Financiamento sustentável: cenoura ou cacete?

Por Pedro Wilton, Diretor da Systemic e especialista em financiamento sustentável

Há uns meses, num painel de uma conferência sobre finanças sustentáveis em que participei, o moderador perguntou-me se achava que a sustentabilidade ia trazer, em geral, maiores ou menores custos de financiamento para as empresas.

Como economista, respondi com a tirada clássica: “depende”. Mas a pergunta faz sentido e continuei a pensar nela, até porque é crucial para quem pede financiamento – as empresas – e também para os financiadores: bancos, investidores institucionais, capitais de risco, aforradores, as próprias entidades públicas e instituições internacionais.

Relembremos o óbvio: um fator crucial no financiamento é o risco percecionado da empresa ou projeto que se financia. Se esse projeto tiver maior probabilidade de eventos adversos ou maior variabilidade de resultados, o financiador exige maior remuneração como compensação. Daí o conceito de prémio de risco.

Relembremos também as preferências: se um financiador tiver várias opções de aplicação disponíveis, escolherá aquela que mais se adequa aos seus gostos, e por extensão, à sua visão sobre o seu futuro, a sua família e a sociedade.

Combinando estes dois conceitos, vemos que a crescente consciencialização de atores públicos e privados para a sustentabilidade em todas as suas vertentes (o ambiental com maior frequência, sem descurar o social e a governança) trouxe para a equação do financiamento estes dois fatores de discriminação: o risco percecionado de diferentes atividades e projetos, sustentáveis ou não; e as preferências por produtos, serviços e atividades, sustentáveis ou não.

Cada vez mais, o risco climático é um fator central na atuação das entidades do setor financeiro, incluindo bancos centrais. Veja-se por exemplo as recomendações da TCFD – Task Force on Climate – Related Financial Disclosure. A maior incidência e severidade de eventos climáticos extremos tem impacte na situação das empresas expostas a esses riscos, incluindo proveitos, solidez financeira e mesmo a sua continuidade. Logo, o financiamento dessa atividade passa a incorporar um novo fator de risco e um prémio adicional. Neste exemplo, a sustentabilidade introduz discriminação negativa.

A transição para uma economia de baixo carbono também cria oportunidades. Pense-se nos ganhos potenciais de empresas que adotem tecnologias energéticas mais eficientes. Tornando-se mais resilientes e capazes de responder a choques adversos, o seu risco percecionado pode diminuir caso essas empresas procedam às alterações necessárias no seu processo produtivo. Neste exemplo, a sustentabilidade induz discriminação positiva.

Finalmente, as alterações de preferências motivadas pela sustentabilidade induzem maior ou menor procura por atividades económicas que correspondam, ou deixem de corresponder, às expetativas dos consumidores privados ou dos agentes públicos. Aqui e consoante os casos, podemos ter discriminação positiva ou negativa por efeito da sustentabilidade, com efeitos no nível e condições de financiamento.

 

Muito bem, e fica agora a pergunta; qual o efeito preponderante, discriminação positiva ou negativa? Será que a sustentabilidade vai induzir um financiamento mais exigente e oneroso para atividades mais arriscadas e menos alinhadas – ótica do cacete? Ou ao invés, fomentar financiamento mais generoso para atividades mais resilientes e que correspondam aos desafios da transição – ótica da cenoura?

A resposta a esta pergunta é multifacetada (mais uma vez: “depende”), existindo atualmente evidência de ambas as estratégias:

  • Políticas de exclusão: muitos gestores de ativos optam por não investir em setores controversos, um exemplo claro de discriminação negativa;
  • Greenium: algumas emissões de obrigações verdes registam ligeiro desconto face a emissões tradicionais, sugerindo menor risco implícito e/ou maior propensão por investidores com preferências de sustentabilidade, e implicitamente, discriminação positiva;
  • Oferta de produtos bancários: muitos bancos já oferecem linhas de crédito bonificadas para atividades sustentáveis, portanto discriminação positiva;
  • Dívida sustainability-linked: alguns instrumentos desta categoria preveem uma penalização caso a empresa não cumpra um objetivo; outros instrumentos preveem uma bonificação (menor juro) se a empresa o cumprir; nestes casos, temos discriminação positiva ou negativa, consoante o instrumento tenha sido construído.

Em última análise, o maior incentivo para a discriminação (positiva ou negativa) ser operacionalizada virá do setor financeiro. Os bancos centrais estão a ser um dos maiores atores do Acordo de Paris, ao introduzir os riscos de sustentabilidade no cálculo dos rácios prudenciais da banca, com efeitos no custo de capital e indiretamente, nas condições de financiamento concedido. Por sua vez, isso cria um incentivo a que as empresas se adaptem e promovam a transição, beneficiando da cenoura; ou corram o risco de manter atividades vistas como desajustadas, e deparando com o cacete.

Continuo sem responder sobre que estratégia, cenoura ou cacete, vai prevalecer – se é que alguma. Porque honestamente não tenho certeza, e isso depende de muitas circunstâncias e do ritmo de transição das economias, que infelizmente está a ser demasiado lento e que poderá forçar a medidas drásticas de discriminação negativa no futuro próximo.

Mas de uma coisa tenho certeza: a partir do momento que a sustentabilidade se autonomizou como variável na equação risco/retorno, não pode ser ignorada. E por esse motivo, todas as empresas devem pugnar por fazer o seu autodiagnóstico e encetarem a sua jornada de sustentabilidade se querem ser competitivas e continuar na corrida. Porque enquanto o pau vai e vem, as costas não folgam: preparam-se e adaptam-se.

 

 

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