2021: O ano do Boi

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

O ano de 2021 foi realmente um ano do boi (calendário chinês), mas no sentido figurativo, ou seja um ano “quadrúpede ruminante”.

Começámos mal o ano com a pandemia a flagelar o Mundo e Portugal. Recuperamos com a rapidez da vacinação. Reaparece o flagelo da COVID-19 ao estilo Netflix com a variante Omicron. Acabamos o ano sem saber o que irá acontecer em 2022. Apesar das 7,8 bilhões de doses administradas em 2021, com flagrantes desigualdades de acesso entre países ricos e pobres, mas com a relutância do movimento negacionista. Mas outros factos marcantes abalaram este ano. Temas e factos políticos, económicos, sociais, que tornaram o mundo diferente. Alguns ligados entre si, a maior parte desconectados mas com forte influência transnacional sobre o mesmo. Por isso decidi rever aqueles que mais marcaram, que como plasticina o moldaram de forma distinta de tudo o que conhecíamos. Conhecer o passado para perceber e tentar antecipar o futuro.

Em 1 de Janeiro o Reino Unido deixou a União Europeia (UE) criando um imbróglio dentro das suas fronteiras e um problema para a Europa que perde um dos países mais relevantes. No entanto, Boris Johnson mudou tudo, para tudo ficar na mesma. Como não estava preparado, está a tentar encontrar planos de contingência que só vão prolongar a sua permanência com as regras da UE sem estar na UE, enquanto lida com uma pandemia fora de controlo. Já no dia 6 de Janeiro, após perder as eleições, os apoiantes de Donald Trump invadem o congresso dos EUA, baseada na falsa alegação de Trump que houve fraude nas eleições, fazendo duma das maiores democracias do mundo parecer um regime de brincadeira. Não conseguiram, no entanto, impedir que a 20 de Janeiro, Joe Biden tomasse posse como 46.º Presidente dos EUA. O episódio culminou no pedido do segundo “impeachment” de Trump. A replicação deste fenómeno Trump pelo mundo Ocidental parece ter “feito escola” e vemos clones por todo o mundo. Ao estilo Trump mas sem limites democráticos, Putin manda, a 17 de Janeiro, prender o opositor e activista anticorrupção Alexei Navalny quando regressa à Rússia após uma convalescença por envenenamento de cinco meses na Alemanha. Ainda em Janeiro e sem surpresa, Marcelo Rebelo de Sousa é reeleito Presidente de Portugal.

Em 13 de Fevereiro, Mario Draghi torna-se primeiro-ministro da Itália após a renúncia de seu antecessor, Giuseppe Conte, numa espécie de governo por nomeação de forma a promover a recuperação do país. O antigo governador do BCE assumiu a responsabilidade de salvar o país da maior queda económica desde a Segunda Guerra Mundial, liderando um governo de unidade nacional assente em tecnocratas, algo normal em Itália. No Médio Oriente, algo inesperado aconteceu a 5 de Março, o Papa Francisco chega ao Iraque para a primeira visita de um papa ao país, demonstrando que o ecumenismo é possível e a tolerância e respeito pela diferença, devem ser os valores de qualquer religião. No mesmo mês, em 23 de Março o mundo percebia o quanto o comércio mundial está dependente de pequenos pormenores. Ever Given, um navio porta-contentores, encalha no Canal de Suez, causando um congestionamento naval e uma interrupção significativa do comércio global. Outra das grandes surpresas aconteceu a 16 de Abril, quando Raúl Castro anunciou a renúncia ao cargo de primeiro-secretário do Partido Comunista Cubano, encerrando mais de 62 anos de governo dos irmãos Castro em Cuba. A abertura do regime ao mundo não aconteceu como esperado, mas a 11 de Julho e pela primeira vez em 30 anos, os cubanos iniciam uma série de protestos contra o regime comunista. Vamos ver se se aplica o pensamento de Louis Pasteur, que “o inesperado só favorece as mentes preparadas”. No mês de Maio, dia 11, voltamos a ver um conflito antigo a subir de tom, com Israel a atingir a Faixa de Gaza com ataques aéreos, enquanto o Hamas dispara foguetes contra o território israelita. Uma região que permanece instável e que desequilibra o mundo. A alguns milhares de kms dali, a 23 de Maio na Bielorrússia, o jornalista Raman Pratasevich é preso quando o voo da Ryanair 4978 é forçado a pousar no Aeroporto Nacional de Minsk devido a falso alerta de bomba. Um estratagema do governo totalitário, para prender o jornalista, numa agressão clara do direito internacional público. Enquanto o planeta rodava, a 19 de Junho, o Brasil registava a marca de 500 mil mortos decorrente da pandemia. Este flagelo mundial, que nasceu na China, deixou o presidente Bolsonaro assacado pelos seus opositores.

