Ricos, ‘boomers’ e com medo do regresso de Trump: Estes são os norte-americanos que já estão a ‘fugir’ dos EUA para vir para Portugal

Com o regresso de Donald Trump à Casa branca, após ter vencido as eleições presidenciais de terça-feira, americanos mais velhos e financeiramente confortáveis começam a procurar morada permanente na Europa, particularmente em Portugal, Espanha e Itália, em busca de uma alternativa ao que descrevem como uma sociedade americana cada vez mais tóxica e polarizada.

Durante várias décadas, muitos norte-americanos viam na Flórida o destino ideal para a reforma, um local para viver uma vida tranquila depois de anos de trabalho. Mas, hoje, o cenário mudou. Segundo a revista Fortune, o medo com a reeleição de Trump  impulsionou muitos a abandonar a América e refazer suas vidas do outro lado do Atlântico.

“Este país tornou-se intolerante”

David, um advogado de 65 anos de Chicago, é um dos que já iniciaram a busca. Em abril, viajou a Portugal com um orçamento de 500 mil dólares (mais de 465 mil euros), com o objetivo de encontrar um segundo lar na Costa da Prata, entre Lisboa e o Porto. Como neto de imigrantes que chegaram aos EUA por Ellis Island, sente-se especialmente incomodado pelo clima político hostil em relação à imigração no seu país.

“Este país tornou-se intolerante”, comentou David, que preferiu manter o anonimato por receio de represálias. “Sempre existiu uma hostilidade contra aqueles que são diferentes. Vemos estas imagens de pessoas na fronteira sul, que são apenas pessoas, mas ambos os lados políticos as utilizam para fins próprios, e isso reflete a intolerância generalizada. É triste.”

Além disso, David aponta a violência armada nos EUA como outro motivo para deixar o país. “Disse à minha esposa há 15 anos que já tinha feito as pazes com o facto de poder ser baleado a qualquer momento,” confessou. O norte-americano planeava fechar o negócio antes das eleições de novembro, acreditando que, com Trump garantir um segundo mandato, a procura por casas no estrangeiro irá disparar.

Portugal, Espanha e Itália no topo das preferências

Kylie Adamec, consultora imobiliária da Casa Azul, que ajuda David e outros norte-americanos a encontrar imóveis em Portugal, confirma que a decisão de mudar-se por motivos políticos não é isolada. “As pessoas estão menos preocupadas com impostos e mais preocupadas com o que vai acontecer nos EUA nos próximos meses,” afirmou Adamec. “Os clientes querem opções preparadas para o caso das coisas desandarem.”

A especialista explicou que há uma divisão clara entre o perfil dos norte-americanos que buscam a mudança: a maioria tende a ser de orientação política progressista. Para Marco Permunian, da Italian Citizenship Assistance (ICA), uma empresa que auxilia no processo de cidadania italiana, há um aumento considerável nos pedidos de passaportes, especialmente desde a eleição de Trump em 2016. Com a pandemia de COVID-19 e a turbulência social após o assassinato de George Floyd em 2020, a procura intensificou-se, triplicando entre janeiro e março de 2024, à medida que o país se preparava para um novo confronto eleitoral.

Permunian nota que muitos dos interessados estão na faixa dos 35 aos 65 anos e não pretendem emigrar de imediato, mas sim obter um “plano B”. Segundo explica, a maioria dos clientes provém da Costa Leste dos EUA, especialmente de Nova Iorque, Pensilvânia e Boston, mas a procura também aumentou em estados como Califórnia e Texas.

“Para muitos, é o primeiro passo de um plano a longo prazo de procurar um novo lar na Itália ou noutra parte da União Europeia,” explicou Permunian.

Portugal como destino preferido apesar do fim do visto gold

Mesmo com o fim do programa de vistos gold em Portugal, que permitia a estrangeiros obter residência ao investir em imóveis no país, o interesse permanece elevado. Segundo Adamec, os pedidos de residência têm-se mantido constantes, provavelmente impulsionados pela iminência das eleições norte-americanas.

Outros países europeus, como Espanha e Itália, também têm atraído um número crescente de norte-americanos, e Christopher Willis, diretor da Latitude Consultancy, uma empresa especializada em cidadania e residência, observa um aumento de 300% nas consultas de clientes interessados em estabelecer um “plano de saída”. “As pessoas não estavam à espera de novembro. Prepararam-se logo para agir caso fosse necessário,” sublinhou.

Steven, outro norte-americano que optou por se mudar para Portugal através da Casa Azul, está a aguardar a aprovação do visto. Cansado do ritmo frenético de Nova Iorque, ele e a sua esposa brasileira decidiram trocar a renda de 3.500 dólares (3.255 euros) em Manhattan por uma casa de três quartos em Lisboa, com renda de 2.100 dólares (1.950 euros, aproximadamente). Embora as motivações principais de Steven não sejam políticas, admite que o sistema político americano se tornou “louco”. “Estar aqui [nos EUA] é assustador,” desabafou.

As dificuldades e a crescente toxicidade política na Europa

Embora a Europa pareça um refúgio seguro para quem quer escapar da polarização dos EUA, o continente também enfrenta os seus próprios desafios. O ambiente político europeu tem-se tornado cada vez mais divisivo. Em Itália, o partido de extrema-direita no poder adotou medidas restritivas em relação à imigração, e há receios de que a ascensão de partidos conservadores por toda a Europa venha a intensificar a retórica contra os imigrantes, similar ao que acontece nos EUA.

David, contudo, mantém-se otimista. “Eles [políticos europeus] são como pequenos Trumps,” brincou. “Não vou preocupar-me com isso. Portugal sempre foi um país bastante liberal. Não estou muito preocupado.”