Ucrânia ‘fecha a torneira’ do gás russo para a Europa. Como irá responder Putin?

O acordo de cinco anos que permitia à Rússia, através da Gazprom, utilizar os gasodutos ucranianos para abastecer países da União Europeia terminou no início de 2025, sem que um novo entendimento tenha sido alcançado para o substituir. Este desfecho representa um marco importante nas relações energéticas entre a Europa e a Rússia, num contexto de tensões exacerbadas pela invasão russa da Ucrânia.

O fim do contrato foi recebido com entusiasmo por Kiev. O ministro da Energia ucraniano classificou o momento como um “evento histórico”, sublinhando que esta decisão trará perdas financeiras significativas para Moscovo e está alinhada com os esforços da Europa para reduzir a sua dependência do gás russo.

Por outro lado, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, afirmou que esta medida não só enfraquece o potencial económico europeu como também afeta negativamente o padrão de vida dos cidadãos europeus. “Kiev e os seus aliados europeus sacrificaram o bem-estar dos seus povos para apoiar financeiramente a economia dos Estados Unidos,” declarou Zakharova à agência TASS.

Especialistas apontam à Newsweek várias possíveis respostas por parte de Moscovo. Margarita Balmaceda, professora na Seton Hall University e autora de estudos sobre cadeias energéticas russas, sugere que a Rússia tentará redirecionar o trânsito de gás para outras rotas, como o “Turkish Stream”, que atravessa a Turquia, e os gasodutos dos Balcãs, que passam pela Sérvia. Além disso, Moscovo poderá aumentar as exportações de gás natural liquefeito (LNG).

Balmaceda destaca ainda a estratégia russa de exportar gás de forma indireta, através de produtos derivados, como os fertilizantes nitrogenados, que são fabricados a partir de gás natural e não estão sujeitos às sanções impostas pela União Europeia. “As exportações destes fertilizantes para a UE mais do que duplicaram desde a invasão de 2022, proporcionando uma fonte de receita significativa para Moscovo,” explicou.

Pavel K. Baev, investigador no Peace Research Institute em Oslo, salienta que o encerramento do trânsito de gás através da Ucrânia não é surpreendente, embora a disposição da Rússia em manter os fluxos mesmo após a captura ucraniana da estação de medição de Sudzha em agosto tenha sido inesperada. Para Baev, a interrupção tem maior relevância simbólica, pois evidencia o declínio da Gazprom como um ator chave no mercado europeu de gás.

No entanto, Baev alerta que Putin pode optar por escalar ataques a infraestruturas energéticas ucranianas, incluindo armazéns subterrâneos de gás. Contudo, adverte que tais ações poderiam fortalecer os argumentos de Donald Trump para expandir a produção de petróleo e gás nos EUA, representando uma ameaça adicional às receitas russas de exportação.

Georg Zachmann, investigador sénior no think tank Bruegel, avalia que o fim do trânsito ucraniano representa um desafio significativo para a Rússia, que há décadas utilizava esta rota para obter receitas substanciais e exercer influência política sobre os países europeus. Apesar da diminuição recente nas receitas, estas ainda rondavam os 5 mil milhões de dólares anuais.

Para Zachmann, a cessação do acordo acelera o afastamento da Europa do gás russo, um cenário prejudicial para os interesses do Kremlin. Ele sugere que a União Europeia desenvolva uma política energética unificada e introduza tarifas protetoras sobre o gás russo, de forma a evitar divisões internas, incentivar investimentos em fontes alternativas de energia e gerar recursos adicionais para o bloco.

Já Andreas C. Goldthau, diretor da Willy Brandt School of Public Policy, argumenta que, embora o trânsito pela Ucrânia tenha terminado, as exportações russas de gás ainda continuam, nomeadamente sob a forma de LNG e através de novos mercados, como a China. “O sistema de gasodutos Power of Siberia é um exemplo do esforço russo para aumentar a capacidade de exportação para o Oriente,” explicou.

Goldthau sublinha que este marco representa uma mudança fundamental nas relações energéticas euroasiáticas. Enquanto a Rússia redireciona as suas exportações para o Oriente, a Europa torna-se mais dependente de importações de LNG provenientes de mercados globais, como os Estados Unidos. “As receitas russas de gás são estruturalmente mais baixas, enquanto os custos de importação europeus são estruturalmente mais elevados. Esta é a nova realidade que ambas as partes terão de enfrentar,” concluiu.

Com o fim do acordo de trânsito, a Europa e a Rússia entram numa nova fase de reconfiguração energética. Se por um lado Moscovo busca alternativas para manter a sua relevância no mercado global, por outro a Europa enfrenta o desafio de garantir segurança energética num cenário de crescentes tensões geopolíticas. A forma como ambas as partes irão adaptar-se a esta nova realidade permanece uma questão em aberto.