Trump, polarização política e preços altos empurram norte-americanos para vida mais calma em Portugal

O regresso ao poder de Donald Trump, a polarização política e o aumento do custo do vida são algumas das razões que levam muitos norte-americanos a saírem do seu país para viverem em Portugal, um “país que deu certo”.

“O meu marido diz que é um refugiado político em Portugal”, desabafa Lisa Hayes, 69 anos, que vive no centro de Tomar há alguns meses, depois de ter saído de Prescott, Arizona.

“Queríamos um sítio para sair da insanidade dos EUA” e Portugal é um “país que deu certo”, ao contrário do “absurdo político” norte-americano, afirma, fazendo uma lista do que mais a atraiu: “Custo de vida baixo, serviço de saúde excelente, as pessoas são hospitaleiras e muitas sabem inglês. E se não sabem, esforçam-se para nos compreender”.

Em Braga vive Thomas Brennan, que fugiu de Chicago também para “não ver mais notícias que causam revolta e angústia”.

“Sou democrata, fui votar e irei sempre votar contra ditadores. Mas não consigo mais gerir aquilo lá”, afirma o informático de 49 anos, que decidiu trabalhar remotamente, “mesmo perdendo dinheiro”.

Phyllis Brooks e o marido estão em Portugal desde agosto, tendo escolhido Setúbal, “a capital do choco frito”, como se referiu num português quase sem sotaque.

“Nós pensávamos há muito tempo em sair dos Estados Unidos e avaliámos bem as coisas. Não é por causa de uma administração que decidimos sair, mas até acabou por ser uma decisão que resultou em nosso benefício”, diz a mulher de 49 anos, que se reformou antecipadamente com o marido, de 51 anos.

“Ouvimos falar de Portugal e quando visitámos o país pela primeira vez, foi a combinação de tudo o que quisemos sempre. Fomos a vários sítios e em todos os locais sentimos sempre uma particularidade bonita”, refere.

E o centro de Setúbal foi também uma questão de sentimento. “Chegámos, vimos e pensámos os dois: é aqui”.

Benno Push vive perto da avenida Almirante Reis, em Lisboa, e olha para Portugal como um “porto seguro”.

“Descobri que Portugal é um dos melhores sítios para nos retirarmos no mundo”, afirma o viúvo de 62 anos, que perdeu a sua mulher numa luta contra o cancro, já em Lisboa.

A opção por Portugal também se deveu aos cuidados de saúde. “A Fundação Champalimaud foi incrível. Conseguimos ter tempo de qualidade”, recorda o filho de imigrantes alemães nos Estados Unidos.

“Talvez pelas minhas origens, sempre adorei o modo de vida europeu”, e em Portugal, mesmo nos dias de chuva, “é sempre possível ver um bocadinho de sol”.

De onde veio, Miami, o tempo é muito quente e as coisas são muito caras. “Aqui a vida é mais barata e mais calma, com um bom sistema de transportes e pessoas simpáticas”.

A viver em Portugal desde 2022, Benno é mais crítico em relação à segurança e à presença de outros imigrantes.

“Acho muito complicado que eu tenha de mostrar condições financeiras para cá vir e depois vejo pessoas imigrantes nas ruas, sem condições”, fazendo com que “alguns sítios não pareçam seguros”.

Benno defende uma multiculturalidade que respeite o país. “Se alguém vem para Europa tem que se adaptar ao sítio para onde vão. Podem manter as suas crenças, mas mantenham-nas nas suas casas e não tentem mudar o sítio onde estão”, apela, lamentando que “existam ‘little Indias’ ou ‘little Chinas’ em Lisboa”.

Lisa Hayes e o marido sempre quiseram viajar mais pela Europa e a escolha por Portugal foi natural. “Portugal parecia mais intrigante que Espanha e parece que toda a gente vai para Espanha”, mas “nós queiramos outro ambiente”.

Sem filhos, os amigos e a família olharam para a decisão do casal, em junho de 2024, como algo expectável: “Os meus amigos estão todos um pouco com inveja, sempre fomos um casal excêntrico e a nossa família esperou sempre alguma coisa de diferente da nossa parte”.

A escolha pelo centro de Tomar fazia também sentido depois de terem visitado cidades como Caldas da Rainha, Porto ou Coimbra.

“Não somos pessoas de praia e nem jogamos golfe. Por isso olhamos para o interior, que nos parecia mais aceitável e mais barato”. E quando “vimos Tomar, ficou claro que era o sítio certo: adoramos o local e a sensação de que podemos fazer parte da sua história”.

Susan Young vive perto de Tomar, numa casa com um pequeno quintal na aldeia da Sabacheira. Susan, 62 anos, e o marido vieram de São Francisco e continuam a trabalhar, agora de modo remoto.

A diferença horária é o que mais lhe custa, reconhece, entre sorrisos. “Não há grande vida social de semana. Todas as noites estamos a trabalhar, com os horários de São Francisco”.

Inicialmente, a opção por Portugal deveu-se à simplificação do processo de entrada. “Sempre quisemos viver fora e aqui fazia sentido”, recorda a mãe de cinco filhos, todos a viverem nos Estados Unidos.

“São muitos e tinham opiniões diferentes sobre a nossa decisão. alguns ficaram entusiasmados por nós e outros sentiram que nós estávamos a fugir”, mas, “no final, todos compreenderam”.

A polarização nos EUA também ajudou. “Não foi o principal fator para nós sairmos, mas a paisagem política do país foi um fator e estamos muito felizes por não estarmos no meio daquele ódio”, afirma.

Hoje está grata por viver em Portugal e diz que os portugueses “devem valorizar o que construíram como país”.

“Tive uma emergência médica há uns dias e tive que ir para Lisboa, o processo foi muito bom e, no final, quando pedi para pagar a conta não devia nada. Isso seria impossível nos Estados Unidos”, recorda.

“Estamos muito agradecidos pela capacidade de um sistema”, em que “ninguém vai ficar em falência ou posto de parte, por causa de uma qualquer doença”, acrescenta, considerando que muitos dos seus amigos entenderam essa opção também porque sabem que há “países que oferecem melhor qualidade de vida”.

“Eles entendem que a América não é o único sítio para viver e nem sequer é o melhor sítio do mundo”, mas também “há muitos nos EUA que não entendem isso”, afirmou, elogiando os portugueses.

“Vocês são incríveis. Sei que há algum nacionalismo por aí mas nunca encontrámos ninguém. Bem sei que há outros grupos que não mulheres brancas com 62 anos que são alvo de racismo”, mas “nunca senti qualquer negatividade” por parte das pessoas.

“E isso poderia acontecer, porque muitos expatriados são pessoas que trazem muito dinheiro, que compram casas e aumentam o preço do imobiliário, mas nunca sentimos nada de mal”, refere.

Sobre o seu país, Lisa Hayes fala com tristeza. “Não queremos ouvir notícias dos EUA depois do que se passou nas eleições. Nós já não vivemos lá e é demasiado perturbador o que lá se passa”.

Mas Trump tem também impacto global. “Sairmos da OMS [Organização Mundial de Saúde] e dos acordos climáticos [de Paris] é a loucura. Só espero que nós não contaminemos o resto do mundo com esta loucura e que o resto do mundo lute como fez o governo da Gronelândia” a “mandar calar a administração” em relação às suas ambições territoriais.

Sarah Young concorda com Lisa Hayes: “Espero que o resto do mundo olhe para os Estados Unidos e nunca ache que esta política é normal. Penso que a maioria dos países europeus não consegue acreditar que isto está a acontecer. Outra vez”.