Os bastidores do negócio milionário da clonagem de cães
Em Seul, na Coreia do Sul, clonar cães deixou de ser um cenário futurístico. A Sooam Biotech Research Foundation é a primeira empresa mundial dedicada à clonagem de cães. Um negócio que rende milhões. Mas, a ética, onde fica?
Mais de duas décadas depois do nascimento da ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta, a criação de réplicas genéticas de seres vivos continua a suscitar muita controvérsia, especialmente pelas questões éticas que acarreta, segundo a revista Vanity Fair.
Barbra Streisand, em entrevista à Variety o ano passado, anunciou que os seus novos cães eram clones da sua querida Samantha, que havia morrido. As crias foram clonadas a partir de células retiradas da boca e do estômago de “Sammie” pela ViaGen Pets, uma empresa de clonagem de animais de estimação, sediada no Texas, que cobra 50 mil dólares (44 mil euros) pelo serviço.
Há muito que éticos debatem a moralidade da clonagem. Será que temos o direito de fazer uma cópia de uma criatura em tempos viva, especialmente dada a dor e o sofrimento que o processo requer? É que podem ser necessárias dúzias ou mais de embriões para produzir um único cão saudável.
Quando um cão foi clonado pela primeira vez, em 2005, uma conquista científica que a revista Time distinguiu como uma das invenções revolucionárias do ano, foram necessários mais de 100 úteros de aluguer e mais de 1.000 embriões, ou seja, uma versão canina de máquinas reprodutivas.
Voltemos à Sooam. Na última década, a empresa clonou mais de 1.000 cães, à razão de 100 mil dólares por nascimento. Segundo Jae Woong Wang, investigadora de reprodução canina na Sooam Biotech Research Foundation, se o dono de um cão fornece o ADN de um animal de estimação que morreu no espaço de cinco dias, a empresa promete, de modo célere, um substituto. Se as células do animal que morreu não estiverem comprometidas, garantem a entrega de um clone dentro de cinco meses.
A Sooam é detida pelo cirurgião Hwang Woo-suk, o mesmo que, em 2004, foi sentenciado a dois anos de prisão depois de ter publicado na revista Science que havia clonado, com sucesso, um embrião humano. Posteriormente, descobriu-se que o cientista havia “fabricado” evidências.
Implacavelmente, Hwang fundou a Sooam para prosseguir com as suas pesquisas. No início, concentrou-se na clonagem de porcos e vacas, o que ainda hoje constitui uma parte considerável dos negócios da empresa. Já em 2007, foi contactado por um representante de John Sperling, o multimilionário fundador da Universidade de Phoenix, para clonar a cadela da sua namorada. Em 2009, foi apresentado ao mundo o primeiro clone de um cão, a Missy. Estava lançada a incursão do laboratório na duplicação comercial de cães.
O processo, aperfeiçoado ao longo de anos de tentativa e erro, é conhecido como “transferência nuclear de células somáticas”. Começa com um óvulo de um cão doador. Usando um microscópio de alta potência, os cientistas fazem uma micro-incisão no óvulo e removem o núcleo, onde o ADN está alojado. De seguida, substituem o núcleo por uma célula da cadela que está a ser clonada — geralmente a partir da sua pele ou do interior da bochecha. Finalmente, o óvulo híbrido é estimulado com uma carga eléctrica para fundir as células e iniciar a divisão celular. O embrião é então colocado no ventre de um substituto. Se tudo correr bem, uma cria nascerá cerca de 60 dias depois.
Os clones, regra geral, são muito semelhantes ao cão original, e partilham algumas das suas características, mas não têm as memórias do cão original e, inevitavelmente, a sua criação é diferente. «Os clones são como gémeos idênticos, nascidos numa data posterior», enfatiza Hwang. «Um gémeo fora do tempo.»
E o que é que torna o processo tão caro?
«Ao contrário de outras espécies», explica o cientista, «actualmente, não há protocolos para a maturação in-vitro de oócitos caninos». Traduzindo, os óvulos devem ser colhidos de cães doadores, que são submetidos a calor apenas duas vezes por ano, em vez de crescerem em laboratório, tornando-os mais difíceis e caros de obter.
E quanto à ética do processo? Hwang é sucinto: «A ética da clonagem animal e a ética da clonagem humana têm valores completamente diferentes», diz. «Na Sooam, estamos firmemente contra a clonagem humana, mas acreditamos que a clonagem de animais pode trazer benefícios e ajudar-nos a contribuir socialmente.» A pesquisa da sua equipa sobre células-estaminas visa perceber mais sobre doenças como a de Alzheimer e a diabetes.
Não demorará muito, acreditam os investigadores, que os pais de luto tentem clonar uma criança que perderam. Mas, por enquanto, a prioridade da comunidade científica ainda não é essa, mas sim a de reescrever o nosso ADN para prevenir doenças e criar versões novas e aprimoradas de nós mesmos.