Uma plataforma com todas as cores
A Associação para o Planeamento da Família (APF), com o apoio da Fundação Vodafone e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), criaram uma plataforma denominada “E Se Fosse Outra Cor”, dirigida a crianças a partir do segundo ciclo, famílias e docentes.
Esta plataforma, disponível sob a forma de website e aplicação móvel (Android e iOS) tem como principal objectivo fomentar a literacia quanto à igualdade de género e à liberdade para a orientação sexual.
Para promoção e comunicação desta nova plataforma será apresentada uma peça de teatro itinerante em 70 escolas do Ensino Básico (a turmas do primeiro e segundo ciclos), de Norte a Sul de Portugal Continental e Ilhas da Madeira e Açores.
A peça “E se fosse de outra cor” é um espetáculo-oficina que retrata de forma lúdica alguns dos estereótipos de género que perduram na nossa sociedade, fomentando a reflexão e transmissão de uma mensagem inclusiva para os mais jovens, professores e educadores, com vista a geração de transformações positivas.
Para ficarmos a conhecer melhor este projecto, falámos com Ana Mesquita Veríssimo, da Fundação Vodafone, e Rita Barros e Paulo Pelixo, da Associação para o Planeamento da Família.
Como é que a Fundação Vodafone e a Associação para o Planeamento da Família se juntaram para criar esta plataforma?
Ana Mesquita Veríssimo (AMV): Este projecto surgiu como parte integrante de um plano mais abrangente, da Fundação Vodafone, no âmbito da diversidade e inclusão, que abrange três grupos: os colaboradores, os clientes e a comunidade. É nesta última vertente que se enquadra este projecto.
A ideia original surgiu há cerca de dois anos, com o objectivo de desenvolver uma plataforma que de alguma forma endereçasse temas relacionados com a diversidade, destinados a crianças e jovens. Foi com esta ideia que chegámos ao contacto com a APF, e desde aí toda a plataforma foi desenhada em conjunto. Desde o princípio que sabíamos que áreas queríamos endereçar: a igualdade de género e a orientação sexual. A partir daí, foi um trabalho conjunto em que a Fundação Vodafone é responsável por toda a componente tecnológica e usabilidade do site e da aplicação móvel, enquanto a APF fornece todos os conteúdos e conhecimento relacionados com estes temas.
Rita Barros (RB): Nós aceitámos desde logo o desafio da Fundação Vodafone porque as questões das crianças têm sido, desde sempre, uma área de trabalho da APF. Trata-se de trabalhar para a educação e educar para a igualdade. Mediante a ideia que já estava estabelecida tivemos uma grande liberdade para a construção de conteúdos. Dado que estamos no terreno em todo o País, temos uma boa visão de quais os tópicos que importa abordar e de quais as questões levantadas por crianças, jovens, famílias e escolas. Foi com base nesta experiência que começámos a trabalhar neste projecto com a Fundação Vodafone.
Quais as grandes questões sociais subjacentes?
AMV: A Fundação Vodafone é guiada por três grandes pilares: a Sociedade da Informação, a preservação do Planeta e a inclusão de todos. É neste terceiro pilar que assenta o projecto “E se fosse outra cor”. Aquilo que procuramos continuamente são áreas que necessitem de ser trabalhadas e nas quais a tecnologia possa ajudar. Segundo os estudos que temos vindo a acompanhar, sejam eles promovidos pela União Europeia ou a nível nacional, notámos que algumas diferenças, sejam elas visíveis ou não, no contexto escolar, nos indicam que existem áreas de melhoria e campo para trabalhar. Foi neste contexto que surgiram estes dois temas – a identidade de género e a orientação sexual.
Os indicadores relacionados com a comunidade LGBT mostram que estes jovens e crianças, em contexto escolar, são expostos a comentários e comportamentos menos positivos em relação às suas opções. Por outro lado, a igualdade de género é um tema igualmente importante porque embora tenhamos cada vez mais mulheres licenciadas, os indicadores já não comprovam uma crescente empregabilidade.
Assim, a identidade de género e a orientação sexual foram duas áreas, dentro das várias possíveis, que entendemos endereçar nesta fase. Isto não quer dizer que a plataforma, como muitos outros projectos da Fundação Vodafone, não venha a desenvolver. A nossa ambição é que esta plataforma seja vista como uma ferramenta que contribua para um maior esclarecimento e consciencialização das dúvidas que diariamente temos sobre estes temas.
