Gestão de Recompensas: há mais vida para além dos salários?
Por Pedro Ferreira, Professor Auxiliar da Universidade Portucalense e Investigador do REMIT
No últimos meses, em Portugal, o tema dos salários tem estado em alta nos contextos mais mediáticos. Um dos impulsionadores desta popularidade foi o aumento do salário mínimo nacional (SMN). Em 2022, o valor fixado para o SMN é de 705 euros, mais 6% que no ano anterior (665 euros). Se juntarmos a este dado o facto de, nos últimos anos, o SMN ter apresentado uma tendência de subida a rondar os 5%, percebe-se a atenção dada ao tema.
Por arrasto, outro tema ganhou força: a disparidade entre o valor líquido que um trabalhador aufere e o encargo que representa para a organização. A este propósito, tornou-se viral um post partilhado nas redes sociais, e já validado pelo “Polígrafo SIC”, demonstrando que com um salário bruto de 2700 euros, o trabalhador recebe cerca de 1700 euros, enquanto a empresa tem um encargo total de quase 3400 euros. Esta simulação, igualmente válida em proporção para salários inferiores, ilustra o descontentamento de empresas e de trabalhadores. Uns porque vêem limitadas as suas políticas salariais; outros porque vêem os seus salários reais amputados de uma parte substancial.
O que têm estes dois temas em comum? Na realidade, ao colocarem o foco no salário, estas discussões contribuem para uma espécie de visão de túnel sobre o tema das recompensas. Ao tornar a reflexão monocórdica, reduzida apenas a uma questão de salário, perde-se a visão mais abrangente e holística. E com isso, o potencial motivational, de retenção e atracção, associado à gestão de recompensas. Existe um sem número de recompensas que as organizações podem mobilizar com resultados já demonstrados.
Desenvolver uma estratégia que contemple diferentes tipos de recompensas é precisamente a ideia-base da abordagem da “recompensa total”. Esta abordagem combina compensações, benefícios, e desenvolvimento de talento, como pilares de uma abordagem integrada de satisfação das necessidades e expectativas dos trabalhadores.
A compensação é o elemento que inclui aspectos como salário, bónus, prémios, entre outros. É, no fundo, a componente monetária do sistema. A este respeito, é importante ter compensações alinhadas com a realidade da organização, mas também competitivas relativamente ao que é praticado no mercado. Nos últimos meses, com maior incidência no início deste ano, várias empresas têm divulgado subidas nos seus salários de entrada. Isto é não só uma tentativa de descolar a política salarial do SMN, mas também uma forma de afirmar no mercado de trabalho um posicionamento competitivo e atractivo.
Os benefícios são a componente mais flexível e abrangente da equação da “recompensa total”. Desde bens e serviços até regalias intangíveis, quase tudo o que uma organização proporciona aos seus trabalhadores pode ser considerado um benefício. Para além de benefícios mais tradicionais, como seguro de saúde, a título de exemplo, a possibilidade de trabalhar remotamente (total ou parcialmente) pode permitir ao trabalhador reduzir os custos associados às deslocações e melhorar a sua qualidade de vida, sem que a organização tenha custos significativos. Já para não falar em benefícios sob a forma de bens ou serviços que contribuem indirectamente para aumentar o rendimento disponível.
Nesta área, o elemento-chave é conhecer bem os trabalhadores da empresa, de modo a criar pacotes de benefícios “employee-centric”.
O desenvolvimento de talento é outro dos pilares da “recompensa total”. Contemplar o desenvolvimento de planos de carreira, de formação à medida, de programas de identificação de trabalhadores de elevado potencial, e de formas de os trabalhadores desenvolverem projectos especiais (ao estilo de “side-projects”), são alguns dos exemplos de estratégias que permitem criar oportunidades para os trabalhadores melhorarem, desenvolverem novas competências e sentirem-se desafiados.
Numa óptica de gestão de pessoas, a solução para o problema dos salários pode, em parte, passar por reformular o problema. Começando, por exemplo, por considerar que o problema não está nos salários, mas sim na forma como se gere recompensas. Na realidade, no que às recompensas diz respeito, há muito mais vida para além do salário!