A euforia que hoje se vive de compra e venda não deve esquecer que o seguro morreu de velho

Por Fernando Amorim, Gestor e Especialista em Gestão do Risco

Apesar do ambiente competitivo altamente exigente dos seguros, caracterizado pela sua complexidade e alto grau de tecnicidade, o setor segurador nacional beneficia de uma perceção pública que assenta nos atributos da estabilidade, resiliência, prudência e até de algum conservadorismo. Com efeito, é um setor que tem sabido atuar sobre as dinâmicas do mercado, suportado no histórico e experiência acumulada, que têm permitido esbater o efeito sinusoidal dos ciclos económicos mais adversos.

Não obstante, também hoje se confronta com a imperativa renovação de competências e a disputa pelo talento, o ajustamento sistemático às condições de mercado e a procura constante de fontes de diferenciação competitiva, em que inovar, adotar uma presença digital, desenvolver modelos de relação e comunicação intergeracionais, parece uma inevitabilidade.

A consolidação a que se tem assistido, de montante a jusante, na cadeia de valor seguradora, é hoje prova da atratividade e dinamismo do setor segurador. A proliferação noticiosa do último triénio, relacionada com aquisições de seguradores e distribuidores, e a presença de novos atores no mercado nacional, tem sido permanente. Se o mercado emagrece a montante, reduzindo a oferta e a capacidade disponível, evoluindo de um desejado modelo de concorrência perfeita, para um quasi oligopólio com capacidade mais rarefeita, o fenómeno na distribuição, aqui entendido como a procura, é também assinalável. De 2017 a 2022 o número disponível de distribuidores reduziu para metade, quer por descontinuidade da atividade resultante do crescente nível de exigência e profissionalismo, quer por consolidação e integração em redes de distribuição geridas por operadores de maior dimensão.

O capital, veiculado através de fundos de investimento, despertou para o papel e relevância dos atores que asseguram a distribuição de seguros, demonstrando um apetite voraz nas aquisições e na bondade dos modelos de valorimetria utilizados para remunerar o valor empresarial. É apreciável o papel que estes novos atores podem ter na consolidação da distribuição de seguros nacional – que apesar da evolução positiva que se tem verificado continua muito dispersa e atomizada – mas resta saber que riscos abstratos ou de transformação da fileira seguradora não são possíveis de vislumbrar no horizonte, mas que vão emergir a médio e longo prazo.

A euforia que hoje se vive, em que todos compram e todos vendem, não deve afastar da memória coletiva o velho adágio de que o seguro morreu de velho. O propósito na concentração da distribuição, em que o capital é despersonalizado, deve merecer da regulação um acompanhamento muito próximo e atento. A história contemporânea mais recente mantém vívido o resultado de um risco abstrato no setor financeiro que se manifestou globalmente, e do qual ainda se sentem as consequências. Por outro lado, a inovação no setor segurador, possibilitada pela tecnologia, pode ter como resultado novos modelos de negócio, aplicações, processos ou produtos com um efeito material associado à disponibilização de produtos e serviços de seguros. Melhorar a experiência no processo de compra de um cliente, apoiar os subscritores durante a avaliação do risco ou ajudar os peritos na avaliação de perdas, serão inevitavelmente benefícios tangíveis da adoção tecnológica. Centrar o foco no cliente, desenvolver novas propostas de valor e produtos que simplifiquem a experiência na utilização de produtos de seguros, num setor com muita margem de progressão em matéria de transparência e usabilidade, estimulará o ambiente competitivo à evolução e mudança.

A atividade seguradora, e a distribuição de seguros em particular, são atores indispensáveis no contexto da atividade económica nacional e na resposta à complexidade crescente da sociedade atual e aos riscos emergentes. O risco de transformação, ainda abstrato, não poderá ser a desumanização da atividade, a desintermediação, ou o entendimento de que as histórias de vida, iniciativa empresarial e empreendedorismo dos nossos distribuidores (corretores, sociedades de mediação, mediadores), são apenas veículos financeiros ao serviço de um modelo de alavancagem, gerador de um múltiplo de ebitda, de uma taxa de rendibilidade ou de uma plataforma tecnológica em que a dimensão relacional se substitui por um algoritmo.

Criar e proteger valor deverá continuar a ser o propósito seminal da distribuição de seguros. O alinhamento estratégico e colaborativo com os seguradores, assim como com a estrutura de regulação nacional, deverá permitirá fortificar e dotar a cadeia de valor segurador de maior resiliência, conferindo-lhe assim a capacidade para enfrentar as circunstâncias de cada momento. Um papel ativo no ecossistema digital, bem como na aclimatação dos novos entrantes no mercado nacional, balanceando os benefícios e os riscos para o consumidor e o mercado, no âmbito de um quadro normativo equilibrado que permita fornecer um elevado nível de proteção aos consumidores sem criar obstáculos desnecessários à inovação, será determinante.

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