Randstad Insight: Abraçar a mudança
Frits Goldschmeding conduzia negócios numa bicicleta e com envelopes carimbados – muito longe da infra-estrutura digital que usamos hoje. Contudo, continua a ser tão difícil encontrar talento como o era então. E os trabalhadores continuam a desejar o mesmo dos empregadores: um salário decente para um dia de trabalho duro. Embora algumas constantes permaneçam, as mudanças têm surgido e desaparecido rapidamente. A transformação da mão-de-obra e do local de trabalho ocorreu ao longo de apenas uma ou duas gerações. Estas evoluções assistiram à ascensão de centros urbanos que atraíram os melhores talentos e se tornaram centros criativos. Juntamente com a agregação de trabalhadores de escritório, a estrura dos locais de trabalho também evoluiu – de cubículos para uma configuração aberta, de escritórios pessoais para espaços de trabalho conjunto. Estamos agora a assistir a outra mudança no ambiente de trabalho: de edifícios de escritórios para escritórios em casa, e não apenas devido à pandemia de COVID-19. Estamos a começar a questionar a ideia de ter escritórios de empresas. Em 1960, vivíamos num mundo de nações, impérios e potências coloniais em declínio. Agora, talvez seja mais correcto pensar no mundo como uma vasta rede interligada de cidades e regiões interdependentes. Os limites ainda existem, mas a tecnologia está a ajudar a colmatar o fosso entre comunidades. Há menos pessoas a viver no campo, e o crescimento económico e as oportunidades estão concentrados nos principais centros urbanos do mundo.
As ferramentas que utilizamos no trabalho também mudaram. Há 60 anos, os computadores eram guardados em bunkers militares e em campus universitários, e poucas pessoas conseguiam adivinhar os seus mistérios. Desde então, as tecnologias digitais e a internet que as liga tiveram um profundo impacto na forma como colaboramos. São necessárias diferentes competências para navegar neste novo mundo, mais interligado. Isto levou a uma crescente procura de talentos com competências em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). Embora tenha havido um esforço concertado por parte das empresas, do meio académico e dos governos, o mercado de trabalho tem sido incapaz de satisfazer a procura. Uma persistente falta de competências digitais continua a dificultar a capacidade de optimizar muitas novas tecnologias.
REDEFINIÇÃO DO TRABALHO
A forma como trabalhamos mudou drasticamente em apenas algumas gerações. Se um jovem adulto de 1960 nos visitasse em 2020, provavelmente teria dificuldade em perceber o local de trabalho moderno. Para nós, é fácil subestimarmos quão profunda tem sido a mudança quando ela acontece pouco a pouco todos os dias. Novas atitudes em relação ao trabalho dão origem a novas formas de trabalho em muitos mercados de trabalho. Estas novas formas de trabalho não substituem tanto os contratos tradicionais a tempo inteiro e por tempo indeterminado, mas proporcionam um caminho para que a força de trabalho anteriormente inactiva ou informal encontre um emprego digno. De facto, os novos acordos de trabalho dentro da economia gig oferecem modelos flexíveis e adaptáveis aos trabalhadores, tais como trabalhar à distância, horários flexíveis e uma diversidade de acordos e contratos de compensação. Isto permitiu que as pessoas que nunca se adaptaram ao formato tradicional da semana de trabalho de 40 horas, das nove às cinco, entrassem na força de trabalho formal. Embora o contrato de trabalho tradicional de duração indeterminada continue a ser a forma dominante de trabalho no mundo ocidental, os contratos a termo certo, a tempo parcial e a pedido, o trabalho por agências e o trabalho à distância são cada vez mais comuns. O trabalho tem vindo a tornar-se mais variado e menos rígido. Isto é impulsionado por uma mistura de novas tecnologias e maior conectividade e por uma mudança cultural mais ampla.
➜ Flexibilidade no local de trabalho
O trabalho temporário tem contribuído para o crescimento económico em muitas nações. Na maioria dos países de elevado rendimento, entre 5% e 25% de todos os trabalhadores têm contratos a termo certo. Estes contratos formais oferecem vantagens ao empregador e trabalhador, facilitando relações laborais que de outra forma não seriam necessariamente possíveis.
