Os seguros de crédito no suporte à atividade empresarial
Dificilmente uma conjuntura seria tão apropriada, como a actual, para demonstrar os méritos dos seguros de crédito.
Por Miguel Guimarães, Director-Geral Adjunto da APS
O risco é o terreno da actividade seguradora; e o risco de negócio, a parcela dos seguros de crédito. Embora possam ter origem em problemas microeconómicos que afectam especificamente algumas empresas ou sectores de actividade, os riscos de negócio são particularmente sensíveis a fenómenos sistémicos que abalam os mercados, e que tão presentes têm estado no nosso dia-a-dia.
Olhando apenas para os últimos três anos, já assistimos: a um confronto comercial entre dois grandes blocos mundiais, os EUA e a China; a uma pandemia de proporções históricas que, além das consequências humanas, fragilizou grave ou fatalmente inúmeros pequenos negócios e sectores económicos por inteiro; a constrangimentos logísticos em circuitos de distribuição globais, problemas de escassez de matérias-primas e agravamento dos custos energéticos, que têm condicionado a produção em diversos sectores económicos e gerado tendências inflacionistas e pressões sobre as taxas de juro; e, mais recentemente, a uma inimaginável guerra no coração da Europa, com a invasão da Rússia à Ucrânia, de consequências ainda imprevisíveis, mas certamente muito nefastas para a economia europeia e mundial.
Ou seja, uma sucessão de fenómenos com impactos à escala global, que carregam uma enorme incerteza sobre a evolução macroeconómica nas mais diversas geografias, o mesmo é dizer uma enorme incerteza para a actividade das empresas no desenvolvimento do seu negócio, seja no plano interno, seja no plano externo.
Acresce que conjunturas de contracção da actividade económica, como a que caracterizou o período pandémico, tendem ainda a projectar as empresas para negócios ou mercados de maior risco, numa busca mais ou menos desesperada, e nem sempre devidamente ponderada, de recuperação da sua tesouraria, ou mesmo de sobrevivência económica.
Por outro lado, o contexto pandémico, pelo menos nas economias mais desenvolvidas, promoveu um conjunto de apoios estatais às empresas de sectores económicos mais afectados, protegendo-as de insolvências, mas apoios esses que estão agora em fase de recuo, o que acabará por expor novamente as debilidades financeiras de parte do tecido empresarial.
Sobretudo em relação aos mercados de exportação, há ainda a somar a este cenário um conjunto de riscos próprios parcamente percepcionados ou controlados pelos empresários dos países de origem, por exemplo de natureza política, regulatória, cambial ou até climática. A propósito, as questões ambientais são também factor de incerteza, não apenas por incrementarem a probabilidade de desastres naturais, mas também por imporem frequentes ajustamentos regulatórios e alterações nas escolhas e critérios dos consumidores.
E esta é a complexa realidade que os empresários, incluindo os portugueses, têm de enfrentar: por um lado, a recuperação da sua actividade deve passar pelo alargamento dos mercados, nomeadamente o reforço das exportações, que é aliás natural no processo de globalização que, em condições normais, tenderá a caracterizar o comércio mundial; mas, por outro, são inúmeros os factores de incerteza que podem condicionar o sucesso desta estratégia, sejam de ordem global, sejam localizados, mas em qualquer caso de muito difícil percepção.
Independentemente da sua dimensão e do sector económico em que intervêm, o percurso das empresas por este terreno de incertezas não deve ser feito sozinho. Pelo contrário, deve ser suportado exactamente nos seguros de crédito, um instrumento fundamental para os empresários poderem expandir a sua actividade económica sem ameaças graves sobre os respectivos balanços.
Desde logo, porque mitigam os riscos de crédito da carteira de clientes, maioritariamente transferidos para as seguradoras, protegendo assim a tesouraria das empresas em caso de incumprimento dos seus clientes no pagamento de bens ou serviços, e assegurando uma estabilidade financeira tão crítica para o desenvolvimento da actividade.
Depois, porque acrescentam uma informação especializada sobre os mercados e os clientes, a partir de bases de dados que registam e actualizam milhões de transacções à escala global, que não só facilitam a avaliação e escolha dos clientes no que respeita à sua capacidade creditícia, como providenciam uma monitorização constante dos respectivos níveis de cumprimento e de riscos a que estão expostos.
Por fim, porque envolvem ainda serviços de apoio complementares, nomeadamente para o desenvolvimento de projectos de exportação, desde a avaliação de oportunidades de negócio, análises de enquadramentos regulatórios, recomendações de estratégias comerciais, aconselhamento sobre cláusulas contratuais, alertas sobre práticas fraudulentas e, numa fase mais adiantada, suporte na recuperação de créditos em mora.
Os seguros de crédito permitem, portanto, que os empresários se concentrem verdadeiramente no seu negócio, na resposta competitiva às necessidades dos mercados de destino, protegendo-os de riscos de perdas por incumprimento dos clientes, que podem afectar gravemente a tesouraria e a capacidade financeira das suas empresas, e aliviando–os de análises e preocupações de uma complexidade pouco conciliável com abordagens individuais e isoladas. Conferem, assim, uma grande estabilidade e tranquilidade aos empresários, mas acrescentam também factores de competitividade, ao aportar uma preciosa informação e suporte de consultoria especializada sobre os mercados alvo.
As amplas funções dos seguros de crédito
Na sua função central, os seguros de crédito protegem as empresas do risco de não lhe serem pagos bens ou serviços que forneçam a crédito. Ou seja, em caso de incumprimento do dever de um cliente em relação a uma venda que se acordou ser paga a prazo, este seguro suporta a correspondente perda da empresa tomadora do seguro em função da percentagem das vendas que estiver garantida.
Mas complementa esta função central um conjunto de serviços bem mais amplo, que envolve informação detalhada sobre a qualidade creditícia da carteira de clientes (efectiva e potencial), a monitorização constante do risco, o aconselhamento legal e comercial e o apoio na recuperação de créditos em mora.
Os seguros de crédito e os seguros de caução
Os seguros de crédito e os seguros de caução têm funções próximas, mas perspectivas opostas. Enquanto no seguro de crédito o que se cobre é o risco de incumprimento do cliente da empresa tomadora do seguro, no seguro de caução é o risco de incumprimento desta última que é garantido. Ou seja, os seguros de caução são instrumentos para assegurar o cumprimento de obrigações contratuais assumidas pela própria empresa tomadora do seguro em relação ao beneficiário da caução, que assume aqui a condição de segurado. Normalmente, estes seguros resultam de exigências contratuais, sobretudo em grandes empreitadas e fornecimentos.
Os seguros de crédito e a cobertura de guerras
Os seguros de crédito podem cobrir riscos de natureza política (na cobertura de risco país), incluindo sinistros gerados por situações de guerra.
Nas coberturas de natureza puramente comercial, contudo, os riscos políticos não estão abrangidos e a guerra está, por isso, excluída. Ou seja, se a causa do incumprimento for, directa ou indirectamente, a própria guerra, estaremos perante uma exclusão de cobertura.
Assim como estão excluídas, por regra, operações que infrinjam sanções económicas e comerciais impostas por organizações internacionais a países ou entidades responsáveis pelos conflitos.
Os seguros de crédito como instrumento de política pública
Em Portugal, como em muitos outros países do mundo, o Estado recorre aos seguros de crédito como instrumento de política pública, em concreto na promoção de exportações para países com níveis de risco comercialmente menos atractivos para as seguradoras. O sistema de Seguros de Créditos com Garantia do Estado (SCGE) vem colmatar esta falha de mercado, promovendo a aquisição destes seguros em exportações para países como os PALOP e os do Norte de África e da América do Sul, desde que os produtos tenham um valor significativo de incorporação nacional.
E nas soluções com garantia do Estado, a cobertura pode incluir riscos de natureza política, monetária e catastróficos.