Aliado à plataforma, foi também pensado o desenvolvimento de uma peça de teatro que que fará parte de um roadshow que vamos fazer por várias escolas a nível nacional para criar um momento de reflexão sobre a igualdade de género. Acreditamos que esta pode ser uma ferramenta muito forte para alertar e provocar a discussão entre os jovens, a comunidade educativa e os encarregados de educação ou famílias.
Paulo Pelixo (PP): Enquanto sociedade estamos a viver uma época em que é fundamental pegar nestes temas. Por um lado achamos que estas questões estão mais ou menos resolvidas. A igualdade de género é praticamente um dado adquirido na nossa sociedade, e diz-se mesmo que já não é uma questão. O mesmo se aplica à orientação sexual porque partimos do pressuposto de que se as pessoas já conquistaram um conjunto de direitos, é porque o problema está resolvido. No entanto, não é bem assim, e quando olhamos para os números percebemos que há muito por fazer no que diz respeito a estes temas. Há muito por fazer nomeadamente a nível de educação porque a nossa visão sobre aquilo que são preconceitos e crenças resulta de uma aprendizagem que se faz em sociedade. A boa notícia é que podemos fazer essa aprendizagem de forma a que seja mais ou menos correcta.
Quanto todos ficamos preocupados com os números que aparecem relativamente a temas como a violência doméstica, é importante perceber que estas situações acontecem porque alguém aprendeu que aquela era uma forma correcta de lidar com determinado tipo de problemas. É isso que nós não queremos que aconteça. Queremos que as crianças façam outro tipo de aprendizagem.
Pegando no exemplo da peça de teatro que desenvolvemos, esta foi um desafio porque muitas vezes restringimos a igualdade de género à divisão de tarefas, e essa é apenas uma das dimensões deste conceito. Existem muitas outras que nós queríamos trabalhar. O desafio está em saber como trabalhar todas estas questões de forma a que seja adequado às crianças, por um lado; e por outro, que elas aprendam mas também se divirtam.
Na peça conseguimos trabalhar questões relacionadas como os papéis de género, os estereótipos de género, a violência de género, pessoas que têm comportamentos de género atípicos, etc. O primeiro contacto com as crianças através desta peça correu muito bem e consideramos que a mensagem passa, de facto.
A plataforma online serve para complementar a informação. De uma forma simples e directa, trata-se de dar informação que possa ser relevante para as situações com que as pessoas se confrontam.
Como está estruturada a plataforma?
AMV: A plataforma destina-se a três grupos – jovens, famílias e professores e transmite uma série de informações através de artigos de opinião, campanhas publicitárias nacionais e internacionais, entre outros. Estes conteúdos estão formatados para dar resposta às perguntas mais comuns sobre os temas da identidade de género e a orientação sexual. Há também um quiz com perguntas para uma avaliação dos nossos conhecimentos sobre estes assunto.
A plataforma tem acesso web através de computador e ainda uma aplicação móvel para Android e iOS. Na aplicação móvel a estrutura é ligeiramente diferente porque o objectivo é aproveitar as funcionalidades do smartphone para comunicar de forma mais interactiva com os utilizadores. Sempre que a APF dinamizar eventos ou quando a peça de teatro passar em mais escolas poderemos divulgar datas e locais na aplicação, através de notificações.
Como é que as crianças reagiram à peça desenvolvida?
PP: As crianças entram completamente na história e posicionam-se relativamente às questões que são levantadas. Isso é muito positivo porque o objectivo é precisamente que elas participem. No final, nota-se que as crianças aprendem e que isto acaba por servir para estimular a partilha de opiniões entre elas e flexibilizar o pensamento.
AMV: Esta é a idade certa para transmitir este tipo de mensagem porque os nossos comportamentos derivam dos nossos valores e das nossas referências. Vamos moldando o nosso comportamento em função disso. Muitos destes temas são culturais, e por isso têm de ser trabalhados ao longo do tempo. A alteração de comportamentos pode durar anos, ou mesmo uma ou duas gerações.
E os adultos, como reagem a esta plataforma?
AMV: Já tivemos algumas reacções de direcções de escolas que consideram realmente importante tratar estes temas. Algumas escolas que tiveram conhecimento da peça até já perguntaram o que é preciso fazer para levarmos este trabalho ao seu agrupamento escolar. Temos tido um feedback também muito positivo das associações de pais.
Quais os próximos passos?
AMV: Neste momento já estamos a conversar sobre a forma de dar continuidade ao projecto, visto que o feedback que recebemos é muito positivo. Estamos a pensar como poderemos incluir mais escolas, mais agrupamentos escolares, associações de pais… Estamos a trabalhar nesse sentido de continuidade sustentada do projecto.
Texto: Paulo Mendonça
Entrevista originalmente publicada na Kids Marketeer em março de 2020