Novo atraso na linha de alta velocidade devido a desacordo com bitola ibérica

A construção da nova linha ferroviária de alta velocidade entre Porto e Lisboa, inicialmente prevista em bitola ibérica (1668 mm), está a gerar novas dúvidas devido a regulamentações europeias mais recentes e decisões estratégicas em Espanha. A possibilidade de construir a linha diretamente em bitola europeia (1435 mm) está agora em análise, num processo que visa equilibrar exigências técnicas, custos e prazos.

Segundo avança o Diário de Notícias, Infraestruturas de Portugal (IP) encomendou à consultora TIS um estudo custo-benefício para comparar duas abordagens principais: construir a linha em bitola ibérica, adaptando-a mais tarde à bitola europeia, ou optar desde o início pela medida europeia. Este estudo deve ser concluído até abril de 2024, servindo como base para Portugal solicitar à Comissão Europeia uma isenção temporária das normas de interoperabilidade ferroviária.

As opções em análise incluem:

  1. Construir a linha em bitola ibérica, mas com travessas polivalentes para permitir uma migração futura.
  2. Completar a ligação Porto-Carregado em bitola ibérica e mudar para bitola europeia no troço Carregado-Lisboa.
  3. Construir toda a linha diretamente em bitola europeia, garantindo ligações à rede ibérica através de aparelhos de mudança de bitola ou instalação de um terceiro carril.

A escolha terá implicações práticas significativas. Se a linha for inicialmente construída em bitola ibérica e depois adaptada, será necessário reduzir temporariamente a oferta de viagens durante a migração, um processo que pode durar entre um e dois anos, com troços reduzidos a via única.

Por outro lado, uma construção direta em bitola europeia evitaria esta interrupção, mas exigiria soluções técnicas dispendiosas, como aparelhos de mudança de bitola ou comboios de eixos variáveis, para manter a ligação com a restante rede ferroviária portuguesa.

Desde julho de 2026, Portugal é obrigado a submeter à Comissão Europeia uma avaliação detalhada sobre a migração da sua rede ferroviária para a bitola europeia, especialmente para linhas situadas nos corredores europeus de transporte. Esta análise deve incluir uma avaliação de custos, benefícios socioeconómicos e impacto na interoperabilidade, tanto para a adaptação de linhas existentes quanto para a construção de novas infraestruturas.

A colaboração com Espanha será crucial para evitar a criação de uma “ilha ferroviária” em Portugal. Em Espanha, regiões como a Galiza e a Estremadura têm linhas de alta velocidade em bitola ibérica, mas as adaptações para bitola europeia estão em curso em troços estratégicos, como o Madrid-Badajoz. Recentemente, o governo espanhol anunciou que o novo percurso Toledo-Talavera de la Reina será construído já em bitola europeia, com conclusão prevista para 2030.

Esta transição gradual em Espanha terá impacto direto na ligação Lisboa-Elvas, onde a linha existente em bitola ibérica foi construída com travessas polivalentes e espaço para uma segunda via em bitola europeia.

A experiência de outros países pode influenciar a decisão portuguesa. A Finlândia, por exemplo, construiu grande parte da sua rede em bitola russa (1520 mm) devido a fatores históricos, mas o prolongamento da guerra na Ucrânia está a levar o país a reconsiderar uma migração para a bitola europeia, visando reforçar as ligações com o centro da Europa.

Por outro lado, o mais recente mapa dos corredores transeuropeus inclui rotas militares, sublinhando a importância de infraestruturas ferroviárias interoperáveis para o transporte de equipamentos pesados em contextos estratégicos.

A decisão sobre a bitola da linha Porto-Lisboa será determinante para o futuro da mobilidade ferroviária em Portugal. A escolha de construir diretamente em bitola europeia pode alinhar o país com os regulamentos comunitários e facilitar a interoperabilidade, mas envolve custos iniciais mais elevados.

Por outro lado, optar pela bitola ibérica como solução temporária permitiria integrar a nova linha à rede nacional atual, mas atrasaria a adaptação às normas europeias e obrigaria a uma interrupção significativa do serviço durante a migração.

A decisão final dependerá não só da análise custo-benefício, mas também do financiamento europeu, da coordenação com Espanha e das pressões para cumprir os prazos impostos por Bruxelas. Resta saber se o Governo vai avançar com as obras antes da aprovação formal da Comissão Europeia ou se aguardará uma decisão definitiva para evitar riscos adicionais.