Proteger e inovar: o constante (e necessário) jogo de adaptação no mundo digital
Por José Ferreira, Senior SOC Analyst no Constellation Automotive Group Tech Hub
O progresso tecnológico tem trazido consigo uma dualidade inevitável: enquanto nos aproxima de possibilidades extraordinárias, também nos expõe a riscos cada vez mais complexos. Até porque, sempre que há um avanço tecnológico, há também quem procure usá-lo para explorar vulnerabilidades. A cibersegurança emerge, assim, como a linha ténue que separa a inovação da exposição, num jogo constante de adaptação e estratégia.
Os avanços em Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML) têm, de facto, criado oportunidades em ambos os lados das muralhas da cibersegurança. Por um lado, estas tecnologias podem ser utilizadas na defesa, permitindo automação na deteção, triagem, correlação e resposta a ciberataques. Por outro, estas mesmas ferramentas permitem que os atacantes desenvolvam estratégias mais sofisticadas e dinâmicas, tornando a deteção e resposta mais desafiantes.
Um exemplo claro disso é a evolução das campanhas de phishing, com as técnicas de IA e ML a permitirem personalizar e automatizar ataques de forma muito convincente, seja por e-mail, sms ou redes sociais. Estamos ainda a assistir ao crescimento de modelos como hacker-as-a-service, onde os ataques são quase industrializados. Neste contexto, até Estados, grupos criminosos organizados e indivíduos com poucos recursos podem aceder a ferramentas avançadas para realizar ciberataques. A única forma de acompanhar esta evolução acelerada é mesmo adaptando as próprias ferramentas de defesa para responder às novas ameaças com a mesma agilidade.
O cenário geopolítico atual tem também trazido as questões de segurança para o topo das prioridades das empresas tecnológicas e das startups. À medida que aumentam as tensões internacionais, cresce também o financiamento e a sofisticação de grupos APT (Advanced Persistent Threat). Neste cenário, as empresas enfrentam uma pressão crescente para proteger os seus dados e sistemas contra ataques altamente organizados e financiados.
Negligenciar a cibersegurança no mundo atual pode ter consequências muito graves. Fazendo uma analogia, é como vestir um casaco no Inverno: alguns vestem-no em outubro e outros em dezembro mas, chegando o mês de fevereiro, os únicos que não o vestem são os que ficam em casa. No mesmo sentido, as organizações que não se adaptarem e implementarem defesas eficazes e atualizadas, correm o risco de acabar por não sobreviver no mercado.
A cibersegurança deve ser vista como um processo contínuo e inacabado, sendo que uma das maiores preocupações passa pela gestão dos riscos invisíveis ou emergentes. É relativamente simples catalogar riscos conhecidos e implementar defesas para mitigá-los, mas o maior desafio passa por lidar com aquilo que ainda não foi identificado. Estes “pontos cegos” são especialmente perigosos, na medida em que se situam, muitas vezes, nas interfaces mais próximas do negócio e dos seus clientes. Sabendo que a maior preocupação de qualquer equipa de segurança é garantir que o negócio funciona sem interrupções, é crucial garantir uma abordagem equilibrada entre proteger e permitir. Diferentes experiências e formas de pensar podem ser relevantes para abordar os problemas de cibersegurança de ângulos que talvez não sejam evidentes para todos.
O ponto positivo é que todas estas questões têm também estimulado a inovação e o investimento em cibersegurança, especialmente em setores estratégicos e entre startups tecnológicas. Este é um campo onde os desafios abrem oportunidades para quem consegue responder rapidamente às novas ameaças. Dessa forma, é essencial que o investimento em segurança seja estratégico e direcionado para áreas críticas, onde as ameaças são mais evidentes ou o impacto pode ser mais devastador.
Equilibrar inovação, agilidade e cibersegurança requer uma abordagem onde os sistemas de segurança sejam projetados e integrados desde o primeiro momento, criando produtos mais resilientes e menos vulneráveis. Mesmo em cenários adversos, isto permite que o sistema continue funcional e tolerante a falhas. O erro mais comum que ainda observamos é tratar a cibersegurança como uma etapa posterior ao desenvolvimento. Quando isso acontece, o processo torna-se frágil, e corrigir essas falhas após a implementação pode ser muito mais caro e demorado.
Olhando para o futuro da cibersegurança, é garantido que este será sempre marcado pela adaptação contínua às novas ameaças. Embora a Internet tenha começado há mais de 40 anos, o “sistema imunitário” digital ainda está em formação. Temos algumas ciberdefesas montadas, mas sabemos que não estamos totalmente imunes. Desde as publicidades que invadem a nossa privacidade às notícias que desinformam ou influenciam, recebemos sinais de que ainda há muito para defender.
Acredito que, embora o cenário das ameaças mude, a natureza do conflito permanecerá. Enquanto houver motivações e lucros a retirar do cibercrime, a batalha irá continuar. No entanto, ao fortalecer as nossas defesas e trabalhar de forma colaborativa, podemos minimizar os impactos e garantir um futuro digital que seja tanto promissor quanto seguro.