“Não vejo justiça nesta guerra. Não vejo verdade aqui”: Soldado russo condena invasão à Ucrânia
O ex-paraquedista Pavel Filatyev, de 33 anos, combateu na Ucrânia sob a bandeira da Rússia e estava ciente de que as suas críticas poderiam valer-lhe acusações de traição, prisão e marginalização por parte dos seus antigos colegas de profissão. Contudo, optou por denunciar publicamente a guerra que a Rússia está a mover contra o país vizinho.
“Não vejo justiça nesta guerra. Não vejo verdade aqui”, afirmou Filatyev ao ‘The Guardian’, numa entrevista conduzida em Moscovo.
“Não tenho medo de combater na guerra, mas preciso de sentir justiça, de perceber que estou a fazer o que é correto”, explica, que acredita que o esforço de guerra do Kremlin estará a deteriorar-se, “não apenas porque o governo russo tem roubado tudo, mas porque nós, os russos, não sentimos que estejamos a fazer o que é correto”.
No início de agosto, o soldado publicou na sua página na rede social VKontakte 141 páginas de um documento que relata, ao pormenor, como a sua unidade de paraquedismo foi enviada para a Ucrânia a partir da Crimeia, como entraram em Kherson e conquistaram o porto marítimo e como estiveram sob fogo cerrado em Mikolaiv. Filatyev foi ferido em combate a evacuado para a Rússia.
Quando regressou a solo russo, começou a questionar as razões da guerra e tomou uma decisão que poderá custar-lhe a liberdade e até a vida: “Deus, se eu sobreviver, farei tudo o que puder para acabar com isto”.
As suas memórias, com o título “ZOV” em alusão às marcas patentes nos veículos de combate russos e que se tornou num símbolo pró-guerra na Rússia, é o primeiro relato, detalhado e voluntário, de um soldado russo que combateu na Ucrânia.
Vladimir Osechkin, da organização de direitos humanos ‘Gulagu.net’, considera que as revelações de Filatyev são “a abertura da caixa de Pandora”.
O delator conta como a sua unidade paraquedista estava mal equipada e exausta quando marcharam sobre a Ucrânia, sem grande apoio logístico ou orientações concretas, tendo de roubar comida nas casas abandonadas para se poderem alimentar. Esses soldados nem tinham noção de que uma guerra se desenrolava na Ucrânia.
“Demorei semanas a perceber que não havia guerra em território russo e que tínhamos acabado de atacar a Ucrânia”, confessa Filatyev. “Não era certo qual era o plano. Como sempre, ninguém sabia nada.”
Ele descreve casos de soldados russos que se feriam propositadamente para poderem escapar das linhas da frente e receber compensações monetárias, além de relatos de atos de mutilação de militares ucranianos capturados às mãos das forças russas.
“A maioria das pessoas no exército estão descontentes com o que se passa lá [na Ucrânia]”, admite, e que “eles estão descontentes com o governo e com os seus comandantes, com Putin e com a sua política, e com o ministro da Defesa, que nunca serviu no exército”.
Sendo apenas um dos poucos soldados russos que criticou abertamente a guerra da Rússia, Filatyev confessa-se esperançoso de que a máquina de guerra da Rússia venha a ser travada por protestos populares como os que se viram nos Estados Unidos durante a guerra no Vietname.