Pelo menos 30 mil alunos sem professor, 60 mil horas extraordinárias: Fenprof pinta retrato ‘negro’ do 1.º período letivo
O primeiro trimestre do ano letivo 2024-2025 chegou ao fim, mas os problemas persistem. A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) divulgou um comunicado denunciando a falta de eficácia das medidas do Ministério da Educação e Ciência e Inovação (MECI) para solucionar a carência de professores nas escolas públicas. A estrutura sindical alerta para a insuficiência de docentes e para a ausência de medidas estruturais que possam resolver o problema.
Segundo a Fenprof, cerca de 2000 alunos não tiveram pelo menos um professor durante todo o primeiro período letivo. Além disso, 30 000 estudantes estão atualmente sem docente numa ou mais disciplinas, um número agravado pelas 506 aposentações registadas apenas em dezembro. O impacto alarga-se ainda a mais de 300 000 alunos que, ao longo do período, ficaram pelo menos três semanas sem professor, sem contar ausências de curta duração.
Embora o foco esteja nas escolas públicas, a Fenprof sublinha que a falta de professores também atinge o ensino privado, sendo descrito como “um problema do país”.
Entre as principais causas apontadas pela Fenprof estão:
- O número elevado de aposentações: só entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2024, aposentaram-se 1686 professores. O número anual de saídas poderá ultrapassar as 4000;
- A dificuldade em atrair novos profissionais: de acordo com o MECI, nos últimos seis anos, 14 500 docentes abandonaram a profissão, e apenas 667 retornaram à escola pública no mesmo período;
- O aumento da população escolar: o número de alunos, especialmente imigrantes, subiu para mais de 140 000;
- A ineficácia das medidas governamentais, como o Plano +Aulas +Sucesso, que ficou aquém das expectativas.
Os números são elucidativos: apenas 63 aposentados aderiram ao programa para regressar ao ensino, dos 200 previstos; 285 docentes adiaram a aposentação com suplemento remuneratório (face aos 1000 esperados); e apenas 265 novos professores ingressaram no sistema através do concurso extraordinário, para 2309 vagas disponíveis.
Durante o primeiro trimestre, mais de 60 000 horas extraordinárias foram atribuídas aos docentes, de acordo com um levantamento da Fenprof em 203 agrupamentos e escolas não agrupadas, representando 25% do total nacional. Em algumas escolas, o número de professores obrigados a realizar trabalho extraordinário é elevado: em Sintra e Aveiro, mais de 50 docentes em cada agrupamento assumiram essas funções.
Além disso, a Fenprof denuncia o recurso abusivo a vínculos precários. Até 13 de dezembro, 13 085 colocações foram feitas via contratação inicial e reservas de recrutamento, com 45,4% correspondendo a horários anuais. Entre eles, 78,8% eram horários completos, revelando necessidades permanentes não atendidas por contratações estáveis.
Para contornar a carência de professores, o MECI recorreu à contratação de profissionais sem habilitação própria, classificados como “técnicos especializados”. No entanto, a Fenprof critica esta prática, apontando para a possível quebra de equidade no processo educativo, já que as avaliações feitas por estes contratados podem não ser reconhecidas em algumas escolas.
O comunicado menciona ainda a atribuição de disciplinas a professores sem formação adequada, como no caso do grupo de Informática, cujas horas foram entregues a docentes com níveis básicos de capacitação digital.
A Fenprof afirma que a única solução é valorizar a profissão docente, tornando-a atrativa. Para isso, defende uma revisão urgente do Estatuto da Carreira Docente (ECD), que deveria entrar em vigor já no ano letivo 2025-2026. No próximo dia 27 de dezembro, a federação apresentará um abaixo-assinado ao MECI com milhares de assinaturas, exigindo um calendário mais célere para a revisão.
Por fim, a Fenprof não abdica do direito à negociação coletiva, mas alerta que “não subscreverá o Protocolo Negocial” se o governo insistir em adiamentos que comprometam a entrada em vigor do novo ECD antes de 2027.