Recebeu uma chamada telefónica para propor um novo contrato? Desconfie…
Se já recebeu um telefonema a propor-lhe um serviço de telecomunicações, ou a mudança de operador de energia a condições imbatíveis, já deve, com certeza, ter ouvido o seguinte, ou algo parecido: “Boa tarde, o meu nome é… e sou da empresa x… Se aderir agora, tem 50% de desconto no primeiro ano, dentro do período de fidelização.” Se desconfiou, disse logo que não estava interessado e apressou o fim da chamada, fez bem. Se aceitou, deveria ter tido mais cautela.
Mas, num caso ou noutro, está protegido. Os contratos podem celebrar-se a partir deste telefonema, mas esta forma de contacto nunca será suficiente. É preciso ter o seu consentimento expresso e que conheça, num suporte escrito, virtual ou impresso, todas as condições do serviço que está a aceitar pagar. Pode não o assinar fisicamente, respondendo, por exemplo, a um “sim ou não” num sms, ou por e-mail.
Seja como for, tem de estar na posse de toda a informação sobre as condições a que se vai atar. E, mesmo depois de ter firmado o documento, consentindo pagar pelo usufruto desse serviço, a lei garante-lhe 14 dias seguidos para se arrepender.
O que é um contrato à distância?
Qualquer contrato celebrado entre o consumidor e o operador, sem presença física simultânea de ambos, é considerado à distância. E pode ser “conduzido” à distância até à própria celebração do acordo final. Daí que o contacto telefónico para fins comerciais seja admissível por lei, mas os contratos celebrados assim podem ser anulados pelo consumidor, no caso de as técnicas usadas para o persuadir se revelarem agressivas.
E o que se entende por “técnicas agressivas”? Todas as que levem o consumidor a tomar uma decisão que não teria tomado de outra forma, através de assédio, coação ou influência indevida. No caso daquele telefonema que foi dado como exemplo, se o seu interlocutor impusesse uma condição como “mas este desconto só é válido se aceitar agora as condições”. Ou seja, se lhe fizesse um ultimato, não lhe dando alternativa àquela suposta situação favorável, se não aceitasse imediatamente celebrar o contrato naquelas condições. As técnicas de persuasão agressiva consideradas pela lei incluem o aproveitamento consciente de determinada circunstância que prejudique a capacidade decisória do consumidor, a invocação de um obstáculo desproporcionado ao exercício dos seus direitos, a exigência de um pagamento imediato, entre outras.
Há regras para contratos à distância
Como já foi dito, é mesmo possível celebrar um contrato à distância. Mas há regras, a começar logo que se atende o telefonema, e ao longo de todo o “trajeto” em que o interlocutor tenta persuadir o consumidor.
A identidade do fornecedor do bem ou prestador de serviços ou do profissional que atue em seu nome ou por sua conta e o objetivo comercial da chamada devem ser explicitamente comunicados no início de qualquer contacto com o consumidor.
Tentar celebrar um contrato através de técnicas de comunicação à distância depende do consentimento prévio e expresso do consumidor. É certo que a maioria dos consumidores não atribui relevância aos inúmeros consentimentos que presta, mas estes podem ser retirados a qualquer momento. Para tal, o consumidor deve contactar o operador e, se necessário, a Anacom e a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Se o consumidor não pretender dar continuidade ao diálogo e quiser evitar contactos futuros, pode desde logo manifestar essa vontade. Caso seja contactado de novo pelo mesmo operador, poderá participar uma comunicação de marketing não solicitada à CNPD e à Anacom.
Não basta um telefonema
Se o consumidor não recusou a abordagem e o telefonema prosseguiu, há cuidados a ter quanto à gravação da chamada – esse é o principal meio de prova que poderá ser utilizado em caso de litígio futuro. Os operadores devem conservar a gravação das chamadas telefónicas. Se não mencionarem a gravação da chamada e pedirem autorização para prosseguir, poderá ser o próprio consumidor a confirmar se a chamada está a ser gravada, com indicação de data e hora de fim e término.
O telefonema vinculará o consumidor, se ele aceitar celebrar contrato. Mas, antes, o operador, no prazo de cinco dias, deve facultar ao consumidor um resumo dos principais elementos do mesmo. O resumo deverá ser claro e de fácil compreensão. A informação deverá contemplar, pelo menos, o seguinte:
– identificação e contactos do operador;
– características essenciais do serviço;
– formas de pagamento e respetivos custos;
– níveis de qualidade mínima do serviço, bem como as regras relativas a eventuais indemnizações ou de reembolso aplicáveis em caso de incumprimento dos níveis de qualidade propostos;
– eventuais restrições à utilização de equipamentos ou ao acesso e utilização dos serviços, na medida em que essas se possam refletir na qualidade do serviço;
– preço do serviço, incluindo impostos e demais encargos;
– direito de livre resolução do contrato, respetivo prazo e procedimento inerente;
– disponibilização de um formulário de cancelamento que pode usar para efetivar o direito de livre resolução;
– obrigação de pagar ao operador um determinado montante, proporcional ao serviço já prestado, quando exerça o direito de livre resolução depois de ter pedido a instalação do serviço;
– duração do contrato, condições de renovação e de cancelamento dos serviços;
– se o contrato tiver período de fidelização, a indicação das vantagens que o justificam e os encargos a pagar em caso de cancelamento antecipado;
-necessidade de indicação expressa da sua vontade quanto à gestão dos dados pessoais nas listas telefónicas e sua divulgação através dos serviços informativos;
– possibilidade de inscrição dos dados numa lista de devedores, caso haja faturas em dívida de valor superior a 20% do salário mínimo nacional;
– eventuais limitações ao acesso aos serviços de emergência ou à informação sobre a localização do chamador por falta de viabilidade técnica;
– medidas que o operador poderá adotar na sequência de incidentes relativos à segurança ou à integridade da rede ou para reagir a ameaças ou situações de vulnerabilidade.
Não lhe devem ser recusadas as condições do contrato
A lei proíbe que se recuse enviar a oferta feita por telefone através de e-mail. Por mais que determinada proposta só se aplique aos contactos telefónicos, o envio dessa proposta de forma a permitir a reflexão do consumidor é obrigatório. Se se deparar com uma recusa nesse sentido de quem oferece o serviço, deverá remeter queixa para a Anacom.
A lei impõe que esse resumo seja dado num suporte duradouro, como papel, e-mail ou qualquer outro meio que permita armazenar a informação e usá-la como prova. Se um consumidor for contactado e pretender prosseguir com as negociações, deverá exigir o envio da informação no prazo máximo de cinco dias. Mas neste ponto das negociações a sugestão não fica por aqui. O consumidor deverá também verificar as condições que receber, se as mesmas condizem com a informação que lhe foi transmitida ao telefone. Se não forem as mesmas, as regras de prudência mandam não dar o consentimento à contratação, sem esclarecer todas as dúvidas e estar plenamente consciente da decisão. Se a informação não for igual àquela que foi transmitida ao telefone, o operador não pode exigir ao consumidor o cumprimento de obrigações. Aqui se inclui o pagamento de faturas, regras aplicáveis ao período de fidelização, ou quaisquer outras obrigações decorrentes da proposta recebida.
O contrato só poderá entrar em vigor se e quando o consumidor prestar o seu consentimento expresso: depois de assinar a proposta ou enviar o consentimento para a contratação, por escrito. Nesse caso, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao operador, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor.
Pode arrepender-se e reclamar
Mesmo que tenha dado o seu consentimento e até assinado o contrato, ainda pode arrepender-se. E para isso nem é necessário que apresente um motivo. Tem 14 dias seguidos para exercer esse direito, o de livre resolução, sem quaisquer custos, nem a necessidade de invocar qualquer motivo específico. No caso dos contratos de prestação de serviços, esse prazo conta-se a partir do dia da celebração do contrato. Poderá usar o formulário que lhe for entregue pelo operador aquando da celebração do contrato, mas não é obrigatório. Importante é que manifeste de forma clara e inequívoca a intenção de resolver o contrato e que o meio escolhido permita fazer prova disso e da data em que a resolução foi comunicada. O consumidor deverá, por isso, resolver por escrito, por exemplo, através de e-mail ou correio registado com aviso de receção. As partes podem acordar um prazo maior.
Se o consumidor pretender ter o serviço instalado antes do fim dos 14 dias iniciais, pode ser-lhe exigido pelo operador um pedido expresso nesse sentido, em suporte duradouro. Verifique se o que lhe é dado para assinar é o pedido de instalação ou outras condições contratuais. Se o direito de livre resolução for exercido depois de pedir a instalação, cabe ao consumidor pagar um montante proporcional ao serviço que vier a ser efetivamente prestado.
A empresa deve, então, dar cumprimento ao contrato no prazo máximo de 30 dias, a contar do dia seguinte à celebração. Em caso de incumprimento devido a indisponibilidade do bem ou serviço, o operador deve informar o consumidor desse facto e reembolsá-lo dos montantes pagos, no prazo máximo de 30 dias a contar da data do conhecimento daquela indisponibilidade. Se nada acontecer nesse prazo, o fornecedor fica obrigado a devolver em dobro, no prazo de 15 dias úteis, os montantes pagos.
Se houver problemas com a contratação, o consumidor pode recorrer ao portal Reclamar da DECO PROteste. Isso não o impede de utilizar o livro de reclamações, nem de recorrer diretamente à Anacom. Ao reclamar através do livro de reclamações eletrónico, o consumidor deverá receber resposta no prazo de 15 dias úteis.
Se o litígio persistir, pode recorrer a mediação, a arbitragem ou aos julgados de paz. No caso de litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais, como é o caso das telecomunicações, a arbitragem é obrigatória.