Mais umas achas para a fogueira do hidrogénio

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Muito se tem falado sobre o hidrogénio, eu inclusive, como componente de uma promissora e alternativa energia “limpa”, que pode auxiliar a atingir as metas futuras de sustentabilidade e transição energética. No entanto isto necessita do desenvolvimento de uma extensa infraestrutura intrassectorial. Um aspeto muito importante tem também a ver com os custos deste vetor energético, sendo que há estudos que apontam, por exemplo, para valores médios de $1,25-2,20/kg H2 e de $1,77-2,05/kg H2, num futuro próximo, respetivamente para hidrogénio obtido através de gasificação e de pirólise da biomassa, duas visa menos conhecidas do que a eletrólise via eletricidade “renovável”.

Estão disponíveis vários métodos de produção de hidrogénio que possuem vantagens e desvantagens dos pontos de vista da eficiência energética, custo e impacto ambiental. Em 2021 era referido que apenas 4% do hidrogénio globalmente produzido era obtido via eletrólise, a tecnologia mais citada na atualidade para o hidrogénio verde. Atualmente tem também vindo a referir-se o chamado bio-hidrogénio, obtido através de vias microbianas e biológicas, como sendo uma alternativa mais sustentável e de baixa energia, mas este processo requer ainda algum desenvolvimento e scale-up para se tornar economicamente viável.

No caso da produção de hidrogénio a partir de biomassa, várias fontes de biomassa podem ser utilizadas, tais como os dejetos dos animais, resíduos municipais, o restolho das colheitas, plantas de culturas energéticas, resíduos da indústria alimentar, serrim, vegetação aquática, resíduos de papel e outras. A estas podem ser aplicadas vias termoquímicas, como as referidas gasificação e pirólise, mas os processos que usam microorganismos também são vias alternativas.

O hidrogénio como combustível é usado em processos de combustão ou de células de combustível originando apenas água como subproduto principal. Além disso pode ser misturado com outros combustíveis para melhorar a eficiência da combustão e mitigar a formação de óxidos de azoto. Esta, por exemplo, é uma importante via para a descarbonização progressiva.

Por exemplo, hidrogénio misturado injetado em motores a gasolina reduz o consumo do hidrocarboneto e as emissões de monóxido de carbono, podendo esta utilização ser realizada sem grandes modificações dos motores, mas existem também já motores de combustão interna que usam apenas hidrogénio como combustível, cujas emissões são “quase zero” (emitem NOx) e têm eficiências mais elevadas. Misturas de amoníaco verde e hidrogénio também têm sido estudada para uso em motores diesel.

A nível da aviação, o uso do hidrogénio tem explorado duas vias: como substituto do querosene em aviões de longo curso e aviões para voos mais curtos com fuel cell como motor. Por exemplo, a Airbus tem apostado nestas vias. Embora seja gerado vapor de água a alta altitude, que é também um gás de efeito de estufa, este contributo é muitíssimo inferior ao gerado pela combustão de querosene. É de referir também que a Rolls-Royce revelou um novo motor a jato, que é alimentado por hidrogénio.

No entanto o hidrogénio requer um maior volume de armazenamento. Por isso se têm estudado novas soluções de design das aeronaves que distribuem esse armazenamento pela fuselagem, minimizando a área superficial e as perdas de calor. Ou a adoção de um tanque de hidrogénio refrigerado e isolado na parte traseira do avião e, para contrabalançar este peso adicional, uma asa auxiliar na parte dianteira do avião. Existe ainda a possibilidade colocar tanques de hidrogénio adicionais suspensos por baixo das asas.

Estas turbinas a gás de hidrogénio podem encontrar ainda aplicações noutros modos de transporte, como os veículos muito pesados (blindados, maquinaria) e até navios.

Com atualidade nos tempos que correm, é de citar também o caso dos drones, que estão a adotar tecnologias de propulsão baseadas em hidrogénio que apresentam algumas vantagens em relação, por exemplo, às baterias, nomeadamente a nível da autonomia. A título de exemplo refira-se o caso de um drone de 6,5 kg com um sistema de hidrogénio de 2,9 kg que conseguiu voar mais de 17 horas seguidas sem reabastecimento, sendo que o reabastecimento também é rápido.

Os comboios movidos a hidrogénio são já uma realidade. Pode-se referir aqui o Alstom Coradia iLint o primeiro comboio a hidrogénio, na Alemanha, que é usado desde 2016 numa linha regional.  De referir aqui também o projeto FCH2RAIL, em que foi desenvolvido um comboio de demonstração com fuel cell a hidrogénio que esteve em testes em Portugal na linha do Minho entre 3 e 6 de abril de 2023. Esta poderá ser uma opção válida para zonas não eletrificadas ou de difícil eletrificação.

O hidrogénio poderá, assim, vir a ser um componente importante na via da descarbonização do transporte. A ver vamos!

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