Os desafios financeiros emergentes num mundo em transformação

Nos últimos anos, o mundo tem enfrentado transformações profundas e rápidas, impulsionadas por avanços tecnológicos, mudanças climáticas ou incertezas geopolíticas. Estas alterações não afectam apenas o dia-a-dia das pessoas, mas também os sistemas financeiros que sustentam as economias globais. «Ao longo da última década temos tido vários episódios de mudanças em termos de políticas que demonstraram afectar a estabilidade financeira. Começando com o Brexit, que abriu portas à saída do Reino Unido da União Europeia e que acabou por enfraquecer a confiança em torno da moeda (GBP) e a percepção dos investidores nos mercados financeiros locais, enquanto favorecem moedas consideradas como refúgio seguro, como o franco suíço. Também as tensões políticas e conflitos regionais geraram incertezas aos investidores, levando à volatilidade dos mercados financeiros. Por exemplo, a guerra na Ucrânia e as sanções subsequentes à Rússia afectaram os preços das matérias-primas, especialmente energia e alimentos, criando pressões inflacionistas globais. A juntar a tudo isto, as políticas comerciais proteccionistas, como as tarifas impostas entre os Estados Unidos e a China, alteram as cadeias de distribuição globais, afectando o custo e a disponibilidade de bens e serviços. Estas medidas acabam por abalar a confiança dos consumidores e das empresas, diminuindo o investimento e, em último caso, o crescimento económico», explica Henrique Tomé, analista na XTB. 

De facto, as empresas tornaram-se cada vez mais globais ao longo dos anos pelo facto de a globalização ter permitido fortes crescimentos em determinados sectores por via da redução dos custos e aumentos de produtividade. «No mercado de capitais, as cotadas têm beneficiado muito deste contexto mais global e têm conquistado o interesse dos investidores. Os benefícios da globalização acabaram por ser mútuos, tanto para as empresas, como para os investidores e consumidores. Por um lado, permitiu às empresas diminuírem custos e aumentarem os seus lucros, acabando por tornar-se mais atractivas aos olhos dos investidores. Estes também têm sido beneficiados, pois os crescimentos dos “earnings” acabam por beneficiar os investidores por via da valorização da “equity” e/ou por via do pagamento de dividendos. E para o consumidor final, que consegue ter acesso a determinados bens e serviços de forma menos dispendiosa», acrescenta o especialista.
Ao mesmo tempo, a tecnologia blockchain e o aumento do interesse em criptomoedas aceleraram o processo de digitalização do sector, que há muito tempo estava para acontecer. «O aparecimento de novas alternativas de pagamento (como as criptomoedas) está a fazer com que a banca tenha de voltar a inovar os seus processos.  Quanto ao blockchain, esta tecnologia afecta praticamente todos os sectores da economia, uma vez que tem uma aplicação prática bastante vasta. Esta é, sem dúvida, a grande revolução que está a marcar a transição para a web 3. O blockchain destaca-se pela sua segurança e imutabilidade, garantindo que os dados não possam ser alterados. A transparência e rastreabilidade permitem que todas as transacções sejam verificadas publicamente. Juntando a tudo isto, o facto de adoptar um sistema descentralizado elimina a necessidade de intermediários», considera Henrique Tomé. 

Práticas esg
Desde a pandemia que tem existido uma maior preocupação pela questão da sustentabilidade e investimentos responsáveis. As práticas ESG voltaram a ganhar força no ambiente corporativo e o mercado de capitais não ficou indiferente a estas questões também. «No entanto, estas práticas têm gerado alguma controvérsia, uma vez que a sua utilização não traz resultados concretos em termos de produtividade e levanta também algumas questões. Por exemplo, o rating ESG da Tesla é muito mais baixo do que o da Shell. O rating não é dado apenas em função do core business da empresa, tem também outras variáveis em consideração, como a parte social e governança, mas não deixa de ser “caricato” uma empresa que produz carros eléctricos ter um rating de sustentabilidade inferior a uma petrolífera, por exemplo», explica o especialista.
Os critérios ESG passam por uma avaliação de riscos climáticos, promovendo energias renováveis (Ambiental), garantindo diversidade e condições laborais justas (Social), e implementando práticas de transparência e ética empresarial (Governança), resultando em investimentos, como, por exemplo, em green bonds, fundos ESG, e empresas com fortes políticas de responsabilidade social e governança eficaz.
O tema da sustentabilidade tornou-se incontornável no mundo financeiro actual, o que tem sido claramente atestado pelo aumento crescente de enquadramento e regulação sobre este assunto. 

