Operação no Martim Moniz é inaceitável e aumenta racismo, denuncia comunidade do Bangladesh
O líder da comunidade do Bangladesh em Lisboa, considerou hoje “inaceitável” a operação policial com “meios excessivos” na quinta-feira no Martim Moniz, que cria uma má imagem dos imigrantes sem terem detetado qualquer crime entre os seus compatriotas.
“Aquelas pessoas encostadas na parede parece que são criminosos” e isso é “o que fica” das imagens da operação policial, afirmou à Lusa Rana Taslim Uddin, que responsabiliza também a atuação das forças de segurança como fatores para o aumento do racismo, particularmente contra os imigrantes do subcontinente indiano, particularmente do Bangladesh, Nepal e Índia.
Daquela fila de pessoas que foram revistadas “todas estavam legais”, disse o dirigente, salientando que os imigrantes foram abordados num dia normal quando iam “beber um chá ou à mercearia”, como “qualquer cidadão em Portugal”.
Deste modo, as autoridades construíram “uma imagem contra os imigrantes”, acusou, acrescentando que “não é desta maneira que se vai procurar máfia ou criminalidade”.
Por outro lado, em toda a operação, a polícia “não encontrou ninguém da minha comunidade” que tivesse cometido crimes, salientou o dirigente, que vive em Portugal há 35 anos, mais do que viveu no seu país natal.
O que se passou “foi uma vergonha e é inaceitável”, e só “aumenta o racismo nacional e a xenofobia em Portugal”, disse.
“Nunca vamos aceitar isto” e “estou a apelar ao Governo para que, se quer procurar pessoas ilegais, máfias ou drogas, esta não é a maneira de se fazer”, acrescentou Rana Taslim Uddin.
A operação também já foi criticada pelo presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, que pediu a demissão da ministra da Administração Interna.
“Aquilo que aconteceu ontem [quinta-feira] é típico de uma ditadura islâmica ou de uma ditadura da América Latina […]. Julgo, como cidadão e como autarca, que não há condições para a senhora ministra da Administração Interna continuar e os comandos da polícia têm de explicar porque é que fecharam uma rua inteira e encostaram pessoas à parede. Seriam capazes de fazer isto em Campo de Ourique, nas Avenidas Novas, no Lumiar?”, questionou.
A forma como a operação foi realizada, acrescentou, “cria uma perceção de que a insegurança e o perigo estão numa comunidade”.
“Isto vai fomentar o ódio e o racismo e não vai resolver nada. Foi um ‘show off’ inacreditável por parte dos comandos policiais”, sublinhou.
Miguel Coelho lamentou que “agora esteja na moda ter como alvo a população imigrante do subcontinente indiano”, algo que considera “errado”, porque “são pessoas pacíficas na sua maioria”.
“São pessoas que nos levam comida a casa. São pessoas que estão nos campos a colher a fruta que nós comemos. São pessoas que estão a fazer engordar as empresas todas, que são exploradas pelos empresários e são pessoas humildes. Não é por elas que tenho aqui alguma sensação de insegurança. Algumas trabalham na Junta, na higiene urbana”, concluiu.
A operação policial de quinta-feira no Martim Moniz resultou na detenção de duas pessoas e na apreensão de quase 4.000 euros em dinheiro, bastões, documentos, uma arma branca, um telemóvel e uma centena de artigos contrafeitos.
Em comunicado, o Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da PSP esclarece que uma pessoa foi detida por posse de arma proibida e droga e outra por ser suspeita de pelo menos oito crimes de roubo.
A operação foi acompanhada por uma procuradora da República e foram cumpridos seis mandados de busca não domiciliária.
O enorme aparato policial na zona, onde moram e trabalham muitos imigrantes, levou à circulação de imagens nas redes sociais em que se vislumbram, na Rua do Benformoso, dezenas de pessoas encostadas à parede, de mãos no ar, para serem revistadas pela polícia, e comentários sobre a necessidade daquele procedimento.
Questionada sobre esta questão, a porta-voz do Cometlis, Ana Raquel Ricardo, explicou que uma “operação especial de prevenção criminal dá legitimidade para fazer outro tipo de diligências, nomeadamente a revista de cidadãos que se encontrem no local e revista de viaturas” que por ali circulem.
O contingente empregue “foi o necessário” para uma operação deste tipo, referiu, sem, contudo, revelar o número de profissionais envolvidos.
Segundo a PSP, participaram nesta operação meios das Equipas de Intervenção Rápida, das Equipas de Prevenção e Reação Imediata, de trânsito e à civil – investigação criminal e fiscalização.