Lei dos solos: Secretário de Estado que se demitiu não declarou empresa suspeita à Entidade para a Transparência
Hernâni Dias, até agora secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, apresentou a sua demissão na sequência de uma polémica envolvendo a empresa imobiliária Prumo, Esquadria e Perspetiva, que não declarou à Entidade para a Transparência (EpT). A sociedade foi criada 13 dias antes de o Governo aprovar alterações à lei dos solos, que facilitam a reclassificação de terrenos rústicos para urbanos, uma matéria na qual o governante teve intervenção direta. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, aceitou o pedido de demissão.
A decisão de Hernâni Dias surgiu menos de 24 horas depois de o Correio da Manhã lhe ter enviado um conjunto de questões sobre a constituição da Prumo, Esquadria e Perspetiva, o facto de um dos seus sócios ser uma jovem menor de idade e a omissão da empresa na sua declaração de interesses à EpT. O governante controlava a sociedade através da MCRH Singular, uma empresa familiar do mesmo setor, constituída um mês antes da alteração à lei dos solos. Documentos revelam que a MCRH foi criada em 28 de outubro de 2024, sendo detida por Hernâni Dias, a mulher e os dois filhos. Pouco depois, a 15 de novembro, foi constituída a Prumo, Esquadria e Perspetiva, com o capital social dividido entre a MCRH Singular e a jovem menor de idade. No dia 28 de novembro, o Conselho de Ministros aprovou a revisão legislativa que pode beneficiar diretamente empresas como a Prumo, levantando suspeitas de conflito de interesses.
Nos termos da lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que regula a transparência dos titulares de cargos políticos, Hernâni Dias tinha obrigação de declarar à EpT todas as participações em sociedades civis ou comerciais, sejam detidas diretamente ou por intermédio de outras entidades. O agora ex-secretário de Estado submeteu uma declaração de substituição em 17 de janeiro de 2025, na qual mencionou ser sócio da MCRH Singular, mas omitiu qualquer referência à Prumo.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, comentou o caso horas antes da demissão, sublinhando que esta era uma decisão que cabia “ao primeiro-ministro e ao próprio”. Durante um evento no Palácio de Belém, o chefe de Estado referiu que era necessário “ver o que efetivamente se conclui” sobre as suspeitas que recaem sobre Hernâni Dias. Para além da questão da empresa imobiliária, o ex-governante é também alvo de uma investigação da Procuradoria Europeia relacionada com fundos comunitários atribuídos ao município de Bragança, do qual foi presidente da câmara. “Esse tipo de investigação é muito rápida”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, manifestando expectativa de que haja esclarecimentos em breve.
A polémica mantém-se no plano político. Apesar da saída de Hernâni Dias do Governo, o Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal insistem na necessidade de esclarecimentos no Parlamento, mantendo os requerimentos para uma audição urgente do ex-secretário de Estado. Os partidos exigem explicações sobre o eventual conflito de interesses na aprovação da lei dos solos e sobre a omissão da empresa imobiliária nas declarações de rendimentos e património.