Randstad Insight: O evolucionismo
Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal
O motivo nada teve a ver com a produtividade, conciliação ou redução de custos de instalações, foi sim uma resposta à crise petrolífera, uma forma de garantir a continuidade do negócio sem que as pessoas precisassem de se deslocar.
O contexto acelera a mudança mas não garante a transformação. Leva a uma adaptação mais rápida mas não necessariamente à sua implementação. E está certo que assim seja o que não faz sentido é retirarmos a aprendizagem desta equação.
Temos de analisar resultados, perceber que obstáculos existiam no passado que conseguimos superar e não necessariamente voltar ao que éramos porque tudo passou. Nunca podemos mesmo voltar atrás, devemos sempre construir em cima de.
Em 2019 a A CIP – Confederação Empresarial de Portugal apresentou o estudo “Automação e o Futuro do Trabalho em Portugal”, elaborado em parceria com o McKinsey Global Institute e a Nova School of Business and Economics. O estudo debruça-se sobre o impacto da automação no futuro do trabalho e mede o potencial de automação da economia portuguesa até 2030 e previa até num cenário tecnológico conservador que a adopção da automação em Portugal pudesse levar à perda de 1,1 milhões de empregos na indústria e comércio, mas criar outros tantos na saúde, assistência social, ciência, profissões técnicas e construção. A mesma consultora no seu estudo “The future of work in Europe” de Junho deste ano vem mostrar a relação entre a pandemia e a automação. Considerando a totalidade do emprego em 2018 na Europa 27% e Reino Unido, 22% está em risco pela automação e 26% em risco pelo impacto da pandemia. Estes dois grupos sobrepõe-se em 10% ou seja 24 milhões de empregos, o que poderá acelerar esta eliminação. Estes números são apenas números se não fizermos o processo de aprendizagem e não tomarmos decisões para o futuro. Estes números são apenas números se não definirmos uma estratégia para o emprego que não se baseia em modelos presenciais ou remotos, mas em modelos presenciais e remotos. Que não signifique tudo ou nada automatizado, mas automatizado onde o humano não acrescenta valor e humanizado em as pessoas fazem a diferença.
As mudanças de contexto não devem apenas criar episódios excepcionais como têm de nos fazer evoluir num sentido mais positivo, não contrariando o que tem sido a evolução humana. Temos de deixar a mesquinhez dos rótulos para olhar para o cenário no seu todo, compreendendo o impacto das decisões e como estas vão impactar na nova realidade ou se quiserem no novo normal.
Exemplo, quando falamos em teletrabalho, a discussão deve estar nos custos da luz, internet e mobiliário? Ou pelo contrário deve estar centrada na liderança, produtividade e engagement? Não serão estes os temas principais que devem centrar a reflexão da empresa, uma reflexão baseada em resultados mas suportada pela comunicação com as pessoas, encontrando o modelo mais adequado.
E mesmo sem o fim da pandemia, devemos já hoje retirar a aprendizagem do confinamento. O que aprendemos sobre as nossas empresas e as nossas pessoas? Qual o modelo de trabalho que vamos adoptar no depois de amanhã. O que precisamos de adaptar para essa nova realidade, temos os processos e a tecnologia (em especial a segurança) que o permite fazer ou temos de desenvolver? A gestão das nossas pessoas era uma verdadeira gestão? Como está o engagement na minha organização, como foi afectada a produtividade e como podemos gerir a incerteza como um novo normal. Estes desafios têm de estar na mesma folha estratégica semanal em que avaliamos o mercado, tem de ter rubricas no investimento e garantias de continuidade do negócio, reconhecendo a fragilidade do contexto e como este pode rapidamente impactar nas nossas decisões. Voltar para o local de trabalho fingindo que voltamos atrás é irresponsável, porque não só o vírus não se foi embora como o mundo não voltou nem vai voltar ao que era. Gerir o tema da segurança no local de trabalho de forma displicente é uma inconsciência e um risco para a vida das pessoas. Ignorar emoções no actual contexto e exigir o profissionalismo de um autómato impactando de forma negativa na produtividade e na felicidade.
E com isto não estou a querer dizer que não vai ficar tudo bem, eu sei que vai. Eu sei que vai se colocarmos as pessoas em primeiro lugar, se as ouvirmos e se falarmos com elas, se desenvolvermos a liderança individual e colectiva, não aceitando a mediocridade e trabalhando em conjunto. Porque há uma certeza que todos podemos ter, é que um dia isto vai acabar, o “bicho” vai ser derrotado, a dúvida está apenas no quando e por isso até lá temos de ser ainda mais humanos na forma como lidamos com tudo isto.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 172 de Julho de 2020