Petróleo: “Tempestade” da década de 70 pode chegar. Subida para 90 dólares por barril está “ao virar da esquina”, alerta especialista
O preço do petróleo está a subir e a descer na montanha russa, quer do lado de lá do Atlântico na referência West Texas Intermediate (WTI) que já bate recordes face a 2014, quer na referência europeia, o Brent, onde se registam novos máximos desde 2018.
Com várias personalidades, como Vladimir Putin, Presidente da Rússia, e o Banck of America a alertarem para a subida cotação do “ouro negro” , acima dos 90 a 100 dólares e a OPEP a responder insuficientemente mantendo a produção dos 400 mil barris por dia, a Executive Digest esteve à conversa com Nuno Sousa Pereira, Head of Investments da Sixty Degrees.
Tanto os futuros sobre o petróleo Brent como WTI já ultrapassaram a linha de resistência nas últimas semanas. É de esperar que a cotação sobre o barril ultrapasse os 90 dólares neste trimestre, como refere o Goldman Sachs? E os 100 dólares no primeiro trimestre de 2022?
As subidas nos preços do petróleo têm-se mantido resilientes, mas na nossa opinião começam a encontrar forças de contenção.
Nestes preços, começam a surgir fortes pressões sobre os principais produtores mundiais para que aumentem o número de barris de petróleo produzidos diariamente. Ainda recentemente assistimos ao episódio do Presidente Biden a sugerir à Arábia Saudita que aumentasse a sua produção (apesar do encerramento de gasodutos em território americano). Nos atuais níveis de preços, muitos dos países produtores de petróleo registam melhorias significativas nos seus orçamentos internos. No entanto, tal como em episódios passados, este tipo de conjuntura acaba por incentivar alguma indisciplina nos produtores do cartel no sentido do aumento dos volumes produzidos.
A linha dos 90 dólares está já “ao virar da esquina”. Com o início do Inverno no hemisfério Norte, caso as temperaturas não sejam amenas, é provável que os bens energéticos se mantenham a preços elevados. No entanto, é natural que o primeiro semestre de 2022 traga alguma correção a esta subida.
Como é que o recurso dos EUA às reservas pode alterar a cotação? Como fica o Brent?
Os países utilizam as suas reservas estratégicas como ferramenta de estabilização dos preços do petróleo para amenizar casos de procura pontual elevada indutores de situações de pânico do lado da procura, como se assistiu recentemente no Reino Unido.
Ao utilizar as suas volumosas reservas estratégicas, os EUA procuram reduzir a pressão compradora doméstica sobre os mercados internacionais de petróleo e acalmar o preço quer do WTI quer do Brent. Os restantes compradores internacionais tenderão a dividir o volume que os norte-americanos não comprarem nesse período.
Esta estratégia só resulta temporariamente pelo que é tipicamente pouco utilizada. Tem de existir um grau elevado de certeza sobre os efeitos da medida num curto espaço de tempo, caso contrário o país apenas perde flexibilidade futura em função da diminuição das suas reservas estratégicas.
Ir para lá do “número sagrado” dos 400 mil barris, por parte da OPEP+ é a carta perfeita para aliviar o preço?
Não existe um número mágico, mas é natural que quanto maior a produção mais o preço diminuirá.
O preço do petróleo, como em qualquer outro mercado, é determinado pelo equilíbrio entre a oferta e a procura, pelo que um forte e imediato incremento da oferta deverá levar à redução do preço da matéria prima.
No entanto, existe uma limitação física, sobre a qual a Sixty Degrees já escreveu numa das suas Weekly Notes, para a reativação rápida da produção de matérias-primas. Num setor que tem vindo a debater-se com fortes níveis de subinvestimento, devido aos baixos preços de petróleo, é natural que a demora na manutenção dos poços e dos equipamentos, a reativação dos contratos de longa duração com navios especializados e de toda a logística envolvente, imponham restrições significativas à disponibilidade da oferta.
O aumento do preço do petróleo Brent pode influenciar os movimentos do gás holandês, sobretudo se este inverno for mais frio que o esperado?
O petróleo e o gás são utilizados de modo diferente. Caso um mercado esteja equipado para realizar o aquecimento via equipamentos a gás, dificilmente será rapidamente convertido para o aquecimento a caldeira de gasóleo, por exemplo.
Hoje em dia, a maioria dos novos equipamentos a ser instalados são totalmente elétricos, o que retira pressão sobre o petróleo (não me recordo de novas centrais na Europa que queimem petróleo/gasóleo/gasolina para produzir eletricidade).
Nos últimos tempos, o mercado de gás tem vindo a desenvolver uma dinâmica própria em função do aumento da dependência de novos pipelines. Temos vindo a assistir às perturbações no fornecimento de gás entre a Rússia e a Europa e ao encerramento de um pipeline na Argélia que fornece grande parte do sul da Europa. No inverno, estes constrangimentos terão um efeito muito maior sobre o mercado do que as flutuações diárias do preço de petróleo.
Podemos voltar a ver uma crise semelhante à da década de 70?
Se adicionarmos a dimensão geopolítica a esta análise, é bem possível que isso aconteça na eventualidade de um evento sério neste tabuleiro.
Se viermos a assistir a algum tipo de conflito mais sério no Médio Oriente (região sempre atreita a problemas) ou a algum problema nas principais rotas de transporte, como o estreito de Hormuz ou o Canal do Suez, o preço de petróleo deverá continuar a subir sustentadamente pois, nesse cenário, por muita produção que se aumente o volume de petróleo não chegará rapidamente ao mercado final.
No entanto, as razões para a subida do preço nos anos 70 e as atuais são bastante diferentes. Nos anos 70, a primeira subida de preços (1973-74) resultou do embargo imposto pela OPEP sobre os países que eram vistos como apoiantes de Israel durante a guerra do Yom Kippur (EUA, Canadá, Japão, Países Baixos, Reino Unido e eventualmente Portugal). A subida final do preço do barril, em 1979, foi o resultado da redução da produção no seguimento da revolução Iraniana. A atual situação resultou da combinação das disrupções nas cadeias logísticas, da gestão “Just-in-time” dos inventários e da redução dos níveis de investimento necessários à sustentação da oferta.