Musk, Bezos, Zuckerberg: o assalto dos ‘tecnoligarcas’ ao poder para forjar a nova ordem mundial
Elon Musk, fundador da Tesla e proprietário do ‘X’, tem mobilizado a agenda política global nos últimos das, com os seus ataques online a Governos europeus e as suas tentativas de desestabilização. Não se sabe se se trata de uma estratégia concertada com Donald Trump ou mais um episódio da sua personalidade, mas começa a ficar claro que a ‘era Musk’ é mais do que cascatas de tweets: é o início de uma fase em que os gigantes tecnológicos vão definir o tabuleiro geopolítico global – chegou a hora dos “tecnoligarcas” e todos querem um lugar na primeira fila.
Donald Trump prepara-se para assumir, esta segunda-feira, a presidência dos Estados Unidos: na corrida eleitoral, angariou quase 200 milhões de dólares em donativos para o seu evento de tomada de posse, o que é um novo recorde. Mas quem assinou os cheques? De acordo com a publicação espanhola ‘El Confidencial’, Sam Altman (OpenAI), Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon) e Tim Cook (Apple), entre outros CEO e investidores tecnológicos, vão desembolsar mais de um milhão de dólares cada a título pessoal. “No primeiro mandato, todos me recusaram”, indicou recentemente Trump. “Agora todos querem ser meus amigos.”
Estes apoios são pistas do que poderão ser os próximos quatro anos: a ascensão de Trump teve dedo de Musk, que ‘orientou’ os algoritmos do ‘X’ a seu favor e doou 277 milhões de dólares para a campanha, tornando claro que a tecnologia se tornou um valor estratégico capaz de vencer eleições ou alterar o equilíbrio de forças entre poderes opostos. Embora possa apanhar alguns de surpresa, este passo em frente dado por alguns líderes tecnológicos tem estado a ‘fermentar’ nas sombras durante as últimas décadas. Agora assistimos apenas ao seu surgimento definitivo.
Há 16 aos, Peter Thiel, cofundador da PayPal com Elon Musk, foi quase ‘profético’: “O nosso destino dependerá do esforço de um único indivíduo que construa ou propague a maquinaria da liberdade que faz do mundo um lugar seguro para o capitalismo.” A profecia do professor cumpriu-se: Trump é o escolhido, Musk o seu defensor.
A transformação ideológica do fundador da Tesla não pode ser compreendida sem a figura de Peter Thiel, nem o aumento de poder da fação conservadora de Silicon Valley e das big tech. Mas ninguém tão expressivo como Curtis Yarvin, um dos principais conselheiros do vice-presidente JD Vance e engenheiro de software. Autointitulado reacionário e extremista, que escreveu a favor da escravatura e supremacia branca, Yarvin partilhou apenas ideologias em estado embrionário, surgindo nas palestras universitárias ou nos jantares dos então jovens investidores Peter Thiel, Elon Musk, David Sacks ou Marc Andreessen, onde se partilhou um mundo repleto de mini-Estados anarco-capitalistas onde as capacidades humanas, melhoradas pela tecnologia, não tivessem limites.
Foi preciso esperar pelo ‘boom’ do setor tecnológico: até 2008 existia apenas uma empresa tecnológica entre as 20 maiores empresas com maior capitalização bolsista mundial: a Microsoft. Hoje, este top 20 é dominado por oito empresas tecnológicas (sete dos EUA), com uma capitalização bolsista combinada de 15,3 biliões de euros. Somando o PIB da Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha não se chegaria perto deste valor. Em apenas 15 anos, as grandes tecnologias e um punhado de milionários tornaram-se os novos donos do planeta.
Tecnomilionários sem máscara
A primeira vez que se percebeu o que estava a acontecer foi em 2016: Peter Thiel declarou o seu apoio a Donald Trump e fez um discurso na Convenção Nacional Republicana. Foi o primeiro a quebrar o tabu e a demonstrar que em Silicon Valley não existiam apenas progressistas. Por esta razão, Thiel é hoje considerado um visionário não só tecnológico, mas também político: foi ele quem abriu caminho para o resto dos ‘broligarcas’ libertários-autoritários.
O poder da tecnologia explodiu de uma forma que quase ninguém sabia prever ou impedir. A indústria automóvel elétrica e autónoma, os processadores de gama alta, o boom das criptomoedas, a entrada de Silicon Valley no negócio da guerra (com Thiel, novamente, no comando) e, acima de tudo, a revolução da inteligência artificial, tornaram-se a roda que agora faz girar a competição entre os EUA, a Europa e a China.
O seu poder aumentou tanto que estas empresas gastam anualmente mais em inovação do que países inteiros. Um exemplo: apenas a Alphabet , empresa-mãe da Google, gasta mais anualmente em I&D do que os Governos de Espanha e Itália juntos. Isto gerou uma tensão geopolítica sem precedentes. Os arquitetos do milagre económico nos EUA exigem rédea solta para a sua visão, querem aliviar a regulamentação. A Europa, fora da corrida, optou pelo contrário.
Esta tensão desencadeou em grande parte o segundo fenómeno, o salto definitivo dos “tecnoligarcas” para o poder político. Só em 2024, concretamente na tarde de 13 de julho, quando Trump quase foi morto a tiro durante um comício, é que foi confirmada a ‘Santa Aliança’ entre o movimento nacional-populista de Trump e os tecno-milionários de São Francisco. Elon Musk substituiu Thiel e abriu-lhe as portas, apoiando o candidato republicano, fazendo campanha por ele e doando 277 milhões de dólares para a sua campanha, incluindo pagamentos aos eleitores.
Agora que Musk alcançou o cargo de conselheiro não oficial, mas claramente estrela, de Donald Trump, e co-responsável (juntamente com Vivek Ramaswamy , defensor do turbocapitalismo e fundador da empresa farmacêutica Roivant Sciences), pelo corte e reestruturação do Governo federal, a questão é o que vai acontecer, como é que os interesses empresariais e ideológicos dos ‘tecnoligarcas’ da administração Trump vão impactar os EUA e o resto do mundo.
O acordo por baixo da mesa é simples: se Silicon Valley seguir as suas ordens e se permitir ser ‘vacinado’ com a fórmula de Musk (tecno-autoritarismo em nome da liberdade de expressão), Trump legislará a favor da big tech. Ou, pelo menos, não os irá prejudicar. Isto inclui defendê-los contra a Europa “retrógrada”.
“Estamos numa corrida até à morte entre a política e a tecnologia”, escreveu Thiel no seu famoso artigo de 2009: “Não sabemos exatamente quão perto está, mas suspeito que poderá estar muito perto, mesmo até ao limite.”