Os desequilíbrios no mundo continuaram em Agosto, quando a 15 o governo central do Afeganistão estilhaçou-se, após o anúncio dos EUA sobre a sua retirada do país depois de 20 anos de intervenção. O que deixou a imagem americana frágil face aos olhos do mundo, como “polícia do planeta”, no equilíbrio de poder e respeito pelos direitos humanos. No final, a gestão dos interesses americanos foi a prioridade. Retirada abalada no dia 26 pelo atentado terrorista no aeroporto de Cabul, com a morte de 170 afegãos e 13 militares americanos. A 31 é anunciada a criação do Emirado Islâmico do Afeganistão, algo que aos olhos do Ocidente seria improvável há alguns anos atrás. Algo a que nos habituámos em 2021, foi a organização de eventos com data de 2020. Uma espécie de “regresso ao futuro”. A 1 de Outubro foi inaugurada a Expo 2020, que foi adiada devido ao COVID-19. Alguns dias depois, um escândalo mundial perpassou o planeta. Um Consórcio Internacional de Jornalistas publica um conjunto de 11,9 milhões de documentos retirados de 14 empresas de serviços financeiros, conhecidos como “Pandora Papers”. Estes documentos revelam o pior que o crime financeiro proporciona, revelando actividades criminosas offshore que envolvem vários líderes e celebridades mundiais. Um escândalo que teve pouco eco em Portugal mas que “destapou” a forma como o dinheiro não tem pátria e circula com planeamentos financeiros e fiscais por vezes escandalosos. Ainda neste mês, um novo escândalo, quando a 4 de Outubro uma avaria no Facebook causa instabilidade em vários aplicativos, redes sociais e serviços da internet. Sem comunicações, o mundo fica às escuras, mostrando-nos o quanto dependentes estamos das novas tecnologias. E, entretanto, a pandemia continuou a fazer vítimas, pois enquanto que em Portugal se tenta salvar a TAP com injecção de dinheiros públicos, a 14 de Outubro foi realizado o último voo da Alitalia, companhia aérea italiana.

No nosso País, a “pandemia ideológica da geringonça”, provocou a 25 de Outubro o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 com os votos contra da direita PSD, CDS, IL e Chega, mas também do BE e PCP. O PR tinha já manifestado que neste cenário iria dissolver o parlamento e marcar eleições antecipadas, que fez a 5 de Dezembro. Apesar da aparente tranquilidade depois deste chumbo esperado, o País entrou numa espiral de incerteza política que apenas veremos resolvido em 2022, num momento em que deveríamos estar a pensar na estabilidade social, bem como na recuperação da economia e geração de riqueza. No dia de todos os santos, a 1 de Novembro inicia-se a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, também conhecida como COP26, em Glasgow, na Escócia. Um momento único para “gritar” ao mundo a urgência das medidas que reequilibrem o planeta. Embora as decisões conclusões sejam aquém do esperado, todos os países (excepto a China e a Rússia) demonstraram alguma genuína preocupação com o futuro do planeta. Futuro esse, mais uma vez abalado, quando a 26 de Novembro a OMS detecta a variante Omicron, na África do Sul. Uma nova variante que está a afectar o mundo devido à sua elevada capacidade de contaminação e a dúvida se as vacinas são eficazes. Enquanto isto, o mundo começa-se a preocupar com os altos custos da energia e a inflacção galopante em todo o planeta, temas que certamente serão discutidos em 2022.

Mas o mundo não parou, e a ciência continua a sua longa caminhada e em 24 de Dezembro é lançado o Telescópio Espacial James Webb, um sucessor do Telescópio Espacial Hubble. O que nos permite espreitar para além do universo conhecido. Algo que bem precisamos num ano de incertezas, BANI, em que não conseguimos vislumbrar o “fundo do túnel” de dois anos horribilis que ninguém conseguiria antecipar.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 190 de Janeiro de 2022

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