Instabilidade política à vista (também) na Argélia? Candidatos às presidenciais questionam resultados e apontam suspeitas de irregularidades

As eleições presidenciais na Argélia, marcadas historicamente por um controlo apertado, estão a ser abaladas por acusações de irregularidades – a ecoar situações semelhantes noutros pontos do mundo, como o caso recente das presidenciais na Venezuela que deram a vitória a Nicolás Maduro.

O presidente Abdelmadjid Tebboune, que parecia garantir uma vitória esmagadora, uniu-se surpreendentemente aos seus dois adversários numa declaração conjunta para questionar os resultados divulgados pela Autoridade Eleitoral Nacional Independente da Argélia (ANIE). A situação gerou incertezas num país onde os processos eleitorais são frequentemente vistos com desconfiança, especialmente entre os movimentos pró-democracia.

Discrepâncias nos números de participação

Inicialmente, a ANIE anunciou uma taxa de participação de 48%, o que indicava uma afluência significativa às urnas. No entanto, quando os resultados individuais dos candidatos foram revelados, tornou-se claro que a participação era muito inferior ao que fora reportado. Segundo os números finais, apenas 5,6 milhões de eleitores, de um universo de cerca de 24 milhões de eleitores registados, tinham votado, o que diminuiu a taxa real de participação.

Este aparente desfasamento nos dados levantou suspeitas imediatas. Antes de a declaração conjunta ser emitida, tanto Abdelali Hassani Cherif, candidato islamista, como Youcef Aouchiche, socialista, já tinham expressado as suas preocupações em relação aos números apresentados pela autoridade eleitoral, alegando que os seus próprios dados indicavam outra realidade.

Declaração conjunta e críticas à ANIE

O momento mais surpreendente deu-se quando Tebboune, juntamente com os seus adversários, criticou abertamente a ANIE. Numa declaração conjunta, os três candidatos apontaram para a contradição entre os números de participação inicialmente divulgados e as contagens locais, pondo em causa a transparência do processo. “Estamos preocupados com as discrepâncias nos números divulgados, que não refletem o que observámos no terreno,” afirmou Tebboune, numa mensagem inesperada, dado que ele próprio tinha sido declarado vencedor com 94,7% dos votos.

Estas alegações de irregularidades são particularmente impactantes num país onde as eleições são tradicionalmente vistas como uma forma de legitimar o poder das elites militares. O questionamento por parte do presidente eleito e dos seus rivais criou uma situação de incerteza em relação ao futuro imediato do processo eleitoral.

Consequências e possíveis desenvolvimentos

Ainda não está claro o que acontecerá a seguir às alegações conjuntas dos três candidatos. As dúvidas levantadas sobre os resultados podem conduzir a uma investigação formal, a um possível recurso judicial ou até a um atraso na certificação dos resultados finais. A autoridade eleitoral argelina ainda não fez comentários adicionais sobre as críticas, e não se sabe se haverá uma recontagem ou revisão dos números.

O papel da abstenção nas eleições argelinas

A elevada taxa de abstenção nas eleições foi interpretada por muitos como um forte sinal de descontentamento popular, particularmente entre os movimentos pró-democracia, que continuam a denunciar a influência excessiva das elites apoiadas pelos militares. Muitos observadores acreditam que esta abstenção representa uma “lição de democracia”, uma forma de protesto contra o sistema político vigente. Tebboune, considerado o candidato favorecido pelos militares, já havia vencido as eleições de 2019 num cenário similar, marcado por um boicote eleitoral massivo.

Nas eleições de 2019, as manifestações lideradas pelo movimento Hirak – que significa “movimento” em árabe – eclodiram em todo o país após o então presidente Abdelaziz Bouteflika anunciar a sua intenção de concorrer a um quinto mandato. Essa onda de protestos forçou a demissão de Bouteflika e levou à ascensão de Tebboune ao poder.

A repressão e os desafios democráticos

Os ativistas pró-democracia continuam a enfrentar desafios significativos na Argélia, num clima de crescente repressão. A Amnistia Internacional condenou recentemente o que descreveu como uma “brutal repressão dos direitos humanos na Argélia, incluindo os direitos à liberdade de expressão, reunião pacífica e associação,” numa declaração emitida pouco antes das eleições presidenciais.