Estradas do Amanhã. Caminhos para a Mobilidade do Futuro
Por Luís Mateus, Diretor Geral da Škoda Portugal
Para fazer face às preocupações crescentes relativas ao impacto do aquecimento global e às consequentes alterações climáticas, a União Europeia lançou em julho de 2021, um programa que denominou de “Pacote Climático Fit for 55”. Este programa, veio estabelecer metas ambiciosas para a redução drástica das emissões de gases (-55% até 2030), que potenciem o efeito de estufa, com o objetivo final de alcançar a neutralidade carbónica na União Europeia até 2050.
Para alcançar essa meta, a União Europeia lançou uma série de programas, onde se incluem incentivos, padrões mais rigorosos de eficiência, investimentos em tecnologias limpas e sustentáveis, entre outros, que visam reduzir a pegada de carbono em diversos sectores tais como os transportes, a energia e a indústria.
O sector dos transportes, nomeadamente o rodoviário, foi particularmente visado pelo facto das emissões de gases de escape dos motores a combustão terem um impacto relevante no aumento do dióxido de carbono presente na atmosfera que, sendo um componente natural e, portanto, não prejudicial à saúde pública (ao invés de outros tais como os óxidos de nitrogénio (NOx), os hidrocarbonetos ou as partículas), tem um impacto relevante no efeito de estufa quando presente em excesso no meio ambiente.
Nesse sentido, a União Europeia determinou que a partir de 2035, e ainda que sujeito a uma reavaliação prévia, novas matrículas de automóveis de passageiros devem emitir 0g/km de dióxido de carbono o que, à luz do que se pode tecnologicamente antever neste momento, só será possível de cumprir com automóveis 100% elétricos (emissões zero), ou automóveis movidos a hidrogénio cujas emissões são vapor de água.
Ora, perante este enquadramento legislativo e tecnológico e, tendo em consideração que estamos a falar num horizonte a cerca de 10 anos onde muito poderá acontecer, será possível antever quais serão as estradas para uma mobilidade sustentável?
Para um dos caminhos apontados, aquele que considera a utilização do hidrogénio verde como alternativa aos combustíveis usados nos atuais motores de combustão importa ter presente, antes de mais, que a fonte de matéria-prima é praticamente inesgotável uma vez que o hidrogénio é recolhido a partir da eletrolise da molécula de água H2O. No entanto, a elevada quantidade de energia necessária (não só para o processo de eletrolise, mas para todo o processo de armazenamento e distribuição), representa um enorme obstáculo que, quando somado ao investimento necessário para montar uma infraestrutura de distribuição capilar, nos leva à conclusão de que esta tecnologia não se afigura como uma alternativa provável no médio prazo à exceção, talvez, do transporte rodoviário de veículos pesados afetos ao transporte de mercadorias e passageiros (principalmente) nas grandes metrópoles.
O outro caminho, que reúne um consenso quase generalizado e que, portanto, está a merecer um forte investimento por parte dos vários estados membros da União Europeia (em incentivos à aquisição e na infraestrutura de carregamento) e por parte dos construtores automóveis (em investigação e tecnologia), é a eletrificação em massa do parque automóvel (por eletrificação deve entender-se veículos que são carregados com energia elétrica e que detêm uma autonomia, em modo totalmente elétrico, que sirva as necessidades de deslocação diárias dos
seus utilizadores). Mas, não obstante o investimento já efetuado, estamos ainda nos primórdios do que será necessário para assegurar a eletrificação em massa do parque automóvel. Nesse sentido, são expectáveis progressos relevantes para os próximos anos, não só em termos da capilaridade da infraestrutura de carregamento, mas também em termos tecnológicos (seja pela redução dos tempos de carregamento das atuais baterias, ou pela introdução de baterias de estado sólido logo que estejam vencidos alguns desafios técnicos) e ainda, não menos relevante, a redução do custo de aquisição das viaturas para que seja possível alcançar o objetivo de democratizar a mobilidade elétrica.
Assumindo o quase óbvio, ou seja, que o futuro da mobilidade automóvel no médio prazo passará necessariamente pelos veículos elétricos, vale a pena refletirmos um pouco sobre a origem da energia, já agora sustentável, que será necessária para alimentar um parque circulante de milhões de veículos.
Para melhor entendermos a magnitude do desafio consideremos Portugal, um país com um pequeno parque circulante quando comparado com a média dos países da União Europeia. Ora, se por hipótese, o parque circulante em Portugal, que são cerca de 5,6 milhões de veículos, fosse imediatamente convertido em veículos de tração puramente elétrica e assumindo uma quilometragem média anual de 15.000km, para um consumo médio de 15kWh por cada 100 quilómetros, seriam necessários 12,6 biliões de kWh por ano só para carregar todo o parque circulante. Se considerarmos ainda que, de entre as várias alternativas para a produção de energia renovável, as centrais solares são as que apresentam uma melhor eficiência e, sobretudo, um maior potencial de expansão seria necessário um aumento do número de centrais de produção solar para uma escala quase impossível de materializar (já que seriam necessários milhares de hectares) para que se pudesse gerar a energia necessária para alimentar o nosso parque circulante.
Apesar dos enormes desafios ainda por ultrapassar e dos avultados investimentos que terão de ser realizados na(s) próxima(s) década(s), a eletrificação gradual do nosso parque automóvel de veículos ligeiros é irreversível. A transição poderá ser mais ou menos penosa em função das medidas que os governos vindouros vão ter implementar no que diz respeito ao lançamento de políticas de incentivos atrativas, não só para a aquisição de veículos elétricos, mas igualmente para o reforço da infraestrutura de carregamento (seja ela pública ou privada).
Os incentivos atualmente em vigor, sejam eles relativos ao apoio à aquisição de viaturas ou carregadores ou ainda relativos à redução de impostos (diretos ou indiretos), terão de ser substancialmente reforçados e alargados para que a acessibilidade à mobilidade elétrica possa uma realidade para todos. Para aqueles mais resistentes à transição para a mobilidade elétrica remanescerá uma réstia de esperança… a possibilidade de a União Europeia deixar cair a tolerância zero relativamente às emissões de dióxido de carbono e permitir que os combustíveis sintéticos assumam o papel de substituição dos atuais combustíveis fósseis já que, embora não sejam totalmente isentos de emissões, têm pelo menos o mérito de cumprir com um outro desígnio do “Pacote Climático Fit for 55” que é a redução da dependência dos combustíveis fosseis.