário global registou uma queda significativa nos preços das casas. Atualmente, os preços estão 3% abaixo em relação ao máximo registado e 8-10% abaixo do ajuste pela inflação. Esta correção está em linha com a média histórica que se verificou desde o século passado.
No entanto, a queda dos preços não acompanhou as expectativas e os preços reais das casas ainda estão muito altos em comparação com o nível de 2019. Muitos jovens (Millennials e Z), que tinham esperança de comprar uma casa a preços acessíveis, estão agora desiludidos. Com a crise económica de 2008, a situação imobiliária global sofreu um duro golpe. De facto, os preços das casas caíram 50% na Irlanda e 20% nos Estados Unidos. No entanto, ao contrário de então, os países com pior desempenho estão a mostrar sinais de recuperação. Nalgumas cidades americanas, como São Francisco, os preços das casas caíram um décimo dos seus máximos históricos, devido à deslocalização de empresas tecnológicas para a Flórida e Texas.
Apesar disso, os preços das casas não continuam a cair, e o preço médio de uma casa ainda custa mais de $1,1 milhão. Na Austrália, os preços das casas caíram 7% após a sua explosão imobiliária em 2020-2021. No entanto, conforme evidenciado por uma pesquisa recente, o mercado imobiliário está em alta. Um apartamento de dois quartos localizado no subúrbio de Double Bay, em Sydney, foi vendido recentemente por um valor recorde de A$ 4 milhões (US$2,7 milhões). Ao contrário das crises anteriores, a queda dos preços das casas não parece ter tido o impacto negativo no sector imobiliário. Os bancos não mostram sinais de preocupação com o aumento de incumprimento nos créditos hipotecários. Situação provavelmente decorrente da maior atenção na concessão de empréstimos de baixo risco e da ausência de investimentos em títulos subprime de risco. O incumprimento destes créditos aumentou na Nova Zelândia, mas permanece abaixo dos níveis pré-pandémicos.
Os Estados Unidos registaram o seu nível mais baixo de incumprimento em hipotecas unifamiliares desde a crise financeira, enquanto a taxa de incumprimento de hipotecas no Canadá está próxima do nível mais baixo de todos os tempos. Apesar da crise económica, o sector imobiliário parece estar relativamente estável nesses países. Em geral a situação habitacional não parece ter um impacto significativo na economia global. De facto, embora a queda do investimento imobiliário esteja a afetar o crescimento económico, o impacto é contido. No passado, durante as crises imobiliárias, o número de construtores caiu drasticamente muito antes do restante do mercado de trabalho ser afetado. No entanto, atualmente a procura por casas ainda é alta. Na Coreia do Sul, apesar de um ligeiro declínio no emprego na construção desde o pico da pandemia, parece estar novamente a crescer. Nos EUA, o emprego na construção está a crescer 2,5% ao ano, em linha com a média de longo prazo. Na Nova Zelândia, o número de casas vagas permanece significativamente maior do que os níveis históricos.
Há três fatores que explicam a notável resiliência do sector imobiliário no mundo mais próspero: a migração, as poupanças das famílias e as preferências das famílias. A migração está a atingir níveis record no mundo mais rico. Na Austrália, o saldo migratório é o dobro do nível pré-pandémico, enquanto no Canadá é o dobro do record histórico. A procura dos recém-chegados mantém o mercado imobiliário estável. Estudos mostram que cada aumento de 100.000 migrantes líquidos na Austrália leva a um aumento de 1% nos preços das casas. Em Londres, que é o primeiro destino para muitos dos recém-chegados à Grã-Bretanha, os arrendamentos subiram 16% no ano passado. A solidez económica das famílias, é também um aspecto crucial a considerar, uma vez que tem um impacto significativo no mercado imobiliário.
Os ricos impulsionaram o aumento dos preços dos imóveis e os regulamentos de empréstimos pós-crise excluíram aqueles que não satisfazem os requisitos para obtenção de crédito. Em 2007, a pontuação média de crédito do proponente nos EUA era de cerca de 700 (uma média decente), mas em 2021 aproximou-se de 800 (bastante alta). As famílias com mais recursos podem suportar mais facilmente as despesas relacionadas com a hipoteca. No entanto, muitos também beneficiaram no passado de taxas de juro baixas. De 2011 a 2021, a percentagem de créditos de taxa variável na UE caiu de 40% para menos de 15%. Isso significa que menos famílias tiveram que vender ou redimensionar o tamanho das suas casas do que em crises anteriores.
Durante o período da pandemia, muitas famílias portuguesas reduziram significativamente o consumo, gerando uma enorme poupança. Isto ajudou a protegê-los do risco do aumento das taxas de juro. De acordo com análises recentes realizadas pela Goldman Sachs, existe uma correlação positiva entre o excesso de poupança e a capacidade de as casas manterem o seu valor e isto transversalmente em todos os países em que aconteceu este fenómeno. No Canadá, o acumular da poupança durante a pandemia manteve os preços das casas estáveis. Por outro lado, em países como a Suécia, onde a acumulação de poupança foi menor, o mercado imobiliário foi mais fraco. O último fator que afeta o preço das casas está relacionado com a preferência das pessoas.
Segundo relatórios publicados pelo Banco de Inglaterra, a mudança de desejos das pessoas durante a pandemia – como exemplo precisarem de um espaço para “home office” em casa, ou uma casa com jardim em vez de um apartamento – representa 50% do crescimento dos preços das casas no Reino Unido. Em muitos países, incluindo a Austrália, a dimensão média das famílias diminuiu, demostrando que as pessoas preferem não compartilhar o mesmo espaço habitacional. Além disso, num período inflacionista, muitos preferem investir em ativos físicos (propriedades, infra-estruturas e terrenos agrícolas) que mantenham o seu valor. Tudo isto pode levar a uma procura contínua por casas, limitando a possibilidade de queda nos preços.
É possível que a quebra do mercado imobiliário seja apenas um evento adiado? Esta possibilidade não pode ser excluída. De facto, alguma quebras nos preços das casas no passado foram mais graduais e menos abruptas, como a que ocorreu no final do século XIX. Além disso, os bancos centrais estão a aumentar as taxas de juro e podem decidir mantê-las altas, a fim de conter o aumento do custo do dinheiro. Isto pode fazer com que os proprietários se sintam mais pobres, levando-os a cortar gastos e ajudar a reduzir a inflação. Todavia, existem razões válidas para acreditar que o pior já passou. Depois de atingir o fundo do poço no ano passado, a confiança do consumidor nos países mais desenvolvidos está a recuperar. Em média, as famílias continuam a poupar, apesar da difícil situação económica. Além disso, a escassez estrutural de habitações faz com que haja sempre um comprador, quando outro qualquer não a consiga adquirir. No final, parece que o boom imobiliário terminou com um lamento em vez de um grito.