Poderá a Europa ser líder global em inovação tecnológica? Eis o que pensam os executivos
A questão de saber se a Europa pode tornar-se líder global em inovação tecnológica tem gerado intensos debates entre líderes empresariais e especialistas do setor. Embora a região tenha sido tradicionalmente um centro de excelência em diversas áreas da ciência e da engenharia, a rapidez das mudanças tecnológicas e a emergência de novas potências globais, como os EUA e a China, colocam desafios significativos.
A Executive Digest foi com executivos de diferentes setores para entender se a Europa tem o potencial de ultrapassar esses obstáculos e afirmar-se como a vanguarda da inovação. A Europa possui as ferramentas, mas será que vai conseguir aproveitá-las a tempo de liderar o futuro?
Filipa Pinto de Carvalho, cofundadora da AGPC, da Here Partners e da Redbridge Lisbon
“A Europa tem condições para assumir uma posição de liderança global em inovação tecnológica, mas para isso é essencial aproveitar as suas forças e enfrentar os desafios estruturais que tendem a persistir.
Uma das estratégias fundamentais passa pela criação de hubs regionais especializados por setores (ou verticais), como saúde, greentech e gaming. Estes hubs promovem a concentração de talento, projetos e recursos, aumentando a competitividade das startups europeias a nível global. O exemplo dos hubs já estabelecidos em Portugal demonstra o sucesso desta abordagem, reforçando a especialização e a capacidade de atrair investimento internacional.
Outro ponto crucial é uniformizar as regras legais e tributárias no espaço europeu para facilitar o investimento externo e reduzir a complexidade para empreendedores. Esta uniformização aumentaria a previsibilidade e segurança para investidores estrangeiros, ao mesmo tempo que permitiria aos fundadores concentrarem-se no desenvolvimento dos seus projetos, sem os obstáculos de uma burocracia fragmentada
Na Redbridge Lisbon, temos testemunhado um crescente interesse de investidores internacionais, em particular de ecossistemas como Silicon Valley, que reconhecem o valor do talento e dos projetos europeus. Para apoiar esta transição rumo à liderança global, temos promovido ativamente a ligação entre startups europeias e investidores globais, ajudando-as a escalar e a ganhar visibilidade fora da Europa, sem descurar o fortalecimento dos seus ecossistemas de origem.
Um exemplo do potencial europeu é o crescimento das startups femtech, que têm atraído volumes recorde de investimento. Soluções inovadoras para a saúde da mulher, como rastreamento de fertilidade e outras aplicações digitais, destacam-se num setor que ainda está em fase inicial de expansão, mas que promete continuar a crescer. Este tipo de inovação, que alia tecnologia a impacto social, posiciona a Europa como um polo atrativo para investidores e empreendedores.
Outro fator determinante é o reforço da ligação entre o ecossistema europeu e outros centros de inovação, como os EUA. A Europa tem talento de excelência, mas enfrenta desafios na retenção de profissionais e acesso a financiamento. Em vez de adotar uma postura protecionista, o foco deve ser em criar condições para que as startups possam escalar internacionalmente, mantendo uma forte ligação a os seus países de origem”.
Márcia Pereira, CEO da Bandora
“A Europa tem o potencial de liderar globalmente em inovação tecnológica ao investir estrategicamente em tecnologias deep tech orientadas para a sustentabilidade. Enquanto os EUA e a China intensificam o volume dos seus investimentos em inovação, a Europa pode diferenciar-se ao combinar inovação com responsabilidade ambiental, focando em áreas como inteligência artificial aplicada à eficiência energética, redes inteligentes, armazenamento de energia e economia circular. Programas como o Horizonte Europa e o Green Deal Europeu já impulsionam essas iniciativas, mas é essencial aumentar os investimentos em IoT e IA para consolidar uma posição competitiva, ao mesmo tempo em que promove a transição verde e soluções tecnológicas alinhadas à neutralidade carbónica. Este enfoque permitirá à Europa não apenas competir globalmente, mas também liderar no desenvolvimento de tecnologias que equilibram crescimento económico e sustentabilidade”.
