Tráfico de seres humanos: Há cada vez mais vítimas ocultas em Portugal e a culpa é da extinção do SEF, alertam especialistas
O número de vítimas de tráfico de seres humanos (TSH) sinalizadas em Portugal deverá registar uma diminuição em 2024, após anos de aumento consistente. Especialistas, técnicos e investigadores atribuem este decréscimo à extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), mas Manuel Albano, relator nacional para o TSH, alerta ao Jornal de Notícias (JN) que é prematuro estabelecer essa relação e considera “perigoso” tirar conclusões precipitadas antes de analisar os dados finais.
Em 2023, o Observatório de Tráfico de Seres Humanos reportou 650 vítimas presumíveis, representando um aumento de 72% face a 2022 e o maior número registado nos últimos quatro anos. Este crescimento refletia uma tendência consolidada em todo o país, incluindo na região Centro, onde a maioria dos casos estava associada à exploração laboral em zonas agrícolas. “Desde 2022, o número de sinalizações aumentava”, explicou Lisandra Lopes, técnica da Equipa Multidisciplinar Especializada de Assistência a Vítimas de TSH.
No entanto, os dados de 2024 revelam uma inversão desta tendência. “Este ano, o número de vítimas está a descer”, observou a psicóloga Beatriz Tomé, que afirmou que “2024 terá o número mais baixo de vítimas de TSH sinalizadas dos últimos anos”, com 38 casos identificados, em comparação com 84 no ano anterior. Segundo Vera Carnapete, coordenadora da equipa no Centro, a mudança nos processos decorrente da extinção do SEF influenciou negativamente a eficácia do trabalho. “Havia uma relação de confiança entre as equipas e os inspetores do SEF, algo que ainda não se construiu com a GNR e a PSP”, frisou.
Acácio Pereira, ex-presidente do Sindicato da Carreira e Fiscalização do SEF, também destacou o impacto desta reestruturação. “A extinção do SEF teve necessariamente consequências nas investigações e sinalizações de vítimas, devido a alterações substanciais na estrutura. É sempre necessário um período de adaptação”, afirmou. Fontes policiais corroboram esta visão, indicando que a transferência de competências para a PSP e GNR resultou na perda do fluxo de informação anteriormente assegurado pelo SEF, especialmente no acompanhamento de imigrantes em aeroportos e operações de terreno.
Apesar das críticas, Manuel Albano defende que é cedo para falar em tendências e discorda da ideia de que há mais vítimas ocultas devido à reorganização dos serviços. “Os dados finais ainda não estão apurados, e dizer que as sinalizações diminuíram é extemporâneo”, argumentou. Albano reconhece que o SEF mantinha uma proximidade maior com os casos de TSH, mas sublinhou que “as sinalizações continuam a ser feitas”. Ainda assim, especialistas e técnicos alertam que, com a falta de experiência das novas entidades envolvidas, muitos imigrantes poderão tornar-se mais vulneráveis às redes criminosas.