Um exoesqueleto, não um robô

Opinião de Filipe Marques, CEO da InovaDigital

Executive Digest
Julho 25, 2025
14:52

Por Filipe Marques, CEO da InovaDigital

A Inteligência Artificial (IA) não vem substituir o humano, vem amplificá-lo. O paralelo que faço é simples: imagine a IA como um exoesqueleto e não como um robô autónomo. Vejamos: um exoesqueleto não anda sozinho, mas, quando colocado sobre o corpo humano, este ganha dez vezes mais força. O raciocínio é o mesmo: uma equipa bem treinada, com processos claros e acesso às ferramentas certas, consegue multiplicar a sua capacidade produtiva e oferecer um serviço de excelência, com mais personalização e menos desperdício.
Então, o desafio está aqui: usar a IA para libertar tempo, não para cortar recursos, e redirecionar as pessoas para onde realmente fazem a diferença — seja na confiança, no acompanhamento, na leitura emocional do cliente ou na resolução criativa de problemas.

O papel do gestor: deixar o hype, entrar na estratégia
Tenho-me vindo a aperceber de que muitos empresários e decisores ainda estão à espera de “ver o que acontece”, com algum grau de desconfiança ou, talvez, sem ainda terem a perceção da real necessidade de transformação e adaptação nas suas organizações. Outros já aderiram à IA, mas a esmagadora maioria parece estar com o foco errado: usam-na como um gadget, não como uma estrutura.
Considero que falta um plano sério, ajustado ao contexto português, que responda a três perguntas centrais:

  1. O que posso libertar para que os meus colaboradores ganhem foco e qualidade?
  2. Como é que a IA pode ajudar-me a tomar decisões mais rápidas e mais informadas?
  3. Que parte do meu modelo de negócio pode ser reconfigurada com tecnologia para escalar?
    Responder a isto é mais urgente do que parece, já que o que estamos a viver não é uma “revolução tecnológica”, mas sim uma mudança de paradigma na forma como se cria valor no setor imobiliário.

Distinguir modas de trabalho real
O que realmente importa agora é saber distinguir modas passageiras de movimentos estruturais, e isso só se faz com trabalho consistente, com método, com espírito crítico. As empresas que estão a experimentar, a errar, a corrigir e a melhorar são as que estão a construir o futuro. Não tenho dúvidas.
Experimentar é essencial, e errar faz parte. Mas temos pouco tempo para errar! Temos de ter método, objetivos claros e capacidade de aprendizagem. É isto que transforma a tentativa em progresso. E não é algo novo — esta é a lógica que moldou os líderes de todas as transformações anteriores e também a chave para esta vaga, que não é apenas mais uma: estamos, provavelmente, perante a maior e mais importante mudança estrutural desde a Revolução Industrial. E acreditem: estamos apenas a começar.

O que podemos aprender lá fora?
Há três aprendizagens claras dos mercados mais avançados:

  1. Não há IA eficaz sem dados de qualidade. Nos EUA, no Reino Unido e em partes da Alemanha, por exemplo, os sistemas funcionam porque os dados são limpos, estruturados e centralizados. Em Portugal, vivemos e trabalhamos com dados dispersos em dezenas de plataformas, portanto, resolver este problema é uma prioridade.
  2. A resistência interna é o maior obstáculo. Em todos os mercados, as maiores barreiras não foram tecnológicas, foram humanas: medo de perder o emprego, descrença na eficácia da IA, ausência de formação. Isto combate-se com liderança, comunicação clara e capacitação progressiva.
  3. As empresas que lideram são as que integram a IA no core do negócio e não a tratam como um “extra”, mas como parte estrutural da operação — nos preços, nos fluxos, na análise de risco, na escolha de mercados e na gestão de recursos.

E nós, em Portugal?
Portugal tem muito talento, tecnologia e acesso a conhecimento. Existem dezenas de empresas a fazer um excelente trabalho — a experimentar, a testar, a desafiar o status quo. E a experiência diz-nos que a disrupção não se anuncia, constrói-se. E, neste momento, está a acontecer.
O que falta: formação prática para os quadros médios e superiores; apoio real à integração de IA nas PME; redes de partilha interoperáveis de dados fiáveis e estruturados; modelos de negócio que libertem os comerciais e técnicos para tarefas de valor; empresários com visão, dispostos a liderar a mudança pelo exemplo.

A mudança começa dentro
A mudança que o mercado precisa não está nas ferramentas, está na forma como olhamos para elas — na decisão de repensar processos, libertar pessoas e reconstruir a operação em torno daquilo que é realmente essencial: um serviço de qualidade, conhecimento do cliente, leitura do mercado e rapidez de resposta.
Quem conseguir usar a IA como exoesqueleto vai multiplicar a sua força sem perder o toque humano, vai conseguir escalar sem despersonalizar e vai chegar mais longe, mais depressa, com menos desgaste e mais margem.

Um apelo aos líderes do setor
Este é o momento. O tempo de esperar passou e o hype vai desaparecer. Mas os que se mexerem agora vão a tempo de fazer parte da liderança na próxima década no setor imobiliário — não apenas por usarem IA, mas por saberem para que serve, como se aplica e ao serviço de quem está.
A pergunta já não é: “Será que devo?” É: “Se não for agora, quando?” E, talvez mais importante: “Se não for eu, quem o vai fazer por mim?” Portugal não pode perder esta oportunidade. E o setor imobiliário, com o seu impacto económico, social e cultural, tem tudo para ser um exemplo. Mas, para isso, os líderes têm de ser os primeiros a dar o passo.

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