Mas a mentalidade de ontem nem sempre é adequada para o local de trabalho de amanhã. Teremos de reformar os nossos sistemas para nos adaptarmos a esta nova realidade da vida profissional e proporcionar aos trabalhadores a segurança de que necessitam para gerirem com sucesso as suas carreiras. À medida que os formatos do trabalho se desenvolvem e mudam, é preciso uma inovação social para apoiar e proteger os trabalhadores de novas maneiras.
➜ Plataformas digitais
Após a crise financeira global de 2008, a inovação digital deu origem a plataformas de trabalho disruptivas como Uber, Deliveroo e TaskRabbit. Isto proporcionou oportunidades novas e flexíveis para milhões de pessoas quando as circunstâncias económicas significavam a necessidade rendimentos extra para muitos. Embora essas plataformas ainda representem uma pequena parte do mercado de trabalho, o interesse por elas aumentou acentuadamente: entre Maio de 2016 e Janeiro de 2019, o número de postos de trabalho aumentou cerca de 30% em todo o mundo, com o crescimento impulsionado pelas nações desenvolvidas.
➜ Trabalho remoto
Tem sido um ano marcante para o trabalho remoto, mas a ideia não é nova. O homem conhecido como “o pai do trabalho à distância” é o engenheiro da NASA Jack Nilles. Jack Nilles trabalhou a partir de casa durante muitos anos e propôs a adopção generalizada do trabalho à distância para conservar os recursos petrolíferos e reduzir o congestionamento urbano durante a crise petrolífera americana dos anos 70. Isto, claro, muito antes de as pessoas terem computadores portáteis e smartphones.
As tecnologias digitais continuam a permitir que as pessoas se liguem e trabalhem de forma mais inteligente, e a pandemia de COVID-19 acabou por impulsionar a adopção generalizada do trabalho à distância. A Organização Internacional do Trabalho relata que 81% da força de trabalho global estava sob confinamento total ou parcial em Abril de 2020. O trabalho à distância pode ter sido visto anteriormente como uma vantagem, mas a percepção de muitas pessoas mudou após esta experiência.
➜ Principais ideias
- Os nossos locais de trabalho transformaram-se ao longo dos últimos 60 anos, através de novas formas de flexibilidade – tanto para organizações como para trabalhadores.
- Duas forças que se cruzaram impulsionaram a mudança: as novas exigências das empresas e as mudanças culturais nos países de elevado rendimento.
- A tecnologia facilita novas possibilidades incríveis no trabalho, mas também traz novos desafios. A inovação social tem de manter o ritmo.
COMPETÊNCIAS NA ERA DA AUTOMATIZAÇÃO
Os novos instrumentos têm sido sempre um catalisador de diferentes formas de trabalho, mas o ritmo desta inovação acelerou no final do século XX. Os smartphones nos nossos bolsos são mais poderosos que os computadores que enviaram Neil Armstrong à Lua, e podemos usar o Google para aceder a mais informação do que a armazenada em todas as bibliotecas do mundo.
Muitas pessoas dizem que estamos a viver a Quarta Revolução Industrial, mas as mudanças dramáticas que ocorreram nas nossas vidas poderiam igualmente ser entendidas como uma revolução do mercado de trabalho. A inovação alterou profundamente as competências de que precisamos, a forma como trabalhamos e onde escolhemos viver. Também criou uma enorme riqueza, oportunidades e acesso à educação em todo o mundo.
➜ Migração urbana
As cidades tornaram-se os principais motores da criação de emprego na economia global, o que provocou uma migração para fora das zonas rurais. Os centros urbanos tornaram-se muito mais densos e alargaram-se para lá dos seus limites originais. Apenas uma minoria da população mundial vive fora deles. As cidades tornaram-se clusters de alta tecnologia onde ecossistemas empresariais vibrantes criam empregos e melhoram o nível de vida. Os habitantes citadinos gozam de rendimentos mais elevados, melhor emprego e níveis de educação mais elevados do que os seus homólogos rurais.
