Randstad Insight: E foram felizes para sempre

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Portugal é o país da União Europeia com maior taxa de dissolução matrimonial, seguido do Luxemburgo e de Espanha*. E apesar de estar a aumentar o número de casamentos, o “para sempre” está claramente a ganhar um novo sentido. se vamos crescendo no matrimónio, se mantivermos o ritmo, vamos claramente garantir este “honroso” primeiro lugar.

O casamento é juridicamente um vínculo contratual. O casamento é um compromisso. E com o tempo fomo-nos afastando da rigidez do vitalício para aceitar o divórcio, ou seja, a sua dissolução. Uma aceitação social em prol da felicidade das partes e, especialmente, do supremo interesse dos descendentes que eram muitas vezes atropelados por matrimónios tóxicos.

E se o divórcio deixou de ser um estigma, a terapia conjugal está longe de ser uma prática corrente. O que parece estranho, se pensarmos que em qualquer compromisso o interesse principal deve ser em cumpri-lo, garantindo o esforço e a dedicação necessário para que não fique apenas como uma promessa.

Mas o compromisso é talvez dos maiores desafios do ser humano. Um desafio porque existem alterações de circunstâncias, provocadas ou às quais somos alheios e que nos levam a mudar. E sempre que mudamos podemos ter dificuldade em cumprir aquilo a que nos comprometemos. Não falo de casamentos, até porque não seria o melhor conselheiro ou especialista. Falo de pessoas e na incapacidade de cumprirmos compromissos, de lutarmos para os atingirmos em vez de adoptarmos uma atitude permissiva.

As campanhas eleitorais são um reflexo disso mesmo. Talvez por isso se fale menos em compromissos e mais em promessas. “Promessas leva-as o vento” diz o povo e é mesmo assim. Só em pré-campanha e em campanha é que recordamos os “compromissos” não cumpridos, as promessas das arruadas e o que ficou por fazer e que alguém garante que irá fazer, se…

São compromissos que se assumem em troca de votos, programas que ninguém lê e debates que não são mais do que acusações com direito a rábulas que nos devem às vezes levar a chorar e não a rir, tal é o estado da Nação e de quem nos quer liderar.

Mas o compromisso ou a falta dele não se fica pela política. Nas nossas empresas sofremos do mesmo mal. Criamos planos estratégicos, entusiasmamo- -nos com o potencial e na execução, perante a adversidade, os factores externos e nós próprios, focamo-nos nas desculpas que vamos dar. Outros destacam-se pela culpa que procuram encontrar para o que não fizeram. E claro, o mercado, a conjuntura, o vizinho do lado ou até o tempo parece ser sempre um bom argumento para compromissos que ficam por cumprir.

E assim se fazem planos. Em que se acredita que há duas acções. O planeamento e a execução. Para alguns é fácil planear, o difícil é cumprir. Mas estas acções não são na verdade uma só? O que planeamos, aprovamos, o que nos comprometemos não é para cumprir? Ou é sempre um princípio mas não um objectivo em si? E quando não se cumpre, encolhem-se os ombros e assumem-se novas e diferentes promessas?

A responsabilidade pelo cumprimento dos compromissos não pode ser algo leviano. A liderança assim o obriga. O poder do compromisso é o poder da palavra. A honra profissional é algo que não tem tradução (pelo menos com a profundidade do termo) que é a “accountability”. Esta responsabilidade de executar o compromisso, de lutar por ele, de aplicar as terapias, de perceber que o vento tanto nos empurra como pode estar de frente, transformando o caminho num processo mais complexo, mas que não tem necessariamente de ser o fim. E os compromissos das organizações são individuais, são dependentes da liderança individual de cada um, da nossa accountability. Mas são também compromissos da organização no seu comportamento com os outros. A forma como cumprimos os nossos compromissos, seja no pagamento a fornecedores seja na apresentação de contas aos accionistas. A experiência dos nossos candidatos e dos nossos clientes, a transparência com que actuamos, a ética que nos tem de caracterizar e mais ainda a legalidade, o compliance que deve existir não só na nossa organização mas nos parceiros que escolhemos.

São valores corporativos mas são mais ainda valores individuais. Valores que se misturam na cultura das empresas e que têm de ser promovidos, cultivados e treinados. Têm de ser parte integrante do ADN da empresa, resultam num propósito da organização e dão propósito em que partilha esta mesma identidade.

A cada um cabe a responsabilidade de aceitar esta liderança, de assumir e de cumprir os compromissos e de exigir. Exigir o foco no cumprimento, exigir contribuindo na execução e reconhecendo quando o único caminho é o fim. Mas nunca desistir, mas nunca não tentar, mas nunca aceitar a mediocridade ou a desresponsabilização, ou a cultura das desculpas, do diz que disse e do esquecimento. Temos de ser exigentes, porque esta exigência individual vai contribuir para o crescimento colectivo e vai ser viral, ajudando a destacar lideranças, a destacar pessoas.

E assim todos serão felizes para sempre, mesmo que a solução seja o divórcio. Ficam as memórias, mas mais ainda a consciência de que tudo fizeram para que não chegasse ao fim. Outros ficarão juntos, não por culpa do contrato mas porque todos os dias encontram o propósito para ele continuar a existir.

*Artigo publicado no jornal Expresso a 03/08/2019

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 163 de Outubro de 2019

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