O investimento sustentável caracteriza-se pela tomada de consciência dos investidores na incorporação de factores explícitos relacionados com o ambiente, com o meio social e com a governança nas suas decisões, assim como do seu papel na sociedade, como proprietários ou credores, sempre com vista ao retorno sobre o capital no longo prazo. No entanto, a complexidade e a constante evolução da regulação tornam difícil a sua implementação por parte das instituições financeiras.
À medida que enfrentam uma crise iminente nas receitas e nas margens, que encerra um período de forte ressurgimento dos lucros a partir de 2020 e durante o pós-pandemia, os bancos grossistas de todo o mundo devem capitalizar as principais novas fontes de crescimento, como o financiamento climático ou os rápidos desenvolvimentos da Inteligência Artificial (IA), adianta uma análise da Bain & Company, “Five Themes That Will Fundamentally Change Wholesale Banking”.
As projecções da Bain & Company até 2025, que resultam de entrevistas extensas e exclusivas a cerca de 30 CEO e executivos seniores de bancos grossistas de referência em todo o mundo, mostram que o crescimento das receitas no período entre 2019 e 2022, com taxas de crescimento anual compostas (CAGR, da sigla em inglês) de 8% ou mais, está a perder força. De facto, a consultora estratégica adianta que essas taxas de crescimento podem cair 3/4 no período 2023-25 face aos níveis mais recentes, para um CAGR de 2% ou menos.
O risco nas perspectivas de desempenho financeiro dos bancos grossistas decorre das taxas de juro mais elevadas, já que, mesmo que os bancos centrais reduzam as actuais taxas de referência, deverão permanecer persistentemente acima dos níveis ultrabaixos dos anos anteriores. A acrescentar às pressões relacionadas com esse desempenho futuro temos os constrangimentos do lado dos custos, que resultam de uma necessidade crítica de investir na actualização tecnológica dos bancos grossistas. E o certo é que, actualmente, a maioria dos executivos inquiridos (52%) pela Bain & Company acredita que as perspectivas para o sector são apenas “médias” e que os ventos contrários da recessão, especialmente na Europa, deverão afectar o desempenho dos bancos.

Tendências
Para Alexandre Carrera Lejeune, head of Iberia Territory da FLOA em Portugal, existem também vários factores que têm vindo a impulsionar a revolução digital nos pagamentos. «Em primeiro lugar, destaco a indiscutível evolução tecnológica a que temos assistido, especialmente nos últimos anos. Conforme se vão aprimorando os dispositivos móveis e o acesso generalizado à internet, novas formas de pagamento vão surgindo – e tornando-se cada vez mais rápidas, fáceis e seguras», refere.
Além disso, também o comportamento dos consumidores, bem como as suas necessidades e expectativas, tem vindo a mudar. A verdade é que conveniência e facilidade são factores cada vez mais procurados por parte dos consumidores, pelo que também são cada vez mais os que se sentem confortáveis e predispostos a realizar transacções financeiras por via digital. Neste sentido, a oferta de opções de pagamento flexíveis, como o Buy Now Pay Later (BNPL), tem sido especialmente atractiva devido à melhoria da experiência do cliente durante o seu processo de compra.
«Por fim, outro factor que considero ainda bastante importante é a competição crescente no sector financeiro, especialmente ligada ao tema de Open Banking, com a entrada de novos players inovadores, disruptivos e que apresentam soluções alternativas e adaptadas a esta nova realidade. Esta competição tem incentivado o sector como um todo a melhorar constantemente os produtos e serviços que são lançados», acrescenta Carrera Lejeune.

Assim, a tecnologia de ponta – como é o caso do blockchain e da IA – é um factor crucial para a evolução de qualquer player do sector financeiro, uma vez que permite o desenvolvimento de novos modelos de negócios e soluções inovadoras mais eficientes e seguras.
As formas digitais de pagamento, em comparação com os métodos tradicionais, como dinheiro e cheques, possuem diversas vantagens. Primeiro, oferecem uma conveniência significativa a todos os utilizadores, permitindo que efectuem transacções de forma rápida e fácil, em qualquer lugar e a qualquer momento, sem a necessidade de carregar dinheiro físico ou cheques consigo. Além disso, como referido anteriormente, as transacções digitais são geralmente mais seguras, dado que deixam um registo electrónico que, em caso de problemas, pode ser devidamente monitorizado para detectar actividades fraudulentas.
«Deste modo, a transparência é efectivamente um ponto crucial. Como as transacções são registadas electronicamente, é fácil rastrear e auditar todos os movimentos para fins contabilísticos, fiscais e de gestão financeira. Além disso, os sistemas de pagamento digital podem ser facilmente integrados com outras soluções digitais, desde aplicações móveis até plataformas de e-Commerce», conta Alexandre Carrera Lejeune.

Cibersegurança
Muitos milhões de pessoas em todo o mundo levantam diariamente dinheiro da conta bancária, fazem transferências e pagam contas na internet. Com a pandemia de Covid-19, a ligação digital às instituições financeiras reforçou-se ainda mais. Mas, e se um ataque cibernético bloqueasse o nosso banco e não conseguíssemos ter acesso ao dinheiro? Segundo os especialistas, um ataque certeiro a uma grande instituição financeira ou a um serviço central poderia espalhar-se rapidamente por todo o sistema, levando a uma perturbação generalizada e à perda de confiança por todos consumidores.
Ou seja, as transacções não seriam concluídas se a liquidez fosse bloqueada. Famílias e empresas poderiam deixar de ter acesso a depósitos e pagamentos. Num cenário mais extremo, os investidores poderiam exigir os seus recursos financeiros de volta e cancelar as suas contas. Estaria instalado o caos no sistema financeiro mundial. “As ferramentas usadas pelos hackers são agora mais baratas, simples e poderosas, permitindo que hackers menos habilidosos causem mais danos. A ampliação dos serviços móveis (a única plataforma tecnológica disponível para muitas pessoas) aumenta as oportunidades para os cibercriminosos. Os ataques têm como alvo instituições grandes e pequenas, países ricos e pobres. E não respeitam fronteiras. Assim, o combate aos crimes e a redução do risco devem ser um esforço conjunto a ser empreendido por todos os países”, escreveram Jennifer Elliott e Nigel Jenkinson, especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), no estudo “Cyber risk is new threat to financial stability”. 

Estes responsáveis explicam que para criar um mundo cibernético mais seguro, as instituições precisam de ser tão rápidas como os criminosos. “Enfrentar uma ameaça global com recursos locais não será suficiente. Os países precisam de fazer mais para coordenar os seus esforços, nos planos interno e externo”, acrescentam os autores.
Em 2024 prevê-se que o número de incidentes de cibersegurança continue a aumentar, com especial destaque para o incremento de ataques à internet das coisas – IoT, ataques suportados por IA, ataques a redes 5G e, provavelmente, o tema dos ataques criptográficos utilizando computação quântica vai ganhar relevância. Nesse sentido, segundo os especialistas, para além de investir na prevenção e protecção é fundamental estar preparado para a recuperação, caso o ataque seja bem-sucedido, de forma a existir capacidade de recuperar a informação que suporta o negócio em tempo útil.