Uma questão de sorte (e de lugar): O que explica que algumas pessoas sobrevivam a acidentes de avião que matam quase todos os passageiros?
Quando o voo 2216 da Jeju Air, um Boeing 737-800, aterrou de emergência num aeroporto sul-coreano, derrapou até embater num talude de betão e explodiu em chamas, parecia impossível que alguém tivesse sobrevivido. Contudo, dois tripulantes, localizados na parte traseira do avião, desafiaram as probabilidades e escaparam com vida, mesmo em condições extremas.
A anatomia de um milagre
Investigadores especializados em segurança aérea analisam cinco fatores principais para avaliar a sobrevivência em acidentes de aviação: a integridade da aeronave, a eficácia dos sistemas de segurança, a força G suportada pelos ocupantes, o ambiente interno do avião e fatores pós-acidente, como fogo ou fumo. No caso do voo 2216, a sobrevivência dos dois tripulantes deveu-se, em grande parte, ao facto de estarem sentados nos assentos traseiros dobráveis, situados na única parte do avião que permaneceu estruturalmente intacta.
O homem de 33 anos e a mulher de 25 anos, ambos com ferimentos graves, encontram-se hospitalizados em Seul. Segundo os médicos, estão conscientes e capazes de se comunicar. Ele sofreu fraturas ósseas no lado esquerdo do corpo e lesões na coluna vertebral, enquanto ela apresenta fraturas no tornozelo direito e outros possíveis ferimentos no mesmo lado. A sobrevivente relatou ter ouvido uma explosão seguida de fumo intenso dentro da aeronave.
Barbara Dunn, presidente da International Society of Air Safety Investigators, explicou ao The Washington Post que a localização dos ocupantes e a postura no momento do impacto podem ser determinantes. “Ter o cinto de segurança bem ajustado reduz o movimento do corpo durante o impacto. A posição de brace também é crucial em situações destas”, afirmou.
Fatores de sobrevivência: posição, força e estrutura
Os dados históricos mostram que a sobrevivência em acidentes de aviação de grande magnitude é extremamente rara. Nos últimos 80 anos, apenas 17 acidentes com mais de 80 ocupantes deixaram um ou dois sobreviventes, segundo a Fundação para a Segurança da Aviação (Flight Safety Foundation). Uma análise do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA (NTSB) revelou que 27% das mortes em acidentes graves resultam do impacto, enquanto 4,1% são causadas por fogo ou fumo. Ainda assim, mais de metade dos ocupantes em acidentes estudados entre 1983 e 2017 sobreviveram com ferimentos leves ou sem ferimentos.
O impacto das forças gravitacionais (forças G) desempenha um papel central. Na vida quotidiana, os seres humanos estão sujeitos a 1 G, mas em acidentes aéreos, as forças podem atingir valores muito superiores. Estudos indicam que a maioria das pessoas perde a consciência entre 4 G e 5 G, embora seja possível sobreviver a forças maiores, dependendo da duração e direção do impacto. Aeronaves modernas são equipadas com zonas de deformação, cintos de segurança e outros dispositivos de segurança que ajudam a dissipar a energia de um impacto, aumentando as hipóteses de sobrevivência.
O acidente da Jeju Air ocorre poucos dias após outro incidente trágico: um voo da Azerbaijan Airlines despenhou-se no Cazaquistão, matando 38 pessoas. Entre os 29 sobreviventes, todos estavam sentados na parte traseira do avião, reforçando a ideia de que a localização pode ser crucial em determinados cenários. As investigações iniciais apontam para o impacto de mísseis antiaéreos russos como causa do acidente, o que obrigou a tripulação a lutar durante mais de uma hora para manter a altitude e a velocidade constantes.
No caso da Jeju Air, as autoridades sul-coreanas estenderam o encerramento do Aeroporto Internacional de Muan até 14 de janeiro, enquanto investigam o que levou a aeronave a aterrar de barriga, sem o trem de aterragem. A análise da gravação da cabine de pilotagem já foi concluída, mas ainda não há garantia de que será divulgada publicamente. A polícia sul-coreana realizou buscas nos escritórios da companhia aérea e do aeroporto, investigando possíveis negligências profissionais que resultaram em mortes.
Lições do passado: a sobrevivência improvável
Casos de sobrevivência em acidentes aéreos muitas vezes desafiam a lógica. Em 1987, uma menina de 4 anos foi a única sobrevivente entre os 155 ocupantes do voo 255 da Northwest Airlines, que se despenhou após a descolagem em Detroit. A criança foi encontrada entre os destroços, protegida por circunstâncias fortuitas. “Por vezes, não há explicações racionais”, afirmou Anthony Brickhouse, especialista em segurança aeroespacial da Universidade Embry-Riddle. “Em alguns casos, a sorte desempenha um papel importante.”
Embora as definições de “acidente sobrevivível” do NTSB se baseiem em limites físicos de tolerância humana e integridade estrutural da aeronave, outros fatores, como fogo e fumo, continuam a complicar a narrativa. Apesar de avanços na engenharia aeronáutica e protocolos de segurança, os eventos recentes sublinham a importância de investigações rigorosas e melhorias contínuas no setor da aviação. Afinal, como demonstram os sobreviventes da Jeju Air, até nos cenários mais sombrios, a vida pode prevalecer contra todas as probabilidades.