A grande aposta da Nike no calçado inteligente
Os novos ténis Adapt BB, de 300 euros, não se limitam a recolher dados sobre os treinos. Também se adaptam imediatamente ao pé.
Por Mark Wilson, colaborador da Fast Company
Há três anos que uma equipa da Nike trabalha nuns ténis que possam mudar a trajectória da empresa. É o calçado mais testado que a Nike alguma vez teve. Vários atletas, de amadores a profissionais, usaram-nos mais de 44 000 quilómetros. Atacadores partiram-se. Circuitos destruíram-se. Por fim, a Nike desenvolveu um produto chamado Nike Adapt BB (o “BB” refere-se a “basquetebol”).
À primeira vista, são uns ténis de basquetebol de alta tecnologia sem cano, com Power Laces que se atam sozinhos. Mas, mais importante, são os primeiros ténis ligados digitalmente que não se limitam a avaliar a actividade. Em vez disso, o Adapt BB pode mudar a sua forma, ajustando-se ao pé durante um salto para o cesto ou relaxando o molde após um longo dia no escritório.
«Estamos a passar de um estado fixo de desempenho para algo mais dinâmico», afirma Eric Avar, director criativo de inovação da Nike, o 15.º designer contratado há 27 anos.
O Nike Adapt BB estreia tecnologia que os executivos da Nike colocam no mesmo pedestal do Nike Air. Mas, para a Nike, o Adapt BB é só o primeiro passo numa longa caminhada para criar calçado que sinta literalmente as nossas dores e reaja a elas. É o tipo de produto radical que prova que a Nike, apesar de ter um crescimento sólido há anos, não quer que a concorrência recupere vantagem.
O Adapt BB está disponível por 300 euros, mas o público deve contar com intermináveis actualizações adicionais para a plataforma Nike Adapt – uma mistura de sensores, processadores e software digital – que será aplicado a diferentes produtos. Na verdade, espera- -se que a tecnologia Adapt chegue a outros ténis e vestuário da Nike nos próximos meses e anos.
OS TÉNIS
O Nike Adapt BB é um produto tecnológico, com dois círculos LED na sola feitos para antropomorfizar os ténis com olhos, sugerindo que estão vivos. Estão ligados ao smartphone escolhido por Bluetooth. Para os manter carregados, as solas pousam sobre um carregador indutivo, que faz com que a bateria dê para mais de 10 dias.
Para os cépticos, isto poderia criar uma má impressão. Carregamentos! Luzes! O calçado inteligente não tem ganho impulso nos últimos anos. Contudo, ninguém pode negar a meticulosa atenção da Nike ao design clássico dos ténis. A parte de fora dos ténis parece uma meia, feita de tecido Flyknit da Nike. Dentro dessa camada está praticamente outro ténis, feito do material mais recente e firme da Nike, o Quadfit, completo com uma língua mais típica. Esta mistura dupla de materiais e estrutura é o resultado de vários estudos dentro da Nike para que toda a tecnologia dentro dos ténis seja confortável e familiar.
Se perguntarmos a qualquer pessoa da Nike porque lançaram tecnologias Adapt nuns ténis de basquetebol, responderá que foi porque o basquetebol é um desporto vertical – uma combinação de saltos altos, aterragens intensas e cortes laterais que são menos previsíveis do que em qualquer outro desporto. Se perguntarmos porque começaram a plataforma Adapt com um “motor de atacadores” automático, explicarão que é porque o conforto é a qualidade mais importante de qualquer calçado.
Exemplo: LeBron James demora 10 minutos a apertar os atacadores antes de um jogo para obter o nível certo de “confinamento”, segundo a Nike. O confinamento é o fenómeno em que a planta do pé e a sola dos ténis se torna uma única entidade, para que ninguém escorregue ou perca energia ao mover-se.
O principal objectivo do Nike Adapt BB é automatizar o confinamento. Os ténis não precisam de ter atacadores. Basta colocar o pé no ténis e com um toque nos botões escondidos ou na aplicação do smartphone, uma série de correias integradas à volta do pé apertam-no até ao nível desejado. Dentro dos ténis, o motor dos atacadores inclui sensores e microprocessadores que enrolam as correias com 14 quilos de pressão para as apertar sem arrancar a ponta dos dedos.
Obter a quantidade certa de pressão foi um desafio, porque o ajuste é, no mínimo, parcialmente subjectivo – e porque não queremos que os ténis encaixem sempre da mesma forma. «Se o objectivo é ter uns ténis para usar o dia todo, normalmente as pessoas não desejam uma experiência apertada e sem espaço para respirar», afirma Michael Donaghu, vice-presidente de inovação da Nike. «Mas se é para ir correr uma final de 100 metros nos Jogos Olímpicos, os ténis têm de estar bem colados ao pé.»
A Nike chegou a uma solução dupla. Os designers colocaram espuma extra na língua e no calcanhar do sapato, para criar espaço de manobra e não esborrachar o pé ao calçar. A segunda solução foi criar “modo” de confinamento. Quando se define o ténis pela primeira vez – com a ajuda de um iPhone ou Android – ele ajusta-se gradualmente até ao modo base. Depois, é possível criar outros modos. Para quem é atleta, é possível um modo Banco mais solto, um modo Aquecimento intermédio e um modo Jogo que é superjusto. Ao longo do jogo, é possível adaptar o modo clicando no ténis ou no smartphone, em vez de voltar a apertar atacadores. Talvez os modos predefinidos geridos pelo smartphone pareçam uma dor de cabeça. Contudo, têm uma grande vantagem: a Nike afirma que o Power Lace do Adapt BB oferece uma melhoria de 40% no confinamento em comparação com os seus melhores ténis de basquetebol.
A PLATAFORMA
A plataforma Nike Adapt é muito mais do que o motor de atacadores. É aquilo a que os designers e engenheiros da Nike comparam a um iPhone que vive sob os nossos pés – capaz de aguentar alguém a literalmente saltar-lhe em cima uma e outra vez – com durabilidade suficiente para sobreviver às espumas e tecidos do próprio ténis. O hardware receberá constantes iterações (a empresa está já a planear segundas e terceiras versões). E irá recolher uma quantidade de dados sem precedentes sobre movimentos humanos, semelhante ao que a Nike recolhe no seu próprio Performance Lab interno. «Não é o GPS», acautela Donaghu. «É literalmente as forças que estão a ser usadas.» Para esses dados, a Nike tem planos – o primeiro dos quais é criar ténis que se ajustarão às necessidades das pessoas em tempo real, e não através de modos predefinidos.
«Se os pés incham ou as meias mudam, temos a capacidade de entender isso», explica Jordan Rice, senior director e engenheiro e sistemas inteligentes. «É o primeiro calçado com firmware que pode ser actualizado, por isso há muitas oportunidades [de o aproveitar].» Segundo as entrevistas na Nike, parecia plausível que o BB recebesse essa actualização.
O outro aspecto desta recolha de dados é que ela podia informar os atletas como treinam ou como jogam. É aqui que entra a aplicação do smartphone, oferecendo todo o tipo de feedback ao utilizador que o calçado sem aplicação não consegue.
«Se vemos que uma pessoa está a correr sem um equilíbrio bilateral perfeito, agora sabemos isso. Podemos mudar a forma como se treina para ficar mais forte, e talvez evitar lesões», explica Donaghu. «Outra coisa que temos é esta parceria inacreditável de colegas de equipa e atletas de elite em todas as modalidades. Tem sido difícil partilhar os movimentos de Michael Jordan. Como apresentamos [às pessoas] o que um atleta sabe e faz?»
Pondero a possibilidade de um modo “Counch to Dunk”, semelhante ao famoso plano de corridas “Couch to 5k” – um regime definido que qualquer pessoa poderia seguir para aprender a encestar. Donaghu confirma que é precisamente o tipo de coisa que gostaria de levar aos consumidores, para criar uma relação mais longa após a aquisição dos ténis.
Esta relação de monitorização digital pode preocupar alguns atletas mais reservados. A Nike afirma que a partilha de dados com a empresa será sempre totalmente opcional na plataforma Adapt. O modo do Nike Adapt BB será personalizável «para sempre» sem «obrigar as pessoas a aceder a algo», segundo Donaghu. E os serviços do Adapt estarão ligados, permitindo a utilização de funções através da partilha de dados, mas não todos. Além disso, a Nike promete nunca partilhar os dados com terceiros – embora, claro, essa promessa não impeça uma violação de dados.
Se passarmos por cima do design e da tecnologia, é possível vislumbrar um plano de negócio mais profundo. É fácil imaginar a Nike a usar o Adapt para diversificar a sua fonte de receitas dos produtos para os serviços. Embora a Nike não revele as receitas dos seus serviços, a marca não deve estar a ganhar muito, ou nada, das suas subscrições Nike+, actualmente gratuitas. Até empresas como a Apple estão de olho nos serviços porque, mais cedo ou mais tarde, começa a ser difícil vender mais coisas. Enquanto os representantes da Nike me dizem não terem planos imediatos para obter receitas a partir do produto digital do Adapt, é fácil imaginar oportunidades, incluindo subscrições e planos ocasionais de exercício, se aumentar a escala.
Mas considerar o Nike Adapt como um gerador de receitas à base de subscrições ignora o que o produto significa para os designers veteranos que trabalham dentro da Nike – e o que pode significar para o futuro do vestuário.
«Acreditamos que o futuro do desempenho será, em parte, adaptativo… pode ser agora mais electromecânico. A adaptação poderá levar a fibras inteligentes; pode evoluir para uma extensão mais orgânica e natural do corpo», explica Avar. «Estamos muito entusiasmados com este produto e o seu futuro, mas é só um pequeno passo numa viagem muito mais abrangente», continua, antes de acrescentar com um optimismo típico da Nike, «como podemos diminuir a diferença entre os avanços no mundo digital e tecnológico e, fundamentalmente, o que significa ser humano.»
Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro de 2019 da Executive Digest.