Famílias portuguesas ‘travam a fundo’ no consumo e fazem desacelerar PIB

Após dois trimestres consecutivos de crescimento robusto, o consumo das famílias portuguesas praticamente estagnou entre abril e junho deste ano. Esta desaceleração ocorreu num contexto em que a procura externa líquida se manteve negativa, o que tornou o crescimento económico do país ainda mais dependente do investimento. Sem este impulso, a economia poderia ter voltado a contrair-se.

Os dados mais recentes sobre a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, divulgados na última semana, revelam uma tendência preocupante para Portugal e para a zona euro em geral: o consumo das famílias, que muitos esperavam ser o motor da recuperação económica após os choques da inflação e das elevadas taxas de juro, pode não desempenhar o papel esperado. Apesar de os rendimentos reais terem continuado a recuperar, as famílias portuguesas parecem estar a optar por reforçar as suas poupanças em vez de aumentar os gastos, mesmo num cenário de maior confiança.

No primeiro trimestre, a taxa de poupança das famílias em Portugal subiu para 11,6%, um aumento significativo em relação aos 6,5% registados no final de 2023, e a maior subida entre os países da zona euro, segundo dados do Eurostat. No conjunto da zona euro, a taxa de poupança aumentou de 14% para 15,3%. Embora os dados do segundo trimestre ainda não sejam conhecidos, a estagnação nas despesas de consumo das famílias, num período em que os rendimentos continuaram a crescer, sugere que os portugueses mantiveram uma atitude conservadora, optando por poupar em vez de gastar.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), entre abril e junho, o consumo das famílias residentes registou um crescimento marginal de apenas 0,2% em relação ao início do ano. Contudo, dado que o consumo das famílias é o maior componente do PIB na ótica da despesa, essa ligeira subida ainda contribuiu positivamente para o crescimento económico, ajudando a mitigar o impacto negativo da procura externa. No entanto, foi o investimento que evitou uma contração da economia. Sem a recuperação registada no investimento, o PIB teria caído 0,2%, segundo cálculos do jornal Negócios baseados nos dados disponíveis.

A reticência das famílias em gastar tornou-se evidente nos consumos de serviços, como restauração, cabeleireiros, saúde e educação, e também em bens não alimentares, como vestuário. Nesta última categoria, as despesas caíram 0,2% em comparação com o trimestre anterior, refletindo a maior cautela dos consumidores.

Por outro lado, os gastos em alimentos subiram 1,1% em relação ao trimestre anterior, embora a um ritmo mais lento do que no início do ano, quando o aumento foi de 2,7%. Além disso, verificou-se uma recuperação nas chamadas “compras importantes”, como automóveis, eletrodomésticos e mobiliário, que cresceram 1,7% face ao trimestre anterior. No entanto, as despesas com estes bens duradouros continuam abaixo dos níveis registados um ano antes.

Com as exportações praticamente estagnadas na primavera e as importações a registarem subidas maiores, foi o investimento que desempenhou um papel crucial na manutenção do crescimento económico, contrabalançando o efeito negativo da procura externa líquida. O PIB registou uma ligeira variação positiva de 0,1%. A formação bruta de capital fixo cresceu 1,2%, impulsionada por mais aquisições de material de transporte, equipamentos e máquinas. Contudo, o investimento na construção manteve-se em queda pelo segundo trimestre consecutivo.

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