Hezbollah está a ser empurrado para um conflito total com Israel (e as consequências serão devastadoras para todos)

Durante quase um ano, Israel e o Hezbollah têm-se envolvido em escaramuças transfronteiriças cada vez mais provocatórias, sendo que os observadores têm alertado que esta guerra de desgaste crescente poderia conduzir a região a um conflito total. Nos últimos dias, este cenário está cada vez mais perto da realidade.

Primeiro, foi o ataque aos pagers e walkie-talkies de Israel, um rombo sem precedentes às comunicações do Hezbollah, que feriu milhares de efetivos do grupo terrorista xiita, recordou o portal ‘The Conversation’. Depois, o assassinato de Ibrahim Aqil, importante dirigente do Hezbollah, após um ataque aéreo que provocou a morte de outros comandantes seniores xiitas, bem como alguns civis. A resposta do Hezbollah foi alargar o alcance geográfico dos seus rockets disparados contra Israel, tendo por alvos instalações militares e bairros civis em todo o norte de Israel. Telavive lançou um novo ataque aéreo, no qual foram mortas mais de 270 pessoas, de acordo com as autoridades de saúde libanesas, assim como a fuga de milhares de residentes do sul do Líbano para o norte do país.

Num artigo de opinião, Asher Kaufman, professor de História e Estudos para a Paz da Universidade de Notre Dame, estudioso do Líbano e Israel, destacou que, apesar da elevada retórica e ameaças mútuas de destruição, nem Israel nem o Hezbollah nem o Irão demonstraram interesse numa guerra em grande escala. As partes conhecem as prováveis consequências destrutivas de um eventual conflito: Israel tem poder militar para devastar Beirute e outras partes do Líbano (como fez em Gaza), um Hezbollah mesmo enfraquecido pode disparar milhares de mísseis contra locais estratégicos israelitas. Assim ‘preferiram’ trocar tiros ao longo da fronteira partilhada, com linhas vermelhas relativamente acordadas sobre o âmbito geográfico dos ataques e aos esforços para não atingir intencionalmente civis.

Ainda assim, os restantes ataques israelitas no Líbano podem ter feito virar a página deste conflito para uma situação muito aguda, colocando a região à beira de uma guerra total – uma guerra tal que causaria estragos no Líbano e em Israel e que poderia arrastar o Irão e os Estados Unidos para um confronto direto.

Uma perigosa ‘nova fase’

O secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, insistiu que a sua organização só iria conter o fogo se fosse alcançado um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Porém, nas últimas semanas, Israel tem levado o conflito na direção oposta. O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, descreveu os ataques coordenados contra alvos do Hezbolah como uma “nova fase”, acrescentando que o “centro de gravidade” da guerra estava a mover-se para norte, para o Líbano.

O ataque ao sistema de comunicações do Hezbollah teve como alvo os agentes da organização, mas atingiu muitos civis, deixando os libaneses em estado de choque, trauma, raiva e desespero. No entanto, demonstrou a vantagem militar tática de Israel sobre o Hezbollah. A penetração sem precedentes no seio das estruturas de comando e de base da organização nunca foi vista antes em qualquer conflito ou guerra a nível global. Atingiu o Hezbollah nos seus locais mais vulneráveis ​​e até expôs a sua coordenação com o Irão – uma das pessoas feridas nas explosões dos pagers foi o embaixador iraniano no Líbano.

O assassinato de Akil, dois dias depois, foi mais um sinal de que o Governo israelita tinha agora decidido tentar mudar as regras deste arriscado jogo de represálias e contra-represálias. É claro que a intenção de Israel é agora pressionar o Hezbollah a ceder.

Fora de controlo

Nasrallah fez um discurso sombrio e desafiante após o ataque dos pagers, reconhecendo que o Hezbollah foi gravemente prejudicado nesta operação: definiu o ataque de Telavive como a continuação “de múltiplos outros massacres perpetrados pelo inimigo ao longo de décadas”. Embora tenha afirmado que as ações israelitas “ultrapassaram todas as linhas vermelhas” e que poderiam equivaler a uma declaração de guerra, Nasrallah sublinhou um ponto que há havia defendido ao longo deste conflito: a retribuição está a chegar, sendo uma questão de tempo e escala – dessa forma, sinalizou que poderá não estar interessado numa guerra total.

Israel, por outro lado, parece menos contido: depois de quase um ano inteiro de tensão contida com o Hezbollah, os líderes israelitas parecem dispostos a arriscar uma escalada que poderá ficar fora de controlo.

Depois de golpes tão devastadores contra o grupo terrorista, é difícil pensar que o Hezbollah estaria disposto a reduzir a escala, a parar os seus ataques transfronteiriços e a retirar-se da fronteira israelita, ou a desistir do seu compromisso de apoiar o Hamas em Gaza. Por outro lado, optar por uma guerra em grande escala, depois de passar um ano a evitá-la, é repleto de riscos – tanto Nasrallah como os seus patrocinadores em Teerão conhecem bem os elevados custos de uma tal guerra para o Hezbollah, o Líbano e potencialmente também para o Irão.

Se o Hezbollah entrasse agora em guerra contra Israel, seria o seu movimento mais importante desde a sua fundação, em 1982. Mas fá-lo-ia com sistemas de comunicações deficientes e sem grande parte da sua liderança. Em alguns aspetos, os israelitas sob a liderança de Netanyahu, e os libaneses num país cada vez mais refém dos interesses do Hezbollah, enfrentam situações semelhantes: o seu bem-estar está a ser sacrificado por outras prioridades.

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