Amnistias da JMJ: Quem pode ou não ser ‘perdoado’? Que crimes e multas estão abrangidos? Especialistas tiram todas as dúvidas

A propósito da vinda do Papa Francisco a Portugal, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, que se realiza em Lisboa entre 1 e 6 de agosto, o Governo propôs perdão de penas e amnistia de crimes e infrações, tendo o tema gerado alguma polémica por só abranger os jovens entre 16 e 30 anos.

A medida foi aprovada na passada semana no Parlamento e baixou à especialidade, mas permanecem ainda algumas dúvidas sobre como vão funcionar estas amnistias.

Por isso, a Executive Digest recorreu a Pedro Barosa, Sócio e Co-Coordenador da Área de Prática de Penal, Sancionatório e Compliance da Abreu Advogados, e Maria Eduarda Borges, Associada da Abreu Advogados, que explicam tudo o que precisa de saber sobre esta medida, se acordo com o que foi proposto pelo Executivo de António Costa.

— De acordo com a proposta do Governo, que crimes são abrangidos? O que justifica esta escolha, e porque é que outros crimes não estão previstos?
De acordo com a proposta de lei do Governo, os ilícitos penais suscetíveis de beneficiar do regime aí consagrado serão todos aqueles puníveis com pena de prisão até 8 anos, com exceção dos crimes geralmente considerados como muito graves e que se encontram elencados no artigo 5.º da proposta de lei (por exemplo, os crimes de homicídio, violência doméstica, ofensa à integridade física grave, coação, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas e violação). Por conseguinte, se um determinado crime punível com pena abstrata inferior a 8 anos de prisão, estiver previsto no artigo 5.º da proposta de lei, o condenado por esse crime não poderá beneficiar de perdão ou amnistia (nos termos desta proposta de lei). Exemplo disso é o crime de coação, previsto no artigo 154.º do Código Penal, que é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

— Quem tiver uma dívida às Finanças ou à Segurança Social pode ser perdoado?
Numa ótica puramente penal, importa referir que uma dívida fiscal até determinado montante pode não assumir a natureza de ilícito criminal mas sim meramente contraordenacional. Em todo o caso, a resposta é afirmativa. Os casos de crimes fiscais e contra a Segurança Social não se encontram expressamente excluídos do âmbito de aplicação da proposta de lei.

— Fui condenado em tribunal a pagar uma indemnização, por exemplo, de 600 euros por ofensas corporais simples. No âmbito da amnistia, poderia ser perdoado e não ter de pagar?
A amnistia e o perdão são factos jurídicos distintos. A amnistia extingue o procedimento criminal, enquanto que o perdão extingue a pena, total ou parcialmente, consoante os seus termos.
Considerando que o crime de ofensa à integridade física simples (previsto no artigo 143.º do Código Penal) integra o âmbito objetivo de aplicação da proposta de lei (isto é, não integra as exceções previstas no seu artigo 5.º), cumpre primeiro verificar se pode haver lugar à amnistia. Como, todavia, o crime de ofensa à integridade física simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, não é possível a amnistia, prevista apenas para as infrações penais cuja pena abstratamente aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa (artigo 4.º, alínea c)). Se a pena de multa de € 600,00 corresponder a uma pena concreta de até 120 dias de multa, poderia haver lugar a perdão.

— Recebi uma multa de 500 euros por excesso de velocidade? Pode ser perdoada, ou tenho de a pagar? E no caso de condução sob efeito do álcool ou substâncias psicoativas, pode a coima ser perdoada?
Os crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal, não beneficiam do regime de perdão e amnistia previsto na proposta de lei do Governo, por dela terem sido expressamente excluídos, conforme respetivo artigo 5.º, alínea d), subalínea ii).

— Para efeitos de amnistia os crimes têm de ter sido cometidos numa data específica, por exemplo no último ano? Ou é indiferente quando foram cometidos?
A proposta de lei é aplicável às infrações praticadas até às 00:00 horas de dia 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.

— É necessário fazer alguma coisa para ser amnistiado ou o processo é automático?
O perdão e a amnistia previstos na proposta de lei devem ser decretados oficiosamente, não sendo necessário petição do condenado ou do arguido nesse sentido.

— Como é que decorre o processo de amnistia?
O perdão ou a amnistia devem ser decretados no próprio processo, sem especialidades.

— Em que diferem estas amnistias dos indultos concedidos pelo Presidente da República todos os anos?
O indulto é um tipo de perdão, na medida em que extingue a pena, mas não extingue o procedimento criminal (ao contrário da amnistia).Porém, enquanto o perdão previsto nesta proposta de lei se destina a um grupo indiferenciado de pessoas (com a característica comum de terem idades entre os 16 e os 30 anos), o indulto presidencial é de caráter individual, isto é, consiste no perdão da pena a concreto condenado, atentas as suas circunstâncias pessoais e específicas.

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