O tamanho das pupilas durante o sono pode indicar que estamos a reviver memórias, apuram cientistas
Durante o sono, enquanto o corpo entra num estado de repouso, o cérebro mantém-se ativo, processando as memórias do dia e integrando-as com experiências passadas. Contudo, a forma exata como estas novas recordações são consolidadas sem se misturarem com memórias antigas tem intrigado cientistas há décadas.
Um novo estudo da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, publicado na revista Nature, oferece insights revolucionários sobre este fenómeno, ao demonstrar que o tamanho das pupilas durante o sono pode indicar quais memórias estão a ser revividas.
Duas fases no sono NREM e o papel das pupilas
A investigação centrou-se no sono de movimento ocular não rápido (NREM), uma fase crucial para a consolidação de memórias. Os investigadores descobriram que, durante esta fase, ocorrem dois subtis estágios:
- Reativação de memórias recentes – Associada a uma constrição das pupilas.
- Recordação de memórias antigas – Caracterizada por uma dilatação das pupilas.
Estes estágios alternam rapidamente, permitindo que o cérebro processe simultaneamente informação nova e já existente.
“É como uma dança entre novas aprendizagens e conhecimentos antigos, alternando lentamente ao longo do sono”, explica a neurocientista Azahara Oliva, autora principal do estudo.
Um modelo experimental em ratos
A equipa de Cornell conduziu a experiência com ratos, utilizando câmaras minúsculas para rastrear os movimentos das pupilas e eletrodos cerebrais para monitorizar a atividade neuronal. Os ratos foram treinados durante o dia em tarefas novas, como a navegação em labirintos, e observados durante o sono à noite.
Curiosamente, os ratos foram monitorizados com os olhos abertos – algo comum nesta espécie durante o sono. A análise, que se estendeu por um mês, revelou uma relação direta entre o tamanho das pupilas e os dois tipos de memórias processadas.
Além disso, os investigadores bloquearam as chamadas “ondulações de ondas agudas” (SWRs, na sigla em inglês) – padrões de atividade cerebral conhecidos por estarem ligados ao armazenamento de memórias – durante os momentos de constrição das pupilas. Como resultado, os ratos mostraram dificuldades em recordar memórias recentes.
“Os nossos resultados sugerem que o cérebro consegue multiplexar processos cognitivos distintos durante o sono para facilitar uma aprendizagem contínua sem interferências”, descrevem os investigadores no artigo.
Este estudo não só ajuda a responder a uma questão fundamental sobre a memória – como é que aprendemos algo novo sem apagar o que já sabemos –, mas também levanta novas possibilidades na área médica e tecnológica.
A monitorização não invasiva do cérebro com base no tamanho das pupilas pode abrir portas para o tratamento de problemas de memória ou mesmo para o aprimoramento da capacidade de retenção de informação.
No campo da inteligência artificial (IA), a descoberta pode inspirar soluções para o fenómeno conhecido como esquecimento catastrófico, um problema em redes neurais artificiais que lutam para aprender nova informação sem eliminar dados previamente adquiridos.
“Este achado fornece uma potencial solução para o problema de longa data em redes biológicas e artificiais de evitar interferências catastróficas, ao mesmo tempo que permite a integração de memórias”, concluem os investigadores.
Embora os resultados sejam promissores, os cientistas enfatizam que ainda é necessário realizar análises semelhantes em humanos para validar a aplicabilidade destas descobertas no nosso cérebro. Contudo, dado o grau de semelhança entre o cérebro humano e o dos ratos, este estudo marca um avanço significativo na compreensão dos processos de memória.