A discriminação de género ainda existe – e agora?
Precisamos de indicar a existência de preconceitos quando os vemos.
Por Morela Hernandez, Professora associada de Administração Empresarial na Darden School of Business, Virgínia
No final do Outono passado, após um semestre de aulas, um jovem estudante de MBA aproximou-se de mim e disse: “Compreendi agora como as mulheres sofrem com a discriminação de género e fiquei mesmo zangado. Mas não sei como a impedir ou o que fazer em relação a isso.” As suas palavras exprimiram um desejo genuíno de combater atitudes e tratamentos que são demasiados familiares para muitas mulheres. Teria ficado surpreendida com este comentário se não tivesse testemunhado uma reacção semelhante meses antes, quando entrevistei executivos experientes que servem em conselhos de administração de grandes empresas norte- americanas cotadas em bolsa.
Como parte de um projecto de investigação, eu e as co-autoras Tiffany Trzebiatowski (professora de Gestão na UMass Amherst) e Courtney McCluney (pós-doutorada em Darden) temos examinado o efeito da composição de género nos processos de tomada de decisões das administrações de empresas. Após entrevistarmos algumas directoras, conseguimos compreender que estas enfrentaram consistentemente obstáculos distintos nos Conselhos de Administração quando são a única mulher na administração ou uma de poucas. Mas ao investigarmos esta questão do ponto de vista masculino, descobrimos uma significativa falta de consciência em relação a esses mesmos obstáculos.
As mulheres continuam a sentir dificuldade nas nomeações para os Conselhos de Administração porque não enquadram no que é tradicional – caucasiano, homem, antigo CEO – ou, uma vez na administração, tendem a ser excluídas das decisões que acontecem em campos de golfe ou casas de banho. À medida que relatámos estes exemplos aos nossos entrevistados masculinos, contudo, testemunhámos descrença, choque e desilusão. Vimos frustração real ao perceberem que as colegas passavam sistematicamente por obstáculos que eles e os seus colegas masculinos não presenciavam.
E mais uma vez, ouvimos o sentimento: “Certo, isto ainda existe e é pior do que pensávamos. O que podemos fazer? Queremos ajudar.”
Claro que o facto de a discriminação de género estar viva e de boa saúde não surpreende ninguém, principalmente tendo em conta a atenção que os movimentos #MeToo e #TimesUp deram ao assédio sexual no ano passado. Contudo, tanto na prática como no estudo, não passámos da consciência do problema para recomendações concretas sobre a melhor forma de lidar com ele.
Uma excepção pode ser a recomendação de que as mulheres procurem “patrocinadores” e não apenas mentores. O patrocínio envolve defender uma aprendiza e ajudá-la a posicionar-se para ter oportunidades profissionais. Vai para lá do feedback; é a promoção activa. Pesquisas mostram que as mulheres têm menos probabilidade do que os homens para receberem patrocínio.
Mesmo quando as mulheres o recebem, os benefícios demoram a revelar-se. Entretanto, o que acontece quando ouvimos ou vemos comportamentos discriminatórios? Como respondemos no momento de um comentário de mau gosto? Ou ao colega que exibe um comportamento inconsciente de domínio ao falar mais tempo e mais alto, abafando a opinião de uma colega?
OS “GUIÕES” PODEM SER UMA SAÍDA
Eis uma ideia que tenho explorado: dar às pessoas uma linguagem clara que devem usar quando encontram atitudes preconceituosas para que chamem a atenção para a questão sem sacrificarem relações profissionais.
No meu estudo, comecei por investigar o desenvolvimento e teste da eficácia daquilo a que chamo “guiões”. Não existe actualmente um conjunto estabelecido de guiões que abordem a discriminação de género – uma lista disponível de palavras ou frases que indiquem a um colega que ele pisou o risco, consciente ou inconscientemente.
Desenvolver esses guiões tem potencial para parar o processamento cognitivo automático que é muitas vezes responsável pela demonstração de discriminação de género no local de trabalho. Uma frase tão simples como “Pode repetir o que disse, por favor?” dá às pessoas uma maneira simples de responder a um comentário ou piada facciosa, uma forma de mostrar aos outros que disseram algo que não deviam. Uma respostacomo “Isso não é bonito” ou “Esse comentário não reflecte a pessoa que sei que és” pode fazer com que quem falou reconsidere imediatamente a sua perspectiva.
Os guiões agem como uma espécie de botão de pausa, fazendo-nos reavaliar o que foi dito ou feito, apesar da surpresa ou choque inicial de se testemunhar o comportamento faccioso. Permitem-nos recuar com respeito, mas eficácia.
LUTAR CONTRA O EGOCENTRISMO E A TENDÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO
Essencialmente, os guiões são uma forma de reduzir os ângulos mortos causados por uma posição maioritária. Sendo mais clara, a falta de conhecimento não é um problema inerentemente masculino. Se as mulheres fossem a maioria em posições com poder e de estatuto elevado, também elas cairiam em comportamentos que favorecem a maioria e que se tornam automáticos e inconscientes.
É assim que funciona o cérebro humano – damos prioridade àquilo a que estamos expostos pessoalmente e temos dificuldade em compreender a perspectiva de quem tem experiências diferentes. Os psicólogos chamam a isto a tendência egocêntrica.
Outra falha cognitiva que os guiões podem ajudar a abordar é a tendência de confirmação. As pessoas tomam decisões sobre outras com base em experiências e crenças anteriores. Como normalmente estão mais expostas a líderes masculinos do que femininos, as pessoas associam os atributos masculinos à liderança. Mas se os homens adoptassem guiões para quebrar este ciclo, poderia ser dado mais peso às opiniões das mulheres na tomada de decisões, levando a uma maior visibilidade, mais apoios e, no fim, mais promoções.
Vejamos o comportamento inconsciente de domínio que descrevi anteriormente – a tendência dos homens para falar durante mais tempo e mais alto do que as mulheres – ou a tendência similarmente habitual de os homens interromperem muitos mais as mulheres do que outros homens. Uma frase simples como “Creio que a Nancy estava a falar – por favor deixem-na acabar” pode acabar com comportamentos facciosos dos pares. De facto, tendo em conta a ameaça de reacções negativas que as mulheres enfrentam quando falam em resposta a este tipo de situação, os colegas masculinos – principalmente os pares – podem ter um papel particularmente poderoso ao enunciarem esse guião.
No local de trabalho, escolas e sociedade, os comentários facciosos e as jogadas de poder podem parecer pequenos individualmente, mas são significativos quando se acumulam. Os homens, por estarem em maioria, têm uma oportunidade única para combaterem a discriminação de género. As mulheres podem também contribuir partilhando ideias, apoiando as tentativas dos colegas que tentam tornar o processo mais justo. Aprender a desenvolver e usar guiões para sair da automaticidade das interacções do dia-a-dia é, no fundo, um esforço colaborativo.