Máscaras recomendadas, lições da Covid e um olhar (mais) atento para novas variantes: Os temas que vão estar em destaque na reunião do Infarmed
Esta sexta-feira, pela primeira vez desde o fim do estado de alerta devido à Covid-19, especialistas, médicos, responsáveis de saúde pública, investigadores e decisores políticos voltam a reunir-se na sede do Infarmed, em Lisboa, para discutirem e analisarem a atual situação pandémica em Portugal, tirar conclusões e daí orientarem os próximos passos a adotar no combate à pandemia.
A Multinews falou com alguns especialistas e antecipa aqueles que serão os principais temas a marcarem a discussão na reunião de peritos.
Máscaras: Recomendadas sim, obrigatórias não. “Imposições” e estado de alerta também não regressam
Ao longo de quinta-feira, a Diretora-Geral da Saúde e o ministro da Saúde já ‘estragaram’ a surpresa, com o objetivo de acalmar a opinião pública: as máscaras obrigatórias não vão regressar.
Manuel Pizarro, primeiro, afastou “completamente” a hipótese. “Não há nenhuma intenção nem necessidade de regressar, pelo menos a curto-prazo a quaisquer medidas de estado de alerta ou imposições em matéria de saúde pública, isso está completamente afastado”, destaco o ministro da Saúde.
Depois Graça Freitas, em entrevista, afirmou que as máscaras deviam de ser uma “recomendação” e não uma “obrigação”.
À Multinews, Gustavo Tato Borges , presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), e Henrique Oliveira, matemático e investigador do Instituto Superior Técnico, já tinham antecipado que seria esta a realidade.
“Não me parece que, para já, haja regresso das medidas como do uso obrigatório de máscara, os testes gratuitos ou o isolamento obrigatório nos casos de infeção. Poderá haver uma discussão para o aparecimento e criação de novos níveis de alerta, já que estamos a analisar o nível médio de internamentos e mortes atualmente. Já vimos que as medidas aplicadas podem demorar mais de quatro semanas a surtir efeito e por isso pode ser necessária uma vigilância mais próxima. Poderão sair medidas de alerta precoce, para evitar uma sobrecarga nos serviços de saúde”, afirma Tato Borges.
Também Óscar Felgueiras, da faculdade de Ciências da Universidade do Porto, considera que “de momento, as medidas em vigor são adequadas”. “Ao dia de hoje, não me parece que hajam indicadores que justifiquem medidas como o regresso do uso de máscara ou do isolamento obrigatório. Só faria sentido com indicadores, com risco sério e um agravamento”, sustentou.
O encontro desta sexta-feira será “sobretudo uma reunião de reflexão, de análise do que está a acontecer”, explica Henrique Oliveira.
Novas sub-variantes e vigilância mais apertada a novos casos
Segundo os especialistas ouvidos pela Multinews, é expectável que se discutam as formas de resposta às novas sub-variantes da Covid-19, com uma análise à situação de alguns países onde as sub-variantes BQ.1 e BQ.1.1 já têm alguma prevalência relevante.
“Noutras reuniões observávamos e analisávamos a evolução dos números em Portugal, agora poderemos mostrar dados dos EUA ou do Reino Unido, que têm novidade face à nossa realidade. O que vemos é que, à partida, estas sub-variantes não causarão doença mais grave, não é o caso observado para já. Será sobretudo uma reflexão sobre os níveis de alerta a serem seguidos e sobre a forma de comunicação com as populações, sempre com o objetivo de minimizar o risco de infeção”, explica Gustavo Tato Borges, que adianta que estas variantes “vão dominar o inverno”.
Por seu lado, Henrique Oliveira dá outro exemplo: “Na Itália, por exemplo, há grande preocupação com a sub-variante ‘Cerebrus’ [BQ.1.1], mas o que vemos é que, se a população estiver vacinada e com reforço, creio que não teremos perigo”.
Gustavo Tato Borges defende que se deverá “apertar a malha” na vigilância dos novos casos de infeção, que não estão a ser seguidos tão de perto como anteriormente.
A situação atual em Portugal
A reunião no Infarmed deverá começar precisamente por uma análise à atualidade pandémica em Portugal.
“E o que se passa atualmente é uma situação muito calma ainda”, explica Henrique Oliveira, que exemplifica que, segundo a escala de risco criada pelos especialistas, Portugal está com 32 pontos nos indicadores de risco. “Há um ano estávamos com 62 pontos e há dois anos tínhamos mais de 140 pontos, sendo que mais de 120 pontos é considerado uma catástrofe. Por isso a situação, para já, parece controlada”.
“Há uma ligeira tendência de subida nos novos casos de Covid-19, que se deve ao efeito da sazonalidade. Vão ser comparadas as ondas dos outros anos”, adianta o especialista, que acredita que a Covid-19 está a entrar “numa fase endémica”, onde se tornará “numa coisa habitual”.
Gripe+Covid+SRV = Pressão no SNS. Peritos pedem adoção de comportamentos
A pressão sobre os serviços de saúde será outro dos temas discutidos pelos especialistas, numa altura em que se regista já grande afluência às urgências hospitalares em todo o País.
Os especialistas adiantam que terá de se encontrar formas de lidar e gerir os efeitos da ‘combinação’ da Covid-19 com outros vírus respiratórios, como a gripe ou o vírus sincicial respiratório.
“Para além das novas variantes, poderá haver outros desafios este inverno. Na África do Sul, no inverno, houve um pico de casos de gripe muito intenso e rápido, algo a que estamos a assistir em Portugal. Se não houver cuidados e se não se implementarmos as medidas que aprendemos na pandemia, então os serviços de saúde vão estar sob pressão. Podemos ter muitos casos de Covid, de vírus sincicial respiratório (SRV) e gripe que vão sobrecarregar e condicionar o SNS”, alerta Gustavo Tato Borges.
Já Henrique Oliveira assegura que é necessário discutir e reformular o SNS para que ‘aprenda’ a responder à Covid-19 da mesma forma que, todos os anos, responde à gripe ou a outras infeções: “Não se adaptou a realidade do SNS para esta doença. Há uma planificação que deve ser feita, por médicos e matemáticos, é preciso repensar o funcionamento do SNS para responder a esta nova realidade”, defende.
Para o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, o maior desafio a ser discutido pelos especialistas no Infarmed é mesmo a forma de comunicar com a população e levá-la a adotar os comportamentos e medidas aprendidos com a pandemia.
“O principal desafio é a incorporação das lições que aprendemos com a Covid. Não podemos voltar ao que era, temos de mostrar uma evolução e aprendizagem, respeito uns pelos outros. Senão poderá mesmo ter de haver regresso das máscaras ou outras medidas mais dramáticas”, sustenta Gustavo Tato Borges, adiantando que a questão da vacinação, e da necessidade de ser reforçada, também entre as crianças, será ponto de discussão esta sexta-feira.