De que será feito 2021 para os mercados financeiros? Vacinas, estímulos e outras ameaças

Tal como em tudo o resto, o ano que agora terminou foi particularmente intenso nos mercados financeiros. 2020 tinha começado com grande otimismo, com quase todos os indicadores a apontarem para uma aceleração do crescimento económico a nível global e os índices bolsistas de Nova lorque a estabelecerem máximos históricos quase diariamente.

A chegada do vírus mudou tudo. O otimismo exuberante transformou-se em pessimismo extremo, com o pânico a imperar. Alguns mercados tiveram uma evolução difícil de explicar e talvez o melhor exemplo tenham sido os preços negativos no petróleo.

Governos e bancos centrais sentiram a necessidade de intervir de forma enérgica e ampla, no que resultou na maior vaga de estímulos à economia da História. Desde então, e também impulsionados pelas vacinas para a covid-19, a generalidade dos ativos recuperaram das perdas de março e abril e, e em bastantes casos, atingiram novos máximos históricos. Paradoxalmente, as bolsas atingiram máximos ao mesmo tempo que a recessão assumia dimensões nunca vistas em tempos de paz.

A contextualização é importante para lançar 2021. O mercado, tal como há exatamente um ano, está muito otimista, embora refém da enorme liquidez disponível e das expectativas quanto à evolução da pandemia.

Essa é a primeira e talvez a maior preocupação– a eficácia da vacina e a capacidade de chegar rapidamente ao maior número de pessoas possível. As expectativas de retoma dependem do regresso à “normalidade” e do levantamento das restrições. Se a partir do 2º trimestre de 2021 a situação não melhorar significativamente, o ano poderá ser novamente “perdido” e os mercados irão ressentir-se.

Outra preocupação passa pela gestão dos estímulos, nomeadamente a sua retirada. Os gastos dos governos geraram enormes défices orçamentais que têm sido acomodados por taxas de juro baixas (negativas) e por ampla liquidez. Garantir o equilíbrio orçamental implicará uma subida de impostos ou cortes na despesa que colocaram a economia sob pressão e… continuar a gastar gerará uma posição financeira incomportável aos Estados. E como se poderão retirar os estímulos às empresas, como as moratórias ou os juros baixos? Será possível aos bancos centrais “voltar a colocar a pasta dentro do tubo”, ou seja, voltar a subir taxas de juro? Provavelmente não.

Janeiro trará uma nova administração na Casa Branca e a eleição de dois senadores que poderão garantir aos Democratas o controlo total no Congresso dos EUA. Há falta de visibilidade acerca do que será Joe Biden para o ambiente de negócios. É quase certa uma subida de impostos, mas até que ponto? E como será a postura relativamente às grandes empresas de tecnologia que o Partido já ameaçou dividir, elas que apoiaram clarmaente os Democráticas na última eleição?

Outra interrogação que se coloca é acerca do protecionismo, que reemergiu nos últimos anos. O ocidente está mais ciente da ameaça chinesa e as mudanças na Casa Branca não deverão recolocar o relacionamento sino-americano no mesmo ponto em que se encontrava em 2016.

As taxas de juro muito baixas e a liquidez ampla provocaram uma inflação nos ativos, nomeadamente nos ativos financeiros. Simplesmente não parece haver alternativas que gerem rendimento que não passem por tomada de risco. As métricas de avaliação mostram um mercado “caro” um pouco por todo o lado e com alguns fenómenos especulativos, típicos de sobreaquecimento. Não há, para já indicações de que as subidas estejam perto do fim, mas como acontece todos os anos, haverá correções que poderão ser muito violentas. O facto de o mercado estar muito dominado por algoritmos, ETFs e pelo retalho deverão contribuir para movimentos mais pronunciados.

Por último, uma ameaça cada vez mais referida relaciona-se com a estabilidade do sistema financeiro mundial, eventualmente em risco devido às políticas monetárias “experimentais” dos últimos anos, sobretudo se a inflação regressar. E se o mundo perder a confiança na dívida pública e nas moedas convencionais, nomeadamente no dólar? A previsível estratégia de implementação de moedas exclusivamente digitais por parte dos bancos centrais dos será suficiente?

Apertem os cintos, 2021 será um ano muito interessante!

*Filipe Garcia, Economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros

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