Codificar o futuro que queremos está nas nossas mãos

Por Nuno Reis, Diretor da Área de Tecnologias de Informação do Millennium BCP

A simbiose entre humanos e tecnologia já não é um conceito futurista. É a realidade do nosso quotidiano, evoluímos para a Idade dos Cyborgs. Somos hoje “seres com capacidades aumentadas”, onde as ferramentas tecnológicas complementam e amplificam as nossas capacidades naturais. A tecnologia molda a maneira como comunicamos, trabalhamos, e até como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor. O telemóvel é, talvez, o exemplo mais claro desta fusão. Para a maioria, este dispositivo tornou-se numa extensão do corpo humano. Não serve apenas como meio de comunicação, mas também como plataforma de pesquisa, instrumento de trabalho e repositório de memórias. Tiramos fotografias e gravamos vídeos com a mesma facilidade com que falamos ou respiramos, criando uma narrativa digital da nossa vida.

Contudo, esta integração tecnológica não está isenta de riscos. A dependência dos dispositivos pode levar à diminuição das interações humanas reais e à perda de privacidade, com dados pessoais muitas vezes expostos e explorados sem o nosso consentimento. O verdadeiro desafio que enfrentamos é equilibrar os benefícios da tecnologia com a preservação dos valores fundamentais da nossa condição humana – como a empatia, a comunicação face a face, e a capacidade de estarmos plenamente presentes no momento.

A evolução tecnológica está a moldar profundamente a nossa sociedade, com impactos transversais em setores essenciais como a medicina, o ambiente, a energia, a construção e a banca. Na medicina, a crescente precisão de diagnóstico e os avanços em tratamentos personalizados estão a prolongar e a melhorar significativamente a qualidade de vida. Na gestão de recursos, a tecnologia permite-nos enfrentar de forma mais sustentável os desafios ambientais, desde a monitorização de ecossistemas à otimização do consumo energético. Na construção, edifícios inteligentes bem como a capacidade de “impressão” em larga escala de estruturas 3D estão a tornar as cidades mais eficientes, conectadas e habitáveis. No setor bancário, a digitalização está a transformar a relação entre clientes e instituições, com modelos cada vez mais omnipresentes que oferecem uma gestão mais presente e personalizada das finanças permitindo não só acompanhar de forma dinâmica as despesas, como também prever comportamentos de consumo e sugerir soluções de poupança e investimento mais eficientes, promovendo uma maior literacia financeira e uma experiência bancária mais próxima e conveniente.

A nível global, a tecnologia é hoje o principal motor da competitividade económica. Países como os Estados Unidos mantêm uma posição dominante no cenário global graças à constante inovação tecnológica, impulsionada por gigantes do setor como a Google, a Microsoft, a Amazon e a Tesla. Ao mesmo tempo, a China emerge como uma potência disruptiva, com avanços muito relevantes em áreas como a inteligência artificial e a automação, impactando diretamente indústrias europeias, incluindo o setor automóvel, onde as marcas europeias estão a ser forçadas a inovar para se manterem competitivas. Inserido no contexto europeu, Portugal enfrenta o desafio urgente de acelerar a adoção tecnológica para garantir uma posição competitiva no cenário global. A digitalização, além de aumentar a competitividade em setores estratégicos como o turismo, abre novas oportunidades para o país expandir a sua presença e relevância em outros setores, num momento em que os equilíbrios globais estão a ser desafiados. O sucesso futuro de Portugal dependerá da sua capacidade de adotar, criar tecnologia e inovar, impulsionando o crescimento económico de forma sustentável e resiliente.

A programação está no coração de todas as inovações tecnológicas que moldam o mundo atual. Mais do que uma competência técnica, programar é uma ferramenta essencial para resolver problemas complexos e criar novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento. À medida que a tecnologia se torna uma força motriz em quase todos os setores, a capacidade de programar surge como uma capacidade fundamental para desbloquear o futuro. Na verdade, este facto não é uma novidade, apenas se tornou mais abrangente. Se olharmos para a história, Alan Turing, desenvolveu uma máquina de desencriptação durante a Segunda Guerra Mundial, que não só ajudou a mudar o curso da guerra, como também lançou as bases da computação moderna. As linhas de código têm o poder de mudar o mundo.

Neste contexto, o ensino da programação deve ser uma prioridade. Promover a literacia tecnológica desde cedo é fundamental para preparar as próximas gerações para os desafios e oportunidades do futuro. Tal como a matemática ou a linguagem, a programação deve ser vista como uma competência básica para navegar num mundo cada vez mais digital. Ao capacitar os jovens com estas ferramentas, garantimos que estarão prontos para contribuir de forma ativa e inovadora, seja na criação de novas tecnologias, seja na resolução dos problemas mais urgentes da nossa sociedade. No mercado de trabalho, os programadores estão entre os profissionais mais valorizados, com salários elevados e uma qualidade de vida superior, refletindo o crescente impacto das suas competências. Embora o surgimento da GenAI esteja a mudar a forma como se programa, acredito que a procura por programadores continuará a aumentar, à medida que a transformação digital molda todos os aspetos da sociedade. É, contudo, essencial entender que a programação se baseia no pensamento estruturado e profundo, e a sua aprendizagem não deverá centrar-se na exposição a equipamentos tecnológicos, o que pode até agravar problemas como o défice de atenção. Os factores diferenciadores e mais duradouros na capacidade de programação residem na compreensão dos fundamentos da ciência da computação. Para além disso, é crucial complementar o ensino da programação com o desenvolvimento de competências emocionais e relacionais, de modo a evitar o risco de criar uma geração menos sensível, mais automatizada e desconectada das suas próprias emoções. O equilíbrio entre as competências técnicas e humanas será determinante para o sucesso de uma sociedade que valoriza tanto a inovação quanto a empatia.

O desafio está lançado, especialmente para as novas gerações. Dominar a programação e as competências digitais será não apenas uma vantagem competitiva, mas um requisito essencial para prosperar num futuro cada vez mais tecnológico. No entanto, é crucial lembrar que, por mais avançada que a tecnologia se torne, o toque humano, as emoções e a presença física e psicológica permanecem insubstituíveis. Cabe-nos, enquanto sociedade, capacitar as novas gerações com as ferramentas digitais necessárias para não só se adaptarem, mas também para liderarem esta transformação, sem nunca perder de vista a importância da empatia, da comunicação autêntica e da conexão humana. Ao fazê-lo, construiremos um futuro mais promissor e sustentável, onde a tecnologia, usada de forma ética e consciente, complementa e enriquece o lado humano, tornando-se um dos pilares de uma sociedade mais avançada, justa e, acima de tudo, genuinamente focada na felicidade e na individualidade de cada pessoa.

 

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