Rússia abandona restrições ao uso de mísseis nucleares de médio alcance: Lavrov anuncia fim de moratória
A Rússia anunciou que irá pôr fim à sua moratória sobre o uso de mísseis nucleares de médio alcance, segundo declarações recentes do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov. O anúncio marca o encerramento simbólico de um capítulo da Guerra Fria, num momento de crescentes tensões militares e nucleares entre as grandes potências globais.
“Hoje, é óbvio que a nossa moratória sobre o uso de mísseis nucleares de médio alcance (INF) já não é viável e terá de ser abandonada”, afirmou Lavrov à agência estatal russa RIA Novosti. Esta decisão, embora previsível, representa um afastamento definitivo de um acordo histórico que marcou o fim de uma era de confronto militar direto entre os Estados Unidos e a Rússia.
O Tratado INF (Forças Nucleares de Alcance Intermédio), assinado em 1987 pelos líderes Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov, proibia o uso de mísseis balísticos e de cruzeiro com alcance entre 500 e 5.500 km. Este acordo foi considerado um marco na redução do arsenal nuclear durante a Guerra Fria, mas deixou de vigorar em 2019, quando os Estados Unidos se retiraram formalmente, acusando Moscovo de violações.
A retirada dos EUA ocorreu sob a administração de Donald Trump, que alegou que a Rússia desenvolveu o míssil de cruzeiro 9M729, conhecido no Ocidente como SSC-8, em violação do tratado. Moscovo negou as acusações, afirmando que o sistema estava em conformidade com os limites estabelecidos.
Por outro lado, a Rússia acusou os Estados Unidos de violarem o tratado através do sistema Aegis Ashore, uma infraestrutura de defesa antimísseis implementada na Europa. Segundo o Kremlin, este sistema é capaz de lançar mísseis de longo alcance, algo que Washington refutou, afirmando que o Aegis Ashore é exclusivamente defensivo.
Desde então, ambas as partes suspenderam a sua participação no tratado, e os EUA avançaram com o desenvolvimento de novos sistemas de mísseis de médio alcance.
O cenário global tem assistido a uma intensificação da corrida armamentista. Em abril deste ano, os EUA anunciaram a implementação do sistema de mísseis de médio alcance MRC (Mid-Range Capability) nas Filipinas, capaz de lançar mísseis Tomahawk com alcance de cerca de 1.600 km. Este sistema teria violado o Tratado INF, caso este ainda estivesse em vigor.
Além disso, em julho, os Estados Unidos e a Alemanha confirmaram que Washington irá posicionar mísseis terrestres de médio alcance na Europa a partir de 2026, incluindo armas hipersónicas em desenvolvimento.
A Rússia, por sua vez, realizou recentemente o teste de um novo míssil balístico experimental de médio alcance, apelidado de “Oreshnik”. Segundo Lavrov, o teste demonstrou as capacidades e a determinação da Rússia em implementar medidas compensatórias. O presidente russo, Vladimir Putin, confirmou que o “Oreshnik” será produzido em massa e poderá ser implantado em territórios como a Bielorrússia, sob a liderança do aliado Alexander Lukashenko.
Num tom crítico, Lavrov afirmou que o clima de “extremo sentimento anti-russo” nos Estados Unidos impossibilita qualquer diálogo estratégico com Washington. “Até que os americanos abandonem a sua atual política anti-russa, não haverá negociações sobre controlo de armas”, garantiu o ministro.
O único tratado nuclear ainda em vigor entre as duas potências é o Novo START, que limita o número de ogivas nucleares estratégicas e expira em fevereiro de 2026. Lavrov reconheceu que o futuro deste acordo é incerto. “Muito pode acontecer no próximo ano, por isso seria prematuro e imprudente anunciar quaisquer ações futuras nesta área sensível”, concluiu.
Com o fim da moratória russa e a ausência de tratados que regulem mísseis de médio alcance, a comunidade internacional enfrenta um risco crescente de proliferação nuclear e tensões regionais. Especialistas alertam que a falta de diálogo e confiança entre os principais atores mundiais poderá intensificar uma nova corrida armamentista, com consequências imprevisíveis para a estabilidade global.