Encontros e desencontros sobre a biomassa disponível

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Uma das questões sempre em cima da mesa de quem trabalha na área da biomassa para a energia e domínios conexos, é a que se refere à quantidade de biomassa disponível. Muitas são as fontes, as citações, os estudos, mas a verdade é que se trata de um tema para o qual não há uma resposta definitiva.

Um exemplo dos mais variados dados relacionados com esta questão, está por exemplo espelhado no recente estudo apresentado em março passado sobre o impacto das celuloses no mercado da produção de eletricidade a partir de biomassa no nosso país. Polémicas à parte, centremo-nos nas várias referências sobre a biomassa disponível ou relacionadas, ao longo desse estudo:

  • 6 centrais elétricas de biomassa dedicada e cinco centrais de cogeração associadas à indústria da pasta e papel consomem 2,9 milhões de toneladas de biomassa lenhosa por ano, sendo que 57% foram obtidas diretamente das operações florestais;
  • outras centrais consomem cerca de 1,1 milhões de toneladas por ano;
  • dados da DGEG estimam que o consumo de biomassa florestal residual apenas para a produção de eletricidade foi superior a 2,14 milhões de toneladas em 2021;
  • estima-se que a produção de péletes em 2021 consumiu cerca de 1,2 milhões de toneladas;
  • em 2013 um relatório referia que disponibilidade de biomassa residual era de cerca de 2 milhões de toneladas por ano;
  • em 2017 o PBPB determinava a disponibilidade total de biomassa florestal residual para energia em 2,8 milhões de toneladas por ano;
  • outro estudo de 2021 indicava que existiam potencialmente 2 milhões de toneladas de biomassa florestal residual por ano;
  • dados mais recentes mencionam 3 milhões de toneladas por ano, em que um terço provém de áreas florestais e de mato não geridas.

Ora, como se pode constatar, existe uma grande discrepância entre o potencial e a disponibilidade efetiva, pois só é economicamente viável colher uma fração, que se estima ser de 43-65% do potencial total. Assim, os números são muitas vezes confusos e confundidos. E é preciso saber de que potencial estamos a falar.

Embora a disponibilidade signifique a quantidade de biomassa disponível na realidade num determinado mercado, numa dada região, os potenciais de biomassa são quantidades estimadas. Estes potenciais baseiam-se em assunções e dividem-se em potencias teóricos, técnicos, económicos e de implementação sustentável.

O potencial teórico refere-se à quantidade de biomassa que é teoricamente utilizável numa dada região num determinado período. O potencial técnico é parte deste potencial teórico que entra em linha de conta com certos fatores limitativos como os relacionados com limitações técnicas no domínio do abastecimento, da recolha e da conversão. Por sua vez, o potencial económico é a fração do potencial técnico que está dentro dos parâmetros de rentabilidade económica, que por sua vez depende de diferentes parâmetros. E ainda temos o potencial de implementação sustentável que normalmente é parte do potencial económico que pode ser utilizado respeitando as condições, regulamentos e restrições sociais, políticos e ambientais.

Muitas vezes confundem-se estes potenciais e quando se fala em potencial não se refere exatamente qual o tipo mencionado. O que, para além dos dados de partida serem difíceis de avaliar, pode gerar ainda mais confusão.

Uma outra questão tem também a ver com o tipo de resíduos considerados. Nesse caso temos os primários, normalmente biomassa lenhosa que permanece nas zonas de produção após a colheitas/abates, os secundários derivados do processamento das indústrias processadoras da biomassa como matéria-prima e os terciários, referentes ao pós-consumo.

Para o negócio da biomassa para a energia funcionar corretamente tem que haver disponibilidade fiável de biomassa sustentável em quantidades suficientes e com preços razoáveis. As cadeias de abastecimento têm que se adaptar às alterações do mercado e a situações catastróficas. Em termos de custos é de salientar que usualmente não se considera rentável transportar biomassa para a produção de energia em distâncias superiores a 50-75km e deve-se ter a noção de que a inovação tem permitido desenvolver tecnologias que usam a biomassa para outros fins e que, por isso, trazem novos atores ao mercado.

Concluindo, há muitos fatores que se relacionam com as estimativas da biomassa disponível. É preciso ter isso em mente, pois alterações em qualquer um desses fatores, têm influência nas estimativas, valores esses que são a base para os negócios da biomassa para a energia.