PGR avança com processo de repatriamento de jihadista português no Iraque
A Procuradoria-Geral da República (PGR) deu início a um processo que poderá levar à extradição de Nero Saraiva, cidadão português condenado a 15 anos de prisão no Iraque por pertencer ao Estado Islâmico, para cumprir o remanescente da pena em Portugal. Detido em Bagdade desde 2018, o jihadista foi condenado em 2022, mas a transferência depende de decisões conjuntas entre os governos português e iraquiano.
No final de outubro, o Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da PGR questionou oficialmente as autoridades iraquianas sobre a viabilidade da transferência. Entre os pedidos enviados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, destaca-se a solicitação de informações sobre a condenação de Nero Saraiva e a disponibilidade do Iraque para permitir a extradição com base no princípio da reciprocidade.
Até ao momento, não há resposta oficial do lado iraquiano. O Ministério dos Negócios Estrangeiros, liderado por Paulo Rangel, limitou-se a afirmar que acompanha o caso e mantém contacto com a família de Saraiva, residente em Angola. O procurador-geral da República, Amadeu Guerra, também não se pronunciou sobre o assunto.
Lopes Guerreiro, advogado que representa a família de Nero Saraiva, confirmou ter sido contactado pela mãe e pelo próprio detido para prestar apoio jurídico no processo. “Fui solicitado para auxiliar na transferência do Sr. Nero Saraiva para Portugal, de forma a que aqui possa cumprir o restante da pena a que foi condenado pelo Tribunal Iraquiano”, declarou o advogado, acrescentando que a PGR já deu início a démarches junto do Iraque para concretizar o pedido.
A iniciativa da PGR foi desencadeada após a publicação de uma reportagem da SÁBADO em outubro, onde os pais de Saraiva denunciaram dificuldades no contacto com as autoridades portuguesas. Na mesma reportagem, divulgada no programa Repórter SÁBADO, foram revelados áudios enviados por Nero Saraiva da prisão iraquiana, onde apelava ao regresso a Portugal. Num desses áudios, questionava: “Porque é que ainda estou aqui? Sabendo que eles estavam à minha procura, devia voltar a Portugal.” Nero Saraiva, que residia em Londres, abandonou a vida no Reino Unido em 2012 para se juntar aos grupos que combatiam o regime de Bashar al-Assad na Síria. Com a proclamação do califado pelo Estado Islâmico em 2014, uniu-se à organização terrorista, tendo alegadamente criado laços com um grupo de britânicos conhecidos como “Os Beatles”, famosos por vídeos de execuções de reféns ocidentais.
Saraiva desapareceu durante anos até ser capturado em Baghuz, último bastião do Estado Islâmico, em 2018. Ferido gravemente, foi transferido para o Iraque, onde enfrentou julgamento e foi condenado a 15 anos de prisão. Se regressar a Portugal, enfrenta um novo processo judicial por alegado envolvimento no recrutamento de outros jihadistas portugueses para o Estado Islâmico. Fontes das forças de segurança têm manifestado preocupação com os riscos associados ao seu regresso, considerando o impacto que poderá ter na segurança nacional.
A transferência de condenados está prevista na Lei 144/99 de 31 de agosto, mas depende do consentimento do Iraque, de Portugal e do próprio condenado. A PGR confirmou que, até ao momento, as autoridades iraquianas não forneceram a certidão da sentença nem indicaram se autorizam a transferência.
Em comunicado, a PGR explicou: “A transferência de pessoas condenadas pressupõe o consentimento dos Estados da condenação (Iraque) e da execução (Portugal), além do próprio condenado. Apesar de Nero Saraiva ter manifestado vontade de cumprir a pena em Portugal, as autoridades iraquianas ainda não enviaram a sentença nem manifestaram intenção de consentir na transferência.”