O País imaginário e o País real
Por Manuel Lopes da Costa, Country Managing Partner da Bearingpoint
No país imaginário tudo são facilidades. Os empreendedores são bem-vindos, fazem-se “pitchs” conferências, seminários a falar de inovação, de criatividade, de novas oportunidades. Todos andam entretidos com o que se pode, com o que se deve e com o que se vai fazer para trazer mais investimento para Portugal.
Os governantes prometem, apresentam e divulgam programas atrás de programas, iniciativas bem-intencionadas com um único objectivo: captar para Portugal novos investimentos, novos investidores, abrir a sociedade à inovação e ao empreendedorismo.
Acarinham-se “Web Summits”, dá-se visibilidade às incubadoras, constroem-se ao longo dos anos, sobretudo dos anos em que a fartura financeira parecia não ter fim à vista, pólos tecnológicos moderníssimos em locais recônditos perdidos na centralidade portuguesa (para grande deleite dos autarcas e das populações locais) inauguradas com pompa e circunstância sempre com a presença do Senhor Presidente da República ou, na impossibilidade, por um governante importante.
Mas o País real é outro. O País real é aquele que, não entendendo ou não querendo entender as políticas que o País e os governantes vanguardistas desejam ver implementadas, continua ainda a viver no seu ritmo palatino, não se modernizando nem actualizando e, com isso, criando inúmeras dificuldades aos empreendedores.
O País real é aquele que por exemplo, não entende que a uma empresa, com menos de dois anos actividade não pode nem deve ser cobrada tributação autónoma pelas despesas de representação. Qualquer iniciativa criativa nova, geradora de emprego necessita mais do que nunca, nos primeiros meses de actividade, de se dar a conhecer.
Ora, se por ventura a empresa começou a operar em Outubro, mas o seu ano fiscal coincidir com o seu ano civil
(algo muito em comum, e muitas vezes exigência dos accionistas) eis senão quando, uma vez que só por milagre terá lucro ao fim de três meses (há sempre bons negócios ainda por descobrir certamente), em Dezembro será altamente penalizada em termos de tributação autónoma.
Isto não se compadece com os discursos de incentivos e boas vindas que o País imaginário anda a pregar com o intuito de atrair investimento. Isto é o País real a querer regulamentar o outro País real “malandreco” que faz empresas com o único intuito de as encher de despesas fictícias. Mas estas práticas têm que ser revistas sob pena de andarmos uns a remar para um lado e outros para outro.
O País real é aquele que continua a ter inúmeros entraves à iniciativa privada, seja ela qual for. No País imaginário, o ideal era deixar como noutros países, onde um jovem adolescente que queira pagar a sua ida à Disneylândia possa vender à porta de casa dos seus progenitores limonada ou laranjada feita por ele a partir da fruta existente em sua casa ou que invente uma banca auto transportada de venda de “cachorros quentes” sem que o país real lhe coloque um sem número de entraves, seja por causa do IVA que não está a ser facturado seja por causa da ASAE e da salubridade dos equipamentos que foram utilizados para confeccionar os produtos que estão a ser comercializados.
O País real castra a iniciativa e a criatividade dos seus cidadãos desde a mais pequena idade. Os petizes habituam-se à ideia do “mãe/pai-trocínio” em vez de, como noutras paragens, a ganharem dinheiro criativamente e a conquistarem o que desejam/sonham ter. O País real em nome da regulamentação, da salubridade, da protecção ao emprego, da defesa dos interesses instituídos dificulta o que pode e o que não deve toda e qualquer ideia que o País imaginário possa querer implementar.
No País real, uma banca de “hot dogs” igualzinha às que existem às centenas em Nova Iorque ou Berlim, não pode pura e simplesmente existir. Assim andamos todos a perder o nosso tempo, a nossa paciência e a nossa vontade em investir em novos negócios. Os vários responsáveis deveriam deixar de viver tanto no seu País imaginário e dedicarem-se mais a perceber o que é que tem de ser alterado no País real.
É urgente legislar sobre as “mini-empresas” isentas de impostos absurdos e contribuições para a segurança social. As empresas, tal qual como qualquer ser vivo (fauna ou flora), quando é pequenino precisa que saibam cuidar dele e nutri-lo bem, por forma a que possa crescer, desenvolver-se e uma vez maduro poder retirar dele os dividendos esperados.
Impor todas as obrigações fiscais a empresas que acabam de ser criadas é como atirar um pássaro que acaba de nascer da janela de um 10.º andar e ficar muito espantado por ter acabado morto, estatelado no chão sem nunca sequer ter batido as asas.
As empresas acabadas de criar precisam de ser isentadas de impostos e contribuições, no mínimo, nos seus primeiros dois anos de actividade. Aos que as criarem unicamente para daí conseguirem retirar benefícios fiscais, e não para efectivamente criar postos de trabalho e contribuir para o crescimento do PIB nacional, deverão ser aplicadas coimas significativas, porque esses são os comportamentos que minam a relação de confiança que deve sempre existir entre o tecido empresarial e a autoridade tributária.
Por seu turno, urge rever a regulamentação em vigor, sobretudo nas várias Entidades Reguladoras, que regem a nossa actividade económica com o intuito de as adaptar à nova realidade de um mundo cada vez mais digital por forma a serem efectivamente facilitadores da vida dos cidadãos e não um eterno empecilho a quem só deseja levar a economia nacional para outros patamares de notoriedade.
O País real tem que acabar com os que, invariavelmente, só inventam dificuldades com o único intuito de justificarem a importância do seu posto de trabalho actual.
É urgente alterar estas e outras situações inibidoras ao empreendedorismo ainda em vigor no País real, por forma a que o País imaginário possa, um dia, vir a ser realidade.
Este artigo foi publicado na edição de Abril da revista Executive Digest.