Randstad Insight: Relações para sempre

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Pessoas. Tudo hoje começa e termina nesta mesma palavra. Chamemos-lhes talentos, colaboradores ou o que for, mas é no humano que centralizamos o foco e encontramos factores de diferenciação.

As empresas já incluem nos discursos e de forma transversal esta preocupação. Quer se trate do director de recursos humanos (expectável) ou do CEO, esta centricidade já ocupa um lugar de destaque. E é mais interessante ainda verificar que no recém-lançado Global Risk Report 2019 o talento é mesmo uma das maiores preocupações dos líderes, seja a atracção e a retenção de pessoas, seja as competências necessárias para responder aos desafios e à velocidade dos mesmos.

Mas, neste mundo cada vez mais humano, falta agora conseguir concretizar.

Sim já todos percebemos a importância das pessoas mas quantos de nós temos uma estratégia para as mesmas? Um plano de negócios que inclui este capítulo focado nas competências necessárias? Um caminho para o envelhecimento da população e a idade da reforma que não pára de aumentar ao mesmo tempo que se exige velocidade, capacidade de adaptação e aprendizagem ao longo da vida?

Neste percurso em que as pessoas passaram a ocupar um lugar de destaque ainda estamos a duas velocidades. Os gestores de pessoas que começam agora a ter mais voz nos conselhos de administração, mas que nem sempre têm todas as respostas, ou que não vêem essa preocupação em toda a empresa. O que fazer? Começar por onde? Será a reconversão o caminho? Este é mesmo o principal desafio. Não há um remédio, existem vários e se uns são de execução rápida, outras são uma continuidade. E, em paralelo, vemos a empresa a ter que continuar a produzir, as pessoas que envelhecem dentro das quatro paredes, as que chegam novas e as que não aquecem o lugar e as que, apesar da idade, resistem estoicamente à mudança. Mesmo assim, mantemos a ideia de procurar os mais jovens, mesmo quando sabemos que a data de nascimento não é a idade do mindset. Fazemos campanhas para mostrar o quanto somos inovadores e divertidos e, no primeiro dia, temos um manual impresso com todos os deveres de quem entra, sem uma proposta de valor ou qualquer ligação ao que prometemos na fase da atracção de talento. E depois não ouvimos. Fechamo-nos nas nossas salas e delineamos a forma de trabalhar, o momento da entrada, reconhecendo a importância do primeiro impacto, de como aquela caneca com a mochila e o powerbank vão fazer toda a diferença…

Mas a primeira impressão já foi há muito tempo. Começou naquele anúncio a que o candidato concorreu ou mesmo na interacção que teve com o consultor. E, apesar de ainda não existir compromisso, a experiência começou aí. Na forma como recebeu o email automático da candidatura, no contacto telefónico para a entrevista e no momento em que entrou nas instalações. A recepcionista da empresa de recrutamento sorriu? Tratou pelo nome? Esteve em espera?

E depois o primeiro momento da verdade: o consultor. Foi um momento de inquisição ou foi uma conversa genuína com alguém que me quis mesmo conhecer? E neste conjunto de primeiras impressões, a vida continua, porque o talento saiu da sala e ligou para o amigo, e disse o que tinha achado usando palavras como o nome da empresa de recrutamento, o do cliente, da sua empresa e até o do consultor. Foi prescritor? Foi detractor? Ou foi simplesmente indiferente a todo o tempo que investiu num processo de mudança?

E ainda antes de sequer assinar o contrato segue-se mais uma entrevista que é antecedida por um telefonema, que se espera dentro do prazo comprometido, em que se gerem ansiedades e expectativas. Finalmente chega o dia em que se conhece o cliente, o que poderá ser o futuro empregador. Desde o espaço aos sorrisos, aos bons dias ditos ou por dizer, todos os dados interferem num processamento que não é feito por um algoritmo mas pelo computador mais complexo de sempre: o ser humano.

E é depois desta jornada que começa uma outra. E não vale a pena programas de induction que depois se esquecem do nome das pessoas, da sua continuidade, dos seus objectivos e ambições. É preciso escutar e tratar cada uma destas pessoas pelo nome, pela sua individualidade e como um só. E o talento é isto mesmo. O “um” que não depende da função e que tem um potencial que depende dos outros “uns”, mas que não é visível, apenas especulável. “Um” que pode ser estratégico e que é parte de quem somos enquanto organização. E se as empresas acham que a jornada termina no dia em que se diz adeus, desenganem-se porque estas relações são para sempre. Todos os que trabalharam nas nossas organizações terão sempre uma opinião sobre quem somos, estarão na sua maioria preparados para emitir uma opinião e podem até ser os nossos clientes de amanhã.

No mundo do talento, as pessoas não se perdem com os vínculos contratuais. Ficam para sempre ligadas a nós, seja porque o CV assim o dita ou porque as redes sociais o eternizam. E pensar que tudo começou quando publicámos aquele anúncio, quando respondemos de forma automática: obrigado pela sua candidatura.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 157 de Abril de 2019.

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