Passeios marítimos mais pequenos, demolições e dunas: como se prepara a orla costeira para a crise climática?

A crise climática causada pelos gases com efeito estufa produzidos pelo homem — principalmente ligados aos combustíveis fósseis — não se manifesta apenas num aumento da temperatura média, mas também em fenómenos meteorológicos mais extremos, como tempestades violentas e inundações. E no aumento do nível do mar causado pelo derretimento do gelo e pelas águas marinhas cada vez mais quentes.

Na costa da Península Ibérica, a subida do nível do mar está a acelerar, de acordo com um estudo do Instituto Espanhol de Oceanografia, citado pelo jornal espanhol ‘El País’: segundo os autores, a taxa de aumento anual foi de 1,6 milímetros entre 1948 e 2019. No entanto, a partir de 2019 aumentou para 2,8 milímetros por ano. A combinação de fenómenos meteorológicos extremos e a subida inexorável do mar representa uma grave ameaça ao litoral que leva mesmo a repensar muitas infraestruturas costeiras.

Na vizinha Espanha, a passagem da tempestade ‘Glória’ pela costa valenciana levantou o debate sobre soluções para combater o efeito das águas: na cidade de Bellreguard, com 4.500 habitantes, a orla marítima ficou em mau estado e as autoridades pensaram que talvez não fizesse muito sentido gastar muito dinheiro público para reconstruir continuamente a orla marítima do município, sendo melhor devolver ao mar parte do que foi conquistado.

As obras avançaram e o passeio de Bellreguard foi reparado com fundos estatais: no entanto, a intervenção serviu para demolir parte da infraestrutura, com a eliminação de cerca de 350 metros quadrados de superfície betonada que voltou a ser ocupada por areia da praia. Uns quilómetros a norte, no município valenciano de Sueca, o espaço conquistado chegou a 2.750 metros quadrados.

As ações no litoral são da responsabilidade do Estado e as obras aí realizadas são da responsabilidade da Direção Geral do Litoral e do Mar, do Ministério da Transição Ecológica. Atualmente, estão 72 obras em fase de execução ou em processamento avançado relacionadas com a necessidade de adaptação da linha marítima para fazer frente aos efeitos da crise climática, segundo dados fornecidos pelo ministério de Teresa Ribera.

E o que está em causa? A eliminação e recuo de passeios, mas também a demolição de edifícios de todo o tipo, assim como remodelações e ações ambientais de estabilização de praias, como a proteção de sistemas dunares e a construção de quebra-mares. No total, estas obras ultrapassam os 248 milhões de euros, que provêm de fundos europeus – nesta altura, existem projetos em execução ou tramitação em 22 das 25 províncias costeiras de Espanha.

Em abril de 2022, outra tempestade atingiu a costa sudeste da península. O passeio da praia de Estácio, no município murciano de San Javier, foi um dos mais afetados. Foi reparado com obras de emergência que serviram para reduzir a largura desta infraestrutura, que passou de seis para três metros. No total, foram conquistados cerca de 390 metros quadrados para a praia.

Outro exemplo é o projeto de recuperação do sistema dunar da emblemática praia do Samil, em Vigo, que está em fase de licitação e cujo orçamento ascende a mais de 2,1 milhões de euros. Há meio século foi construído um passadiço nas dunas desta praia, que agora ficará recuada 27 metros para o interior, o que permitirá recuperar cerca de 9 mil metros quadrados de praia.

Este projeto é “uma ação de renaturalização essencial para que a praia se adapte naturalmente à previsível subida do nível do mar”, porque as dunas e vegetação servirão de parapeito. Com base nos cenários do IPCC – o painel internacional de especialistas que radiografam a evolução das alterações climáticas sob a égide da ONU – no dossier deste trabalho o ministério explica que até 2050 se espera uma subida do nível do mar de 48 centímetros, “o que faria desaparecer completamente a praia seca se o atual muro não fosse demolido e o passeio fosse deslocado nos 27 metros propostos”.

Além disso, segundo o mesmo projeto, “num horizonte temporal até 2045, o recuo da linha de costa seria de cerca de 6,4 metros”, o que faria com que “as ondas das maiores tempestades impactassem o muro do atual passeio marítimo e produzissem o enfraquecimento do perfil da praia e o seu desaparecimento gradual”. Em 2100, o recuo esperado atingiria 30 metros.

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