Isto não quer dizer que a educação rural esteja em declínio. A melhoria do nível de educação nas zonas rurais também deu origem à migração das zonas rurais para as cidades. A inovação agrícola reduziu drasticamente a procura de mão-de-obra rural, e os trabalhadores deslocaram-se para as cidades em busca de emprego no sector industrial ou de serviços. No entanto, à medida que a ligação rural à internet melhora e o trabalho remoto se torna mais comum, o emprego está a tornar-se menos dependente da localização física. Isto pode provocar a deslocação das zonas urbanas para as zonas rurais, ou das grandes cidades para as mais pequenas, à medida que os indivíduos fazem diferentes escolhas de estilo de vida.
➜ Motores da mudança
Em todos os países e sectores, os empregos mais comuns estão a desaparecer ou a transformar-se. Mais de 25% dos empregos americanos enfrentam a automatização nesta década, incluindo cargos em sectores-chave de emprego como preparação de alimentos, administração de escritórios e transportes. Não nos devemos esquecer, no entanto, que tecnologias futuras como IA, robótica e veículos eléctricos também criam empregos, oportunidades e mais prosperidade para todos.
Os empregos no futuro não serão os mesmos que os de hoje. Apesar de um aumento no emprego total, em média um em cada sete trabalhadores individuais será confrontado com a perda de emprego como resultado directo da automatização. A natureza mutável dos empregos tem sido uma característica duradoura de vagas anteriores de progresso tecnológico e acabará por conduzir ao aparecimento de três novos tipos de trabalho: trabalho nas fronteiras, trabalho de riqueza e trabalho da reta final. O trabalho nas fronteiras diz respeito a empregos em novos campos tecnológicos, o trabalho de riqueza diz respeito a empregos criados graças ao aumento da produtividade, e o trabalho da reta final diz respeito a empregos que ainda não podem ser automatizados.
➜ Competências futuras
Estes novos empregos exigirão novas e diferentes competências. Embora seja bem conhecida a crescente procura de competências STEM e competências digitais básicas, há também amplas provas de um aumento da procura de soft skills. Temos de preparar os nossos sistemas educativos para estes empregos do século XXI. Além disso, temos de criar parcerias público-privadas sem descontinuidades – ligando o mundo do trabalho ao da educação –, permitindo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para apoiar os trabalhadores nas suas carreiras e os ajudar na transição segura para novos empregos.
As necessidades do mercado de trabalho global estão continuamente a mudar, e muitas das crianças que hoje estão na escola irão trabalhar em empregos que ainda não existem. Preparar jovens aprendizes para um mundo que não podemos ver é um desafio, mas eles precisarão de apoio para prepararem o local de trabalho de amanhã – e também quando lá chegarem. Historicamente, a educação tem sido um rito de passagem no início da vida, mas à medida que a tecnologia acelera, também as nossas capacidades e aptidões humanas devem acelerar. A ênfase deve passar para uma abordagem de aprendizagem ao longo da vida que permita às pessoas a transição entre várias actividades e papéis nas suas carreiras.
➜ Principais ideias
- O aumento dos níveis de educação diminuiu as oportunidades das comunidades rurais e resultou numa rápida urbanização em todo o mundo.
- As tecnologias inovadoras estão a criar mais empregos novos do que estão a automatizar, mas também estão a mudar as competências necessárias no mercado de trabalho global.
- São necessários maiores esforços para permitir a requalificação em todos os sectores, e as futuras gerações de trabalhadores terão de ser aprendizes para toda a vida.
UM MERCADO DE TRABALHO SUSTENTÁVEL
Um mercado de trabalho eficaz e sustentável liga oportunidades a pessoas com competências e conhecimentos necessários à sua realização. Nos últimos 60 anos, os locais de trabalho tornaram-se mais diversificados e inclusivos em muitos aspectos, mas a discriminação e a exclusão continuam a ser uma barreira à sustentabilidade da força de trabalho. Contudo, sabemos que a diversidade e a inclusividade ajudam tanto as pessoas como as empresas a ir mais longe.
