O ovo de Trump (ou a falta deles nas prateleiras): Presidente dos EUA agrava crise criada por epidemia de gripe das aves

A escassez de ovos nos Estados Unidos transformou-se numa crise nacional, visível nas prateleiras vazias de grandes cadeias de supermercados como a Trader Joe’s. “As galinhas estão em greve” é a mensagem que se lê em cartazes expostos nos frigoríficos destas lojas, acompanhada de um pedido de desculpas aos clientes. A situação deve-se a uma combinação de fatores: a maior epidemia de gripe aviária da história do país, decisões logísticas internas e políticas comerciais controversas da administração de Donald Trump.

Desde 2022, o vírus H5N1, causador da gripe aviária, provocou a morte de 136 milhões de aves nos EUA. Apenas no último trimestre de 2024, mais de 20 milhões de galinhas poedeiras foram abatidas, representando cerca de 10% da população de aves produtoras de ovos no país, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA.

A situação agravou-se com o surgimento de casos humanos. Até 6 de janeiro de 2025, foram registadas 67 infeções em pessoas, com uma morte confirmada no mesmo mês, de um paciente idoso com comorbidades. Estados como Califórnia e Colorado estão entre os mais afetados, com o primeiro a declarar estado de emergência após um caso grave.

Karyn Rispoli, editora da Expana, explicou ao The New York Times: “Esta é a onda mais devastadora de gripe aviária desde o início do surto há três anos. Desta vez, as explorações que abastecem o setor retalhista foram desproporcionalmente atingidas, criando um vazio significativo.”

A crise também se reflete nos preços, que dispararam para níveis sem precedentes. Em 2022, o preço médio de uma dúzia de ovos era de 2,86 dólares. Hoje, os valores alcançam 8 dólares na Califórnia e cerca de 7 dólares em Nova Iorque, com um aumento de 28,1% nos últimos meses.

Embora a inflação crescente nos últimos anos da administração de Joe Biden já tivesse pressionado os preços, a situação foi agravada pela gripe aviária e pela dependência de importações de Canadá e México. A administração Trump impôs tarifas de 25% a estes países, exacerbando os problemas de abastecimento interno.

Rafael Calduch, especialista em economia e relações internacionais da Universidade Europeia, afirmou ao El Confidencial: “Não deveria haver esta escassez. Nos EUA, o problema está na logística interna. Além disso, há falta de mão de obra, as infraestruturas são obsoletas e o setor agrícola depende fortemente de trabalhadores imigrantes.”

A administração Trump decidiu restringir a comunicação oficial sobre a gripe aviária. Segundo o The New York Times, foram canceladas reuniões com especialistas científicos, e entidades como o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) e a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) estão impedidas de publicar atualizações sobre os contágios.

Críticos, como o ex-secretário do Trabalho, Robert Reich, classificaram esta decisão como “uma ameaça à saúde pública e à economia”. Trump justificou a medida como parte de um controlo narrativo sobre questões de saúde pública, mas cientistas alertam para as graves consequências desta falta de transparência.

Além disso, a saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma decisão do primeiro dia do novo mandato de Trump, também gerou preocupações. O diretor da OMS, Tedros Adhanom, alertou: “Não é uma questão de se haverá outra pandemia, mas de quando ela acontecerá.”

Especialistas temem que a gripe aviária, que atualmente não é transmissível entre humanos, possa sofrer mutações e agravar-se. A combinação de fatores como políticas protecionistas, infraestruturas inadequadas e uma epidemia descontrolada sublinha as fragilidades do sistema agrícola e de saúde pública nos EUA.

Enquanto isso, as prateleiras vazias de ovos simbolizam não apenas uma crise sanitária, mas também os desafios políticos e económicos de um país em tensão.