Accenture Digital Business: De algo para todos a tudo para alguns

Imaginem um mundo onde a habitual reunião de segunda-feira de manhã se concentra menos em decifrar o passado e mais em estimular o futuro. E se tivessem as respostas para as perguntas mais importantes, mas difíceis, em tempo real? Quem são os clientes mais rentáveis? Que produtos desejam? Compram na loja física, em casa ou em movimento? Como fazer com que voltem a comprar?

A NOVA OBSESSÃO PELO CLIENTE NO RETALHO

O retalho era simples. Os retalhistas encontravam o formato de loja que funcionava e abriam mais do mesmo género. Tudo girava à volta da loja. Depois chegou o digital. Mais de duas décadas depois desta revolução no retalho, o panorama está cada vez mais complexo. Neste universo de concorrência, escolhas e canais, o cliente deve ser o centro.

Em todas as mudanças que o retalho viu ao longo dos anos, o cliente é a constante. Contudo, em vez de se organizarem à volta dos clientes, os retalhistas sempre se concentraram mais em produtos, lojas, canais e categorias. Para sobreviverem, precisam de orientar o princípio da organização para os clientes, individualmente. Não é uma nova estratégia de CRM. Não é responsabilidade do marketing. É um afastamento radical das normas do retalho que centra todo o negócio – departamentos, decisões, investimentos, métricas de sucesso e mais – na rentabilidade do tempo de vida do cliente.

Os retalhistas que se adaptem continuamente às necessidades dos seus clientes e às condições de mercado – com velocidade e escala – têm quase 2,5 vezes mais probabilidade de aumentar a rentabilidade acima da média.

Contudo, nem todos os clientes são iguais. Como alguns retalhistas compreenderam, a maior concentração de lucro no retalho encontra- -se no grupo mais pequeno de clientes. São clientes leais, rentáveis – de alto valor – que querem continuar ligados à marca a longo prazo. São clientes que os retalhistas querem desesperadamente manter e é por isso que o objectivo do crescimento do retalho é reter esses clientes, adquirir clientes novos semelhantes e desenvolver uma proposta de valor para todos os outros.

Fazê-lo exige um entendimento profundo dos clientes – 64% das mudanças das marcas ocorrem por falta de relevância. Graças ao digital, os insights sobre os clientes não têm de ser um mistério. Os retalhistas podem usar técnicas de analytics e de inteligência artificial (IA), a partir das vastas bases de dados que possuem actualmente. Pela primeira vez, podem compreender os gostos, desejos e comportamentos de clientes e esquecer os grupos demográficos e comportamentais e as tácticas de tentativa e erro. Esta mudança é profunda: trata-se de conhecer os clientes como indivíduos para oferecer algo num timing relevante para o envolvimento digital.

Por fim, os retalhistas podem perguntar, responder – e agir – a questões fundamentais à velocidade e escala que os seus mercados exigem. Podem identificar clientes de alto valor e alto potencial que pagarão mais, maximizando a venda ao preço original. Tudo se resume a desbloquear dados para alavancar um crescimento futuro sustentável. Algo com que os retalhistas apenas sonhavam até agora.

PAREM AS ESPIRAIS, COMECEM AS MUDANÇAS

Os clientes do retalho são intensos e inconstantes. Mestres digitais como a Amazon ensinaram-lhes a esperar por um serviço de excelência. Ao mesmo tempo, a mania das promoções e das inúmeras escolhas condicionou-os a esperar descontos. Os clientes querem um serviço de topo e ofertas especiais.

Estas exigências colocam os retalhistas numa posição difícil. Muitos estão presos numa espiral eterna de promoções intermináveis feitas para “comprar” os clientes. Todavia, os retalhistas acabam por se prejudicar, aumentando a frequência das compras, mas vendo os lucros descer. Estão basicamente a habituar os clientes que eram rentáveis a nunca comprar ao preço original, e a habituar a próxima geração de clientes às promoções.

Apesar disso, há uma boa notícia: os melhores clientes dos retalhistas estão à vista. São os clientes de alto valor que se devem tornar na principal obsessão dos retalhistas. Não só estão à vista, como é possível encontrá-los usando dados actualmente disponíveis.

DEITAR MÃOS À OBRA

Compreender os clientes é apenas o primeiro passo na nova obsessão pelo cliente – o bilhete dourado para o futuro crescimento do retalho. Afinal de contas, uma coisa é conhecer os clientes; outra é desenvolver um negócio centrado no cliente e direccionar toda a organização para esses clientes de alto valor.

Não vale a pena disfarçar: é um trabalho complicado. A mudança é sempre difícil; mas também é difícil ser tudo para todos. Os retalhistas podem começar hoje a mover-se e a aproveitar as bases de dados já existentes, e devem começar pelos factores mais importantes desta transformação.

  • Liderar a partir do topo

Os retalhistas sempre estiveram atentos aos clientes, mas agora precisam de uma mentalidade centrada no crescimento estimulado pelo cliente. Uma mentalidade onde todos na organização vivem e respiram a centralidade no cliente. É um território desconhecido. Essa mudança de paradigma deve nascer e ser apoiada no topo, estimulada por um CEO com uma visão clara de como será o futuro, por um lema e por um roadmap para lá chegar.

  • Destruir silos

Os retalhistas tradicionais têm vindo a operar em silos funcionais descoordenados, sendo difícil traçar uma “big picture” dos clientes e dificultando assim um melhor aproveitamento do potencial dos clientes de alto valor. É importante que estes retalhistas deixem de trabalhar como silos independentes para passar a trabalhar em conjunto e sempre em função do cliente.

  • Medir o que é importante

Os retalhistas tradicionais deverão evoluir de métricas focadas nas lojas para métricas focadas nos clientes, em especial nos clientes de alto valor. Não é necessário mudar drasticamente tudo o que tem vindo a ser feito, mas é importante que o desempenho dos clientes de alto valor seja visto de outro prisma.

Não é que os retalhistas devam parar de avaliar tudo o que foi feito no passado. Em vez disso, devem mudar o prisma através do qual vêem o desempenho no segmento de clientes de alto valor. Alinhar a oferta à procura dos clientes de alto valor poderá gerar um impacto positivo na retenção de lucros e clientes.

  • Ampliar o poder das pessoas

Há a falsa noção de que lidar com dados é algo que apenas cientistas de dados fazem. No mundo do retalho obcecado pelo cliente, esta ambivalência, ou até medo, em relação aos dados deve desaparecer. A partir de agora, todos, desde executivos de topo a colaboradores da linha da frente, devem analisar dados dos clientes para tomarem decisões adequadas.

Os retalhistas precisam de cientistas de dados com conhecimentos profundos de metodologias e ferramentas analíticas. É fundamental contratar estas pessoas ou descobrir parceiros com tais competências. Contudo, precisam também de tradutores. Estes ligam os cientistas de dados – que muitas vezes não compreendem o contexto dos problemas empresariais que estão a tentar resolver – aos utilizadores finais – que muitas vezes não compreendem como os dados são usados.

  • Usar humanos e máquinas

Os humanos não precisam de estar sozinhos na análise das montanhas de dados de clientes que os retalhistas têm à disposição. As plataformas de IA analisam dados, identificando padrões mais rapidamente e de formas impossíveis para os humanos. Com as máquinas inteligentes a fazerem o trabalho repetitivo, os humanos podem passar para tarefas de maior valor que aproveitam a intuição, a criatividade e o bom senso.

Esta harmonia entre humanos e máquinas – onde cada um faz aquilo em que é melhor – permite aos retalhistas extraírem conhecimentos importantes sobre clientes de alto valor, praticamente em tempo real. É o segredo para lidar com as necessidades individuais dos clientes com escala e velocidade.

  • Mais inteligente, mais depressa

Há, contudo, uma advertência: a velocidade é importante. É inútil satisfazer as necessidades dos clientes de topo depois de o momento ter passado. E as decisões que podiam ter sido tomadas ontem podem custar milhões. É por isso que os retalhistas precisam de desenvolver um cérebro de cliente em tempo real e parar com os relatórios e folhas de cálculo. Se os dados estão inacessíveis e é difícil e moroso obter ideias, as pessoas voltam frequentemente à sua zona de conforto para não terem problemas. Acabam por evitar usar os dados e tomam decisões apenas por instinto. Para ultrapassarem este desafio, as organizações devem disponibilizar rapidamente soluções e ferramentas analíticas.

  • Sublinhar as vitórias rápidas

À medida que os retalhistas focam o seu negócio no cliente, o cepticismo em relação a estas novas formas de trabalhar irá aumentar. Contudo, com o aparecimento de mais resultados quantificáveis e mais pessoas a comprovarem estes resultados, haverá uma maior confiança nestas mudanças. Criar projectos-piloto e ensaios e desenvolver os mais promissores estimula investimentos futuros e oferece cobertura a todos os cépticos.

REGRESSO AO FUTURO DO RETALHO

Há mais de 150 anos, as experiências do retalho eram intimistas e muito pessoais. Os lojistas conheciam bem os seus clientes. As compras eram interactivas – os produtos estavam literalmente atrás do balcão e os preços eram definidos consoante as relações pessoais. Saltando para o dia de hoje, muito do panorama do retalho perdeu esta poderosa ligação pessoal.

O digital está a fazer com que isso regresse com escala. Os retalhistas têm agora dados em abundância que podem armazenar na cloud, o que lhes permite acções predictivas ao nível do cliente individual, centrando todos os aspectos do negócio nos clientes. O que altera a situação para milhares de retalhistas que ainda hoje sentem dificuldade em compreender o que atrai os seus melhores clientes.

É irónico que este novo mundo digital esteja a fazer com que os retalhistas voltem a algumas bases tradicionais. A chave para o crescimento do retalho está na combinação do ethos dos lojistas tradicionais com novas tecnologias, de forma a criar relações pessoais de retalho com milhões de clientes de alto valor. Os retalhistas devem tornar isto um eixo estratégico; os que não o fizerem estão a colocar o seu futuro em risco.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 162 de Setembro de 2019