A mobilidade do mercado de trabalho é crucial para o sucesso a longo prazo de todas as nações, especialmente as que enfrentam o duplo desafio do envelhecimento da população e da escassez de competências. Para assegurar que o crescimento é sustentável nos próximos anos, temos de mobilizar o talento, as perspectivas e os recursos de muito mais pessoas. Temos de assegurar que elas têm acesso a um trabalho digno e ajudá-las a prosperar como parte da economia global.
➜ A evolução do trabalho
Foram feitos progressos notáveis no sentido da erradicação da pobreza global nas últimas gerações. Entre 1990 e 2017, mais de mil milhões de pessoas foram retiradas da pobreza extrema, em grande parte devido à disponibilidade de melhores empregos. O prazo das Nações Unidas de acabar com a pobreza é 2030, mas isto só é possível se continuarmos a criar empregos dignos para todos.
Só através da colaboração e da construção de consensos entre todos os stakeholders é que poderemos tornar os empregos dignos uma realidade para todos. Cerca de 1,3 mil milhões de pessoas estão subqualificadas ou sobrequalificadas para o trabalho que realizam. Este desalinhamento de competências é exacerbado durante as recessões, quando os investimentos em tecnologias aumentam, levando a mais automatização. A urgência de assegurar trabalho digno só aumentará à medida que novas tecnologias chegarem nos próximos anos.
➜ Mercados de trabalho inclusivos
A participação das mulheres no mercado de trabalho global cresce há décadas, mas há muito a ultrapassar na desigualdade de género. Em 2019, a taxa de participação das mulheres na força de trabalho era de apenas 47%, comparada com 74% para os homens. De acordo com o Fórum Económico Mundial, um nível igual de participação no trabalho não será partilhado por homens e mulheres antes de 2120. A discriminação de género ainda se manifesta no acesso desigual ao trabalho e, mesmo para aqueles que têm empregos, nas condições de trabalho desiguais.
A idade é também um factor. Há mais pessoas com idades entre os 15 e os 24 anos no ensino superior do que há três décadas, o que significa que há menos jovens empregados. Segundo algumas métricas, a sua participação no mercado de trabalho diminuiu 15% desde 1994, com a queda mais pronunciada nos países de rendimento médio. Estes trabalhadores podem entrar na força de trabalho mais tarde, mas trazem melhores competências e podem obter melhores empregos quando o fazem.
➜ Mobilidade de talentos
De acordo com as Nações Unidas, 272 milhões de pessoas trabalham actualmente fora do seu país de origem, um aumento de 50 milhões desde 2010. A mobilidade do mercado de trabalho libertou um enorme potencial para indivíduos, empresas e sociedade ao longo da história, e há mais migrantes internacionais no mundo do que nunca.
A relação entre a localização e as perspectivas de carreira nunca foi menos directa. O que é claro, porém, é que o potencial para uma mão-de-obra global mais diversificada e inclusiva é uma oportunidade que não nos podemos dar ao luxo de deixar escapar. Todos temos de fazer a nossa parte para construir o mercado de trabalho, a economia e a sociedade de amanhã, vibrantes e sustentáveis. Isso significa estimular todos os grupos sociais a participar, removendo obstáculos legais ao emprego sempre que possível, abraçando novas formas de trabalho e esforçando-se por apoiar um equilíbrio saudável e produtivo entre trabalho e vida pessoal.
➜ Principais ideias
- À medida que ocorrem mudanças na demografia etária e na distribuição global de talentos, um mercado de trabalho saudável e até sustentável depende muito da inclusão.
- Melhorar a diversidade em termos de idade, género e etnia é essencial para a resiliência organizacional, crescimento económico e estabilidade social. A flexibilidade no trabalho ajuda a alcançar este objectivo.
- Foram feitos progressos significativos nos últimos 60 anos, mas ainda há trabalho a fazer para reduzir as desigualdades sociais e desbloquear empregos dignos para todos.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 182 de Maio de 2021