Qual o futuro do setor segurador? Estas são as previsões de uma executiva da Accenture Portugal

A pandemia e o conflito na Europa têm como efeitos mudanças no comportamento dos consumidores de seguros, que procuram agora mais proactivamente soluções que representem mais-valias. Ana Almeida, Senior Manager da área de Financial Services da Accenture Portugal, explica à Risco como está a ser moldado o futuro do setor segurador. 

O que esperam hoje os clientes empresariais e particulares, das companhias de seguros, em termos de oferta e experiência?
O comportamento dos clientes tem sofrido uma alteração considerável nos últimos anos, que se reflete na sua procura por seguros. Hoje os clientes são muito mais exigentes, questionam o valor que lhes é entregue e esperam que haja não só um conhecimento sobre o seu perfil, mas uma adequação consequente da oferta às suas necessidades.
Os serviços de seguros sempre estiveram muito ligados à “obrigação” e não à “proteção”. Aparecem ligados a um momento de compra de carro, aquisição de uma casa, ou em cláusulas de serviços, e muitas vezes numa linguagem de obrigação. Em muitos casos, a utilização de letras pequenas em contratos é interpretada como sinal de menor transparência – uma imagem que tem comprometido a relação das seguradoras com os seus clientes, embora se note um caminho de inversão desta ideia. Neste momento os clientes querem ter na sua seguradora um conselheiro em quem podem confiar. Alguém que ajude na prevenção do risco. Exigem mais transparência na relação e simplicidade na linguagem. Além disso, os clientes estão muito preocupados em ter alguém que os ajude a planear e alertar para todos os riscos associados à saúde, bem-estar e contributo para a sustentabilidade, e estão dispostos a contribuir para isso. 

Quais os fatores que levaram a estas alterações do comportamento do consumidor de seguros?
Existem alguns fatores que ajudam a explicar estas mudanças. Desde logo, o contexto de evolução tecnológica e maior acesso a informação e novas experiências levam a uma alteração comportamental natural, que se faz acompanhar pela perceção de maiores riscos associados ao clima ou à cibersegurança. Todo o contexto de pandemia e agora de guerra aumenta também a valorização de proteção dos hábitos, interesses e experiências, e não apenas dos ativos. A visão geracional neste contexto é bastante relevante. Num estudo da Accenture realizado em 2021, 70% dos clientes (na sua maioria millennials) dizem estar dispostos a partilhar mais dados de saúde, do seu estilo de vida e comportamentos, se isso for refletido num modelo de relação e valor diferente com a seguradora.
Adicionalmente, o contexto demográfico também tem tido um efeito muito relevante na alteração dos comportamentos, e vai continuar a ter. Em 2050 é previsível que, na Europa, uma em cada quatro pessoas terá mais de 65 anos e haverá três vezes mais pessoas com mais de 80 anos. As preocupações e procura por seguros ligados a um “pay as you live” tornam-se muito relevantes. O consumidor não quer pagar seguros de saúde durante uma vida inteira e chegar ao momento de os utilizar e sem que tal seja possível.
O fundamental é perceber que se está à procura de modelos mais personalizados, até porque cada um de nós avalia o risco de uma forma diferente. 

De que forma o setor dos seguros está a modernizar-se face a estas novas exigências?
Nos últimos dois anos, o setor segurador demonstrou ser bastante resiliente a todo o contexto de pandemia e conseguiu manter os seus planos e projetos de transformação e adaptação a estas exigências. Considerando o mercado em Portugal, já são visíveis várias soluções e respostas, como novos seguros para os animais domésticos, os serviços de estímulo à prática de comportamentos de realização de exercício físico, os ecossistemas de acesso a serviços de outros parceiros que tragam uma visão de prevenção, que vá além do seguro, etc. Todas estas alterações implicam desenvolver, nas operativas das seguradoras, novos modelos de negócio, desenvolvimento de novas competências, aplicação de tecnologias que simplifiquem a interação com o cliente, etc. 

Qual o papel da inovação tecnológica nesta transformação do setor?
A inovação e as novas tecnologias têm e vão continuar a ter um papel muito relevante em todo este processo. Permitir que haja uma peritagem através de vídeo em caso de um acidente automóvel, ter um chatbot que valide de forma confidencial informação médica para aprovar uma cirurgia, utilizar sensores em casa para prevenir um incêndio, além de tudo o que pode ser possível através da correta utilização dos dados (eg., perfil de condução), para garantir uma maior personalização do serviço, são exemplos da utilização mais visível da tecnologia.
Além disso, se pensarmos no modelo de venda de seguros, muito baseado numa rede de agentes, a tecnologia pode ajudar a atenuar o desafio de garantir a qualidade e simplicidade do serviço prestado, através da uniformização da experiência e da celeridade de respostas assertivas. 

Como podem ser aproveitadas novas tecnologias já existentes como o 5G ou emergentes como o metaverso?
O 5G é, sem dúvida, uma tecnologia fundamental para gerar credibilidade de vários novos serviços que estão a ser lançados, nomeadamente nos exemplos da assistência médica remota. Neste mesmo contexto, mencionaria a tecnologia blockchain na medida em que pode garantir entre os vários intervenientes a simplificação dos processos de validação e aprovação de atos médicos. O metaverso pode vir a potenciar um ecossistema maior da relação com o cliente, mas terá de se esperar para validar se traz efetivamente uma melhor experiência de serviços e e-Commerce que o Second Life, sem ficar focado na vertente de gaming. 

Quais os vetores em que estas mudanças já são visíveis para os clientes empresariais e particulares?
Em Portugal, além dos serviços que mencionei anteriormente, ainda há espaço para evolução. Pensar o seguro automóvel com tudo o que está ligado à manutenção do carro, ao comportamento de condução, à utilização de infraestruturas, ou um seguro de vida visto da perspetiva do meu plano de reforma, são passos adicionais para ganhar a confiança e proximidade ao cliente. O modelo de preço dos seguros deve ser diferente, mais focado em incentivar e premiar a pessoa, sempre que haja comportamentos que reduzam o nível de risco. A nossa relação com as seguradoras está ainda muito ligada a momentos emotivos e difíceis, ou seja, um acidente, um problema de saúde, e é preciso alterar esta forma de pensar os seguros.
Por exemplo, no tecido empresarial português, maioritariamente de PME, as seguradoras podem posicionar-se na ajuda à minimização das incertezas relacionadas com um novo mundo virtual que as expõe a todos os riscos de cibersegurança que são desconhecidos por parte destes clientes. 

De que forma estas renovações estão a dar lugar a novos modelos de negócio no setor segurador?
Esses modelos estão a ser pensados e alguns já estão em funcionamento. Atualmente já existem alguns modelos de subscrição associados à utilização de serviços que visam prevenir riscos. Mas há outros modelos que podem ser explorados: a subscrição de serviços de prevenção e alerta, a redução dos valores a pagar por demonstração de eliminação de risco, são alguns exemplos. Segundo um estudo da Accenture, prevê-se que até 2025 o setor segurador tenha um crescimento próximo de 3,5% nas receitas. No entanto, aqueles que não ajustarem os seus modelos de negócio serão penalizados na rentabilidade da sua operação. Na definição destes novos modelos, para além da vertente de preço, é ainda importante que as seguradoras clarifiquem o papel que querem ter na gestão mais ou menos direta da relação com o cliente, face a outras indústrias que atualmente já “entram em casa” dos consumidores, como é o caso dos operadores de telecomunicações. 

Uma das exigências dos consumidores atuais é o compromisso com a sustentabilidade. O que está o setor a fazer para dar resposta a este desafio?
A sustentabilidade, neste momento, não é apenas uma exigência dos consumidores, mas sim de toda a comunidade. Consumidores, reguladores, parceiros, investidores, colaboradores, todos exigem esta alteração. No estudo da Accenture aos consumidores fica claro que mais de 2/3 dos jovens (entre os 18 e 34 anos) querem ter experiências digitais que promovam práticas de comércio e viagens mais sustentáveis. Com esta base de interesse as seguradoras têm uma oportunidade única de criarem uma maior aposta na sustentabilidade e responderem às expectativas dos seus clientes em terem uma seguradora mais ética e sustentável.
Neste momento, o setor já está a preparar-se para esta realidade e podemos perceber esta mudança pelos compromissos que têm sido assumidos publicamente com o apoio a iniciativas ligadas à mobilidade, responsabilidade social e saúde e bem-estar da população. Mas o papel das seguradoras vai além e internamente nota-se um caminho de revisão das suas práticas no sentido de serem um influenciador destes comportamentos, tanto nos seus parceiros como colaboradores. É uma transformação progressiva, na medida em que a sustentabilidade pode ser vista como o “novo digital” e necessita de ser “embebida” em todos os processos e até nas tecnologias utilizadas e é nesse sentido que a Accenture está a apoiar os seus clientes. O compromisso com uma atitude mais focada no “green IT” e maior utilização de cloud nas empresas é outra ação interna menos visível, mas que tem um grande impacto no contributo para os compromissos ESG. 

Qual o impacto previsível, deste maior foco na sustentabilidade, para os negócios no setor segurador?
Esta questão é bastante relevante. Ainda há uma visão global nas empresas que associa a resposta aos desafios ESG a uma fatura elevada. Nessa medida, tem-se caminhado com alguma cautela e sempre focando na vertente de revisão de oferta ou iniciativas mais pontuais de exposição pública. A verdade é que se houver uma visão clara e bem programada da resposta ao contexto da sustentabilidade, ou seja, foco em iniciativas com impacto, mensuráveis, e evolutivas, é possível captar valor. Em 2021 a Accenture fez uma análise com o World Economic Forum a mais de 4000 empresas sobre o seu ADN de sustentabilidade, e as que tinham um índice de sustentabilidade maior (+9,2 pontos no seu índice) estavam a captar um impacto financeiro superior, ou seja, a margem EBITDA destas empresas era 21% superior às demais (+3,4 pp).
O setor segurador tem um papel fundamental em financiar uma mudança para uma economia com menores níveis de consumo carbónico, em identificar e medir riscos ESG, sendo importante trabalhar com todos os stakeholders para promover estas ações. A título de exemplo, as seguradoras podem recusar-se a renovar coberturas para negócios com alto risco ESG. Aproximadamente 15% do crescimento previsto para as seguradoras está associado a novos produtos e serviços, onde se incluem todos os que estejam relacionados com a sustentabilidade. 

 

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