Diogo Teixeira, co-fundador e CEO da Beta-i em Portugal
“É possível que a Europa assuma a liderança em inovação tecnológica, mas ainda há mudanças cruciais a implementar. O Relatório Draghi destaca algumas direções, como a intensificação do trabalho colaborativo entre empresas, startups e universidades, a criação de consórcios internacionais para inovação tecnológica e a definição de áreas prioritárias para liderança europeia. Contudo, a Europa enfrenta um atraso significativo em relação aos EUA no trabalho em rede que conecta investigação e aplicação prática. As políticas europeias, especialmente sob a nova Comissão Europeia, poderão acelerar esse processo, mas não serão suficientes por si só.
Na Beta-i, acreditamos que existem duas alavancas fundamentais que podem impulsionar a Europa nesse percurso. A primeira é a relação com o risco. Embora o financiamento exista, falta a disposição para investir em projetos arriscados, como venture capital e seed money. A cultura europeia é mais avessa ao risco comparada aos EUA, onde é comum levantar milhões para projetos que frequentemente falham. Este fator força, muitas vezes, as startups europeias a migrarem para os EUA. Paralelamente, a China, com apoio estatal, também está a superar a Europa nesse campo.
A segunda alavanca é transformar a tecnologia verde numa oportunidade estratégica. As metas da UE para a descarbonização até 2050 são ambiciosas, mas, se as empresas europeias encararem esta transição como uma oportunidade para inovar e repensar modelos de negócio, poderão ganhar competitividade. A aposta em tecnologias de descarbonização pode posicionar a Europa como exportadora global dessas soluções, especialmente num cenário em que outros países, como os EUA sob a administração Trump, diminuem a prioridade para a descarbonização.
Resumindo, considero que, para que a Europa lidere em inovação tecnológica, é essencial mudar a cultura de risco e aproveitar a transição verde como oportunidade estratégica”.
Tomás Penaguião, partner da Bynd Venture Capital
“Para se construir um ecossistema de inovação de sucesso são necessários três ingredientes: talento, capital e espírito empreendedor. Na Europa contamos com algumas das melhores universidades e centros de investigação a nível mundial e o investimento em startups aumentou 10x nos últimos 10 anos comparativamente com a década anterior. A maior lacuna, comparativamente aos EUA, está na menor cultura empreendedora e aversão ao risco latente que está a mudar muito por inspiração dos 350 unicórnios e outros casos de sucesso de empresas construídas no continente. Adicionalmente, ainda existe um ambiente demasiado regulatório, com diferenças significativas de país para país que condicionam a expansão internacional dentro do território Europeu. Concluindo, há desafios complexos por ultrapassar, mas existe potencial para a Europa se assumir cada vez mais como um líder em Inovação Tecnológica”.
Thijs Povel, Managing Partner da Dealflow.eu
“Sim, a Europa tem os ingredientes necessários para ser um líder global em inovação: educação de alto nível, investigação de classe mundial, talento abundante e um ecossistema de startups próspero. O nosso próximo relatório Dealflow.eu mostra que, nestes domínios, a Europa está a par dos Estados Unidos. O principal défice reside no capital de risco: apenas cerca de 0,01% dos seguros e fundos de pensões europeus são alocados ao capital de risco, enquanto nos EUA esse valor é significativamente mais elevado. Esta disparidade ajuda a explicar por que razão a economia dos EUA, outrora em pé de igualdade com a da Europa em 2008, tem atualmente quase o dobro do PIB da Europa. Se a Europa permitir que os fundos de pensões invistam de forma mais substancial em capital de risco, poder-se-á desbloquear um enorme potencial de crescimento e solidificar o lugar da Europa na vanguarda da inovação tecnológica mundial”.
Miguel Ricardo, General Manager do SITIO
“Como empresário português que acompanha o ecossistema de inovação em Portugal, acredito que a União Europeia tem tudo para se destacar nesta área. Temos os recursos necessários para liderar, mas precisamos de tomar as decisões certas para aproveitar melhor o talento disponível. A Europa conta com algumas das melhores universidades e centros de pesquisa, que atraem e formam talentos em áreas como inteligência artificial, biotecnologia e energia sustentável. Estamos também na linha da frente na transição para uma economia mais verde e digital, o que nos dá uma vantagem em setores como as energias renováveis e a mobilidade sustentável.
No SITIO, queremos que Portugal tenha um papel ativo nesta transformação, apesar da sua posição periférica na Europa. Criamos espaços de trabalho flexível em todo o país, focados em áreas como fintech, inteligência artificial e Web3. Organizamos eventos com empresas, startups, freelancers e nómadas digitais, consolidando o nosso papel no ecossistema de inovação em Portugal. Convidamos todos os empreendedores e interessados a participar nos debates e momentos de desenvolvimento profissional na nossa rede de coworkings. Estes encontros são cruciais para atrair e reter talento especializado em inovação tecnológica, ajudando o continente a destacar-se globalmente.
Apesar do progresso, a Europa ainda precisa de superar desafios como mercados fragmentados, falta de grandes empresas tecnológicas e burocracia que trava novas ideias. Se conseguirmos alinhar interesses entre países, acelerar a digitalização e continuar a investir em talento, a Europa tem tudo para se tornar uma referência global em inovação tecnológica”.
Gil Azevedo, diretor executivo da Unicorn factory Lisboa
“A solução para a Europa ser líder na inovação global passa por transitar o papel de reguladora para facilitadora com responsabilidade. O grande problema é que regulamos muito cedo, tornando difícil a inovação em escala, como acontece nos EUA e na China. Para a União Europeia (UE) se posicionar na liderança, terá de tomar uma decisão: se quer ser consumidora de inovação de outras geografias ou produtora dessa inovação. Como referido no relatório de Draghi, um dos grandes problemas que enfrentamos é a regulamentação robusta numa fase prematura, em que os países da UE são mais consumidores de tecnologia do que inovadores e potenciadores.
Numa outra perspetiva, e no seguimento do que temos vindo a desenvolver com a agregação de todo o ecossistema nacional através da Fábrica de Unicórnios de Lisboa, a Europa tem de conseguir ligar mercados, criando uma espécie de “mercado único de inovação europeia”. Para conseguirmos dar o passo em frente e reter os projetos empreendedores europeus, sem que estes tenham de procurar outras geografias para ganhar escala, precisamos de olhar para a Europa como um todo e conectar ecossistemas. Em Portugal, queremos liderar este movimento, e já desenvolvemos programas de inovação, como o Scaling Up ou o Clean Future, que não são apenas locais, mas são a nível europeu, o que acaba por ajudar as startups a terem mais oportunidades de crescimento, mais contacto com parceiros e mais oportunidades no levantamento de fundos”.
Rui Cruz, CEO da Opensoft
“No setor da inovação, a Europa está em desvantagem em relação aos EUA e a outras potências asiáticas, mas são visíveis os esforços para aumentar o investimento e apostar na competitividade tecnológica. Este ano, o Conselho Europeu de Inovação vai apoiar startups e a investigação europeia em tecnologia com 1,4 mil milhões de euros, um valor que representa um aumento de quase 200 milhões de euros face a 2024.
Além disso, a existência de parcerias público-privadas em áreas tecnológicas como a inteligência artificial podem maximizar o impacto do investimento e promover a utilização de recursos adicionais do setor privado, acelerando o ritmo da inovação. No setor privado será igualmente importante criar condições especiais e atrativas como, por exemplo, incentivos fiscais para reter investimento e talento, permitir o crescimento das empresas e fomentar a construção de um ecossistema de inovação sustentável.
É também urgente pensar em estratégias direcionadas à retenção de talento e à diversidade do mercado europeu. A Europa é um melting pot composto por várias línguas e diferentes culturas, mentes criativas com um histórico de cooperação e colaboração entre instituições de ensino e organizações. Este ambiente diverso pode servir como uma base sólida para a criação de soluções inovadoras que atendam a diferentes mercados e culturas. Com o aumento do investimento e uma estratégia focada na colaboração e criação de produtos e serviços do mercado único europeu para o mundo, a Europa estará melhor posicionada para alcançar um lugar cimeiro na inovação